“Tempo é cérebro e está nas mãos de cada um agir o mais rapidamente possível”

O AVC continua a ser a principal causa de mortalidade e incapacidade permanente no nosso país. De acordo com o presidente da Sociedade Portuguesa de AVC, por hora, três portugueses sofrem um AVC. Destes, um não sobreviverá e pelo menos metade ficará com sequelas incapacitantes.

O Dia Nacional do Doente com AVC é celebrado este mês. Qual é a mensagem fundamental que gostaria de transmitir aos seus colegas médicos?

O dia 31 de março foi estabelecido como o Dia Nacional do Doente com Acidente Vascular Cerebral, criado pela Sociedade Portuguesa do AVC, consta do Diário da República II Série nº 23910/2003, com vista a chamar a atenção da população geral para a realidade do acidente vascular cerebral (AVC) em Portugal e sensibilizar toda a sociedade para as medidas que se podem e devem tomar para o evitar, aproveitando todas as oportunidades para o fazer.

Assim, nesta data, importa frisar que estamos perante uma doença gravíssima, que representa a primeira causa de mortalidade e incapacidade no nosso país, mas que se pode prevenir e tratar!

Metade dos AVC poderiam ser prevenidos controlando a pressão arterial e deixando de fumar, por exemplo. No mesmo sentido, o tratamento adequado na fase aguda do AVC pode reduzir as taxas de morte e incapacidade em 50%.

Assim, o que os leitores do Jornal de Saúde Online, profissionais de saúde, devem reter nesta data, é a importância de alertar os utentes (sobretudo nos cuidados de saúde primários) para as medidas de prevenção do AVC, as quais dizem respeito ao combate aos fatores de risco cerebral, como a hipertensão arterial, o tabagismo, a diabetes, o sedentarismo, e a fibrilhação auricular, procedendo ao seu controlo. Incentivar a população a vigiar os valores da tensão arterial e do ritmo cardíaco, não fumar, adotar uma alimentação saudável e praticar exercício físico regular adaptado às respetivas idades, são algumas medidas que nos devem acompanhar toda a vida.

Paralelamente, a população deve também ser informada dos sinais de alerta de AVC, os chamados 3 F’s – falta de força num braço; desvio da face; e dificuldade na fala – e saber que, perante o aparecimento de um deles, a única atitude correta é a de acionar de imediato os serviços de emergência, através do 112. A Via Verde do AVC está organizada em Portugal para encaminhar os doentes rapidamente para os hospitais capazes de fornecer os tratamentos adequados.

Como é sabido, dispomos hoje de tratamentos inovadores de fase aguda, como a trombólise farmacológica e a trombectomia mecânica, que aumentam as taxas de sobrevivência e reduzem a incapacidade, e que serão tanto mais eficazes quanto mais cedo forem administrados. Por isso, temos vindo a lembrar que tempo é cérebro, e está nas mãos de cada um agir o mais rapidamente possível. O conhecimento, consciência e literacia em Saúde são a pedra angular para desencadear esta ação.

Sabemos que a eficácia da transmissão destas mensagens numa determinada data é fugaz, pelo que estas informações devem ser repetidas ao longo do tempo, todos os anos e em diferentes ocasiões, conforme já referimos. Conto convosco, colegas, para continuar a reforçar estes alertas em todas as oportunidades de contacto com a população.

Qual o peso do AVC em Portugal e qual tem sido a evolução da incidência de AVC nos adultos jovens? Considera os números preocupantes?

Desde a década de 80 que é reconhecida, em Portugal, a elevada taxa de mortalidade associada ao AVC que, ao nível europeu, e mesmo comparativamente a outros países da Europa ocidental, se destacava pela negativa. A partir de então, fruto de campanhas de sensibilização da população no âmbito desta e de outras efemérides, de uma melhor organização dos cuidados de Saúde no que respeita ao tratamento dos doentes com AVC e também devido à evolução dos próprios tratamentos utilizados nas primeiras horas após o aparecimento dos primeiros sintomas, tem-se verificado uma redução da incidência do AVC. Entre os anos de 1990 e 2000, a incidência de AVC era de 2,8 por 1000 habitantes ao ano. Entre 2000 e 2010, verificou-se uma redução para 2,0/1000/ano, ou seja, por ano, em cada 1000 habitantes, cada dois sofrem um AVC.

Apesar da redução da incidência, verificou-se um aumento da prevalência de doentes que sofreram um AVC, uma vez que a taxa de sobreviventes aumentou substancialmente ao longo da última década. O AVC continua, pois, a ser a principal causa de mortalidade e incapacidade permanente no nosso país. Por hora, três portugueses sofrem um AVC. Destes, um deles não sobreviverá e pelo menos metade ficará com sequelas incapacitantes.

Estes números são preocupantes para a comunidade médica nacional, reforçando a necessidade de formar e informar a população acerca das medidas de prevenção desta patologia, dos sinais de alerta de um AVC e dos procedimentos corretos em caso de aparecimento de um dos sintomas.

Ao nível científico, Portugal acompanha a mais elevada excelência da prática médica internacional, merecendo inclusive a atribuição de vários prémios e distinções europeias a instituições, serviços hospitalares e profissionais de saúde portugueses. Importa, por isso, insistir na sensibilização da população para conseguirmos melhorar a nossa posição no ranking europeu de mortalidade por acidente vascular cerebral.

O nosso país continua a falhar na prevenção e no tratamento dos fatores de risco, nomeadamente a hipertensão? Quais as estratégias que os médicos devem privilegiar no tratamento dos vários fatores de risco?

Para além da já referida e repetida necessidade de sensibilização da população, de forma a que cada um seja proativo na promoção e controlo da sua Saúde, os profissionais de saúde podem também contribuir para o controlo dos fatores de risco de AVC, apostando na prevenção e deteção precoce.

Particularmente os profissionais dos cuidados de saúde primários, que estão na primeira linha de contacto com os doentes, têm a responsabilidade de monitorizar regulamente os parâmetros de saúde basilares, como sejam os níveis de pressão arterial; o peso corporal; os valores de colesterol e glicemia; o ritmo cardíaco, entre outros. Medidas corretivas, de eliminação ou controlo dos valores considerados de risco para a ocorrência de AVC (e de outras patologias), devem ser aplicadas de imediato. Ao longo do tempo, deverá existir um esforço de acompanhamento dos doentes, com reforço da adesão terapêutica aos vários tratamentos em curso.

Os profissionais de saúde têm ainda um papel determinante no aconselhamento e motivação da população para a adoção de estilos de vida saudáveis, fornecendo ao público dados e factos científicos que corroborem as mais-valias destas boas práticas: por exemplo, cessação tabágica, hábitos alimentares equilibrados, prática regular de atividade física, higiene do sono, etc.

Nesse sentido, e em jeito de conclusão, é também um dever dos médicos procurar ativamente diagnosticar eventuais fatores de risco cerebrovasculares nos seus doentes, assegurando depois o correto controlo e tratamento das patologias potencialmente desencadeadoras de episódios de AVC.

Considera adequada a capacidade de resposta do SNS ao nível do tratamento e recuperação dos doentes? Qual é a sua apreciação, nomeadamente, da Via Verde do AVC?

Em Portugal, o esforço de melhoria da assistência aos doentes com AVC tem sido notável, com a aposta em múltiplas vertentes.

Em primeiro lugar, a criação e desenvolvimento das Unidades de AVC (UAVC) em Portugal teve um papel determinante na melhoria dos cuidados ao doente com AVC agudo, antecedendo a era da fibrinólise.

Remonta a 1999 o documento “Criação de Unidades de AVC” que, em linhas gerais, definia o AVC como área prioritária de intervenção e sugeria modelos organizativos hospitalares, descritos como áreas físicas bem definidas, com apoio de grupo profissional multidisciplinar. Dois anos mais tarde, a Direção Geral da Saúde reconheceu ganhos em saúde deste modelo organizativo e, nos anos subsequentes, assistiu-se a um aumento exponencial do número de UAVC em funcionamento no país.

Em 2003, foi criada a Via Verde de AVC para agilizar o transporte de doentes. O transporte extra-hospitalar ficou a cargo do INEM e estabeleceram-se protocolos de atuação entre o CODU, hospitais e tripulantes das ambulâncias. Ao longo do tempo a Via Verde foi aperfeiçoada, reativada e alargada, até à criação da Norma da Direção Geral da Saúde para a Via Verde AVC, em 2017.

Nos últimos quatro anos, tivemos a capacidade de reorganizar todo o cuidado do doente com AVC por oclusão de grande vaso, de forma a proporcionar-lhe o tratamento indicado de forma célere e eficaz (trombectomia mecânica).

No entanto, sabemos que há ainda um caminho a percorrer, resultado de um trabalho que poderia ser melhorado e otimizado.

Por exemplo, nos cuidados agudos é preciso garantirmos que todos os hospitais do SNS partilhem, sem quaisquer limitações, imagens e informação clínica. Além disso, todos os serviços de urgência que recebem doentes com AVC agudo têm que saber como tratar estes doentes e conseguir enviá-los para centros de trombectomia de forma célere; já para não falar da importância de garantir o acesso ao tratamento em unidades de AVC para todos os doentes com AVC agudo.

Uma nota final para a reabilitação, o “calcanhar de Aquiles” da gestão do AVC, onde assistimos ainda a um acesso desigual e insuficiente, algo que devemos combater com todos os esforços possíveis e conjuntos. A SPAVC tem vindo a frisar que a reabilitação não é uma esmola, mas sim um direito! É necessário lutar para garantir aos sobreviventes de AVC esta intervenção até à recuperação das capacidades perdidas devido ao episódio vascular cerebral – durante uma vida inteira, se for preciso.

A SPAVC ajudou a criar a Associação Portugal AVC, composta por sobreviventes e familiares/amigos. Considera que a reabilitação é um direito dos doentes. O que falta fazer nesta área?

A SPAVC, tendo como um dos seus objetivos fundadores prevenir e reduzir a mortalidade, morbilidade e incapacidade devidas ao AVC, assume uma natural preocupação e atenção face à reabilitação dos sobreviventes. Reforçando a posição supramencionada, consideramos que há ainda múltiplos aspetos a melhorar nesta área, não só no que diz respeito ao acesso, mas igualmente no que se refere à qualidade dos programas de reabilitação pós-AVC.

Um estudo recente promovido pela SPAVC, intitulado “Caracterização da avaliação e tratamento de reabilitação nas Unidades de AVC em Portugal”, demonstrou que apenas 6 das 28 UAVC do país têm equipas de reabilitação completas, o que significa que há unidades a funcionar muito aquém do que seria desejável no que se refere às intervenções multidisciplinares comprovadamente eficazes na reabilitação de capacidades limitadas (quer sejam físicas, motoras, cognitivas, comunicacionais, psicológicas ou de outro âmbito).

Quando estão a funcionar, estas equipas não só poupam dinheiro ao Estado e às famílias, como as referenciações para a rede nacional são mais atempadas. Assim, é urgente que o acesso dos doentes aos programas de reabilitação seja assegurado e que estas equipas sejam formadas e estejam a trabalhar no terreno.

SO

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