27 Mar, 2024

“Só valorizando o trabalho médico conseguiremos reter estes profissionais no SNS”

Fernando Salvador é o presidente 30.º Congresso Nacional de Medicina Interna, que se vai realizar de 23 a 26 de maio, no Algarve. Em entrevista ao Saúde Online, o diretor do Serviço de Medicina Interna do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro falou das novidades, inovações e objetivos deste que é o maior evento anual da SPMI. Mas não é tudo… o especialista lamenta a “crise”, atualmente, vivida pelo SNS e refere que é fundamental melhorar as condições laborais dos profissionais, evitando perdê-los para a medicina privada ou para o estrangeiro.

O tema central do congresso deste ano é “No Interior da Medicina Interna”. Porquê? Qual é exatamente o seu significado e objetivo?
Este lema representa o que é a Medicina Interna e o que é a Unidade Local de Saúde de Trás-os-Montes e Alto Douro. Como especialidade somos os médicos do doente como um todo, que observa todos os seus órgãos e sistemas com todo o cuidado, interesse e pormenor. Como Unidade Local de Saúde representa a nossa localização territorial. Alerta para a necessidade da valorização uniforme do nosso país, contribuindo para uma maior coesão territorial onde todos temos igualdade de direitos e de oportunidades.

 

“Como especialidade somos os médicos do doente como um todo”

 

O congresso deste ano vai contar com a presença de Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor Geral da OMS, Maria de Belém, antiga ministra da Saúde e atual presidente do Conselho Geral da Fundação para a Saúde, Rajiv Jalan, diretor científico da Fundação Europeia para o Estudo da Insuficiência Hepática Crónica, Frederico Guanais, chefe adjunto da Divisão de Saúde – Health at a Glance 2023, Daniel de Matos, médico de quatro presidentes da República,  e Tiago Nogueira, cirurgião Torácico e músico na banda “Os Quatro e Meia”. Qual a importância para a Medicina Interna portuguesa poder contar com nomes sonantes como estes no seu congresso nacional?
A estes nomes internacionais somamos, entre outros, o de Dimitrios Boumpas, chair das Guidelines da EULAR para o Lupus Eritematoso Sistémico, Kamran Abbasi, editor-chefe da BMJ, Raffaele Scala, primeiro autor das recentes guidelines sobre Oxigenoterapia de Alto Fluxo, Paul Stevens, chair da Guidelines KDIGO, Yale Cheng, José Luís Pereira, entre outros.

A estes convidados estrangeiros associamos tantos outros de renome nacional e por nós sobejamente conhecidos.

Esta junção permitirá alcançarmos um programa equilibrado, diversificado e pormenorizado. Esperemos alcançar todos os Internistas e Internos de Formação Especializada de Medicina Interna. A nossa diversidade e multiplicidade de conhecimento poderá trazer para junto de nós todos os restantes colegas que connosco trabalham em grupo, quer sejam: cardiologistas, pneumologistas, nefrologistas, hematologistas, oncologistas e, claro, médicos de família. Juntos conseguiremos ter o maior congresso médico português, onde serão abordados assuntos do interesse de todos.

 

Que mais-valias a participação de cada uma destas personalidades pode trazer para o congresso em particular e para os participantes em geral na sua prática clínica?
Os congressos permitem atualizar conhecimentos, partilhar experiências e estreitar laços. Teremos sessões puramente científicas e sessões organizativas, teremos sessões tradicionais e sessões inovadoras, atualizaremos conceitos e discutiremos casos clínicos. Todo este conhecimento resultante traduz-se no nosso principal objetivo: tratar melhor os doentes e possibilitar melhores cuidados de saúde aos portugueses. Cuidados de saúde, em Portugal, que são de excelência e que ombreiam com o que de melhor se faz na União Europeia.

“O nosso principal objetivo: tratar melhor os doentes e possibilitar melhores cuidados de saúde aos portugueses”

 

Mas o congresso vai ter também novidades no que respeita ao seu formato. Este ano vão ter um dia dedicado aos enfermeiros. Como surgiu a ideia?
Tal como referido previamente os cuidados aos doentes fazem-se em equipa. Para o seu melhor tratamento são necessários: assistentes técnicos, assistentes operacionais, técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, farmacêuticos, gestores, informáticos, gestores e, como é óbvio, enfermeiros. Dado que parte do conhecimento científico pode ser partilhado achamos interessante esta ideia. A de nos formarmos e a de formar, paralelamente, os enfermeiros que trabalham nos Serviços de Medicina Interna. As particularidades destes Serviços são muitas e só discutindo “Ciência” conseguiremos obter os melhores resultados.

“Os cuidados aos doentes fazem-se em equipa”

 

Qual a importância de se incluir os enfermeiros no congresso de Medicina Interna?
Melhorar os cuidados prestados aos doentes nos Serviços de Medicina Interna. Permitir que os enfermeiros dos Serviços de Medicina Interna se continuem a diferenciar e a formar.

 

Qual o critério de construção do programa dedicado aos enfermeiros?
Neste programa paralelo elaborado por enfermeiros e para enfermeiros abordar-se-ão os principais assuntos que a esta classe dizem respeito como sendo: a reabilitação, a organização dos cuidados em unidades ambulatoriais, os cuidados nutricionais, o tratamento de feridas e úlceras de pressão, etc. Será um programa concentrado apenas em um dia, daí que atualizamos recentemente e proporcionalmente o valor da inscrição.

 

E os novos formatos como as “Conversas de Fim de Tarde” e as “Masterclass”, em que consistem?
As Masterclass serão conferências únicas e que dada a sua importância decorrerão sem sessões em paralelo. Na primeira teremos um alto representante da OCDE, o Dr. Frederico Guanais, que nos apresentará alguns indicadores em saúde dos países da OCDE avaliados anualmente. Terá o seu principal enfoque no Serviço de Urgência, no problema crónico do uso indevido deste recurso. Avaliaremos e tentaremos encontrar estratégias de melhoria mesmo em comparação com outros países com dados mais favoráveis. Na segunda Masterclass convidámos o editor-chefe da BMJ, o Prof. Kamran Abbasi, para nos falar do artigo que escreveu em 2023, um dos mais lidos no ano transato, sobre o papel dos profissionais de saúde na evicção de uma guerra nuclear. Serão, como se vê, dois temas muitos atuais e pertinentes para qualquer médico.

Por outro lado, e de forma a demonstrar que o conhecimento médico não se esgota nas paredes dos Hospitais, decidimos criar duas conversas informais de fim de tarde. Numa iremos conversar sobre Cultura e Medicina com o Dr. Tiago Nogueira, cirurgião cardiotorácico e músico na banda “Os Quatro e Meia”. Na outra conversa de fim de tarde falaremos com o internista Daniel de Matos, médico da Presidência da República, o mais antigo no cargo e que já passou por quatro Presidentes da República. A sua experiência e a sua partilha será decerto enriquecedora.

 

O programa é extenso. Quer destacar alguns temas?
A Sociedade Portuguesa da Medicina Interna está viva e caminha para 22 Núcleos de Estudo. Núcleos que se debruçam sobre o mais variado conhecimento médico. No nosso congresso de quatro dias, 23 a 26 de maio de 2024, abordaremos todos os temas por si trabalhados. Dada a abrangência da nossa especialidade gostaríamos de conseguir abordar temas de interesse de todas as especialidades médicas portuguesas. Daí que convidamos todos para se juntarem e tornarmos o Congresso Nacional de Medicina como um motor de desenvolvimento médico e de atualização de conhecimentos. Gostaríamos que este fosse um congresso de todos e para todos.

“A Sociedade Portuguesa da Medicina Interna está viva e caminha para 22 Núcleos de Estudo”

 

A conferência de abertura do congresso tem como tema “Serviço Nacional de Saúde: perspetivas atuais e futuras”. Enquanto internista, quais as suas perspetivas atuais e futuras no que respeita ao SNS?
O SNS atravessa uma fase complexa. Como, por vezes refiro, a crise dos 40. Todos esperamos que as dificuldades sejam ultrapassadas e que em conjunto com a tutela consigamos evoluir e tratar melhor os nossos doentes. Penso que esse é um objetivo de todos. Para o conseguir serão necessárias várias medidas. Umas mais simples e outras mais complexas. Permitam-me que destaque uma básica e fundamental: a valorização dos profissionais de saúde. Só o seu reconhecimento permitirá uma melhor eficiência em saúde, para todos conseguirmos fazer mais e melhor por uma das maiores conquistas do pós-25 de abril.

 

Os médicos têm alertado para a falta crónica de recursos humanos e a sobrecarga de trabalho, especialmente nas horas extraordinárias exigidas para o funcionamento das urgências hospitalares. Como é que encara estas questões?
São problemas atuais e motivos de preocupação. A falta de médicos a prestar Serviço de Urgência é notória e ficou bem patente no final do ano passado. Em Portugal criou-se um sistema assente em horas extraordinárias. O vencimento, para uma boa parte dos médicos, não era elevado e só o trabalho extraordinário aumentava o seu rendimento. Atualmente os tempos são outros. A necessária conciliação entre a vida pessoal e profissional é agora mais importante. A disponibilidade para trabalhar ainda mais e mais é agora menor. Só valorizando o trabalho médico conseguiremos reter estes profissionais no Serviço Nacional de Saúde. Só melhorando as condições laborais permitiremos que continuem a trabalhar para o Estado e que não emigrem nem trabalhem em exclusivo no Setor Privado. Se não formos competitivos com estes dois “concorrentes”, estrangeiro e Medicina Privada, o SNS continuará a perder muitos dos seus profissionais que são a força de todo o sistema.

“A falta de médicos a prestar Serviço de Urgência é notória e ficou bem patente no final do ano passado”

 

Quais os próximos passos a dar?
Melhorar as condições laborais de quem trabalha no SNS, dotar os Serviços Hospitalares de projetos para o futuro e investir na realidade no SNS. O orçamento para a saúde tem sido reativo. Tem aumentado, ano após ano, porque a esperança média de vida aumenta, o custo com fármacos aumenta, o recurso aos serviços de saúde aumenta, etc. Porém, não podemos ser apenas reativos e acompanhar o inevitável. A este acréscimo temos de aumentar o investimento. Investimento em novos Hospitais, em reformulação dos mais antigos, em substituição de materiais obsoletos e investimento nos profissionais. Só profissionais motivados podem desenvolver a qualidade do SNS…

“Se não formos competitivos com estes dois ‘concorrentes’, estrangeiro e Medicina Privada, o SNS continuará a perder muitos dos seus profissionais que são a força de todo o sistema”

 

Que mensagens deixa aos congressistas?
Que apareçam, que se juntem a nós, que venham partilhar e adquirir conhecimentos. Que transformem este Congresso no Maior Congresso Médico Português, num Congresso de e para todos.

 

Sílvia Malheiro 

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