29 Mar, 2021

Entrevista. Risco de cancro colorretal duplica em adultos nascidos nos anos 90

Estilo de vida ocidental explica aumento nas faixas etárias mais jovens, sublinha o médico cirurgião Manuel Limbert. Há 7500 casos por ano de cancros do cólon, reto e ânus em Portugal.

Qual a prevalência do cancro colorretal em Portugal?

Os últimos dados rigorosos em relação ao nosso país foram publicados pelo “Registo Oncológico Nacional”  (RON) já em 2010 e revelam que os tumores do cólon são o 2º tipo de cancro mais frequente na mulher (logo a seguir ao da mama) e são o 3ª no homem (logo a seguir ao da próstata e do pulmão), sendo o do reto o 5º mais frequente no homem e o 6ª na mulher.

Quanto ao número de novos casos, podemos fixar um valor aproximado de 5 000 para o cólon, 2 400 para o reto e 100 para o ânus. Ou seja, nesta parte do tubo digestivo, existem cerca de 7 500 casos/ano.

Os números têm aumentado e prevê-se que continuem a aumentar?

Segundo uma avaliação feita apenas com os dados do então Registo Oncológico Regional do Sul, considerando a evolução de 1998 até 2015, o cancro do cólon tem vindo continuamente a aumentar a sua incidência, bem como o do ânus, mantendo-se o do reto relativamente constante.

 

“Cancro do cólon tem vindo continuamente a aumentar a sua incidência, bem como o do ânus”

Mas se quisermos dados mais recentes, como os da American Cancer Society de 2020, a taxa de pessoas diagnosticadas com cancro colorretal tem vindo a diminuir sucessivamente na última década, bem como a sua mortalidade, atribuindo-se este facto à maior realização de exames de rastreio (pesquisa de sangue oculto nas fezes, colonoscopia) e a alguma mudança nos fatores de risco relacionados com os hábitos de vida, como obesidade, ingestão de carnes vermelhas, tabaco, álcool, atividade física. Como todos sabemos, no nosso país este tipo de repercussões surge sempre com algum atraso em relação a países mais desenvolvidos, pelo que provavelmente nos novos dados do RON esta incidência já iniciará algum declínio.

Que dados existem sobre a evolução na prevalência em adultos jovens?

Para responder a essa pergunta temos de, em primeiro lugar, definir o que são “adultos jovens”, que são todos aqueles com menos de 50 anos. Não temos dados nacionais recentes, mas começa a existir alguma evidência científica de que esta prevalência está a aumentar. Mais uma vez, segundo dados norte-americanos, este é um problema de tal modo relevante que levou já algumas sociedades de maior relevo americanas a alterarem a idade de início de rastreio do cancro colorretal dos 50 para os 45 anos. As recomendações da American Cancer Society (2005) e da American College of Gastroenterology (2018) são também nesse sentido.

Conhecem-se as causas dessa evolução?

O que estudos norte-americanos nos dizem é que foi estimado que pessoas nascidas perto de 1990 têm o dobro do risco de terem cancro do cólon e 4 vezes o risco de terem cancro do reto quando comparados com os nascidos em torno de 1950. Ao que parece, o chamado “estilo de vida ocidental” (tipo de dieta, sedentarismo) contribui para este aumento, sendo que a epidemia da obesidade tem um papel primordial neste acréscimo de risco.

 

Neste contexto, qual a importância do diagnóstico precoce do cancro colorretal?

O diagnóstico precoce permite o tratamento deste cancro numa fase mais inicial da doença e, por isso, acaba por ter um potencial curativo bastante maior. Neste tipo de cancros, a oncologia  divide a evolução da doença em 4 estadios fundamentais: no estadio I e II a doença está só restrita à parede do intestino; no estadio III já avançou para os gânglios linfáticos junto ao intestino; já no estadio IV, atinge outros órgãos, como por exemplo o fígado ou o pulmão.

 

“Sobrevida aos 5 anos após o diagnóstico num cancro colorretal num estadio I andará à volta dos 90%”

Em números redondos, podemos afirmar que a sobrevida aos 5 anos após o diagnóstico deste cancro num estadio I andará à volta dos 90%, no estadio II já será à volta dos 80%, no estadio III dos 70 % e no estadio IV andará à volta dos 15% (dados da American Cancer Society).

Temos hoje a possibilidade de diagnosticar não só cancros em estadios precoces e que ainda não provocaram qualquer queixa, bem como lesões na parede do intestino (chamados pólipos), que poderão anos mais tarde transformar-se num cancro se não forem tratados. Esse diagnóstico é feito pelos chamados exames de rastreio do cancro do intestino. Os principais exames são a análise de pesquisa de sangue oculto nas fezes e a colonoscopia. No caso da colonoscopia, este exame pode não só diagnosticar o pólipo ou o cancro ainda inicial, como permite ainda removê-lo. Ou seja, além de ser feito o seu diagnóstico, de forma a saber se é benigno ou maligno, é possível avançar também com o seu tratamento definitivo, se estiver mesmo no início.

Qual o principal sinal de alerta a que pessoas devem estar atentas?

Infelizmente, quando há queixas, normalmente, o cancro já está numa fase relativamente avançada. Este tipo de cancros pode evoluir de uma maneira que nós, médicos, apelidamos de “silenciosa”, isto é, sem sintomas até muito tarde.

Quando existem queixas, estas são fundamentalmente de três tipos: anemia (o cancro vai provocando a perda de sangue pouco a pouco e durante muito tempo), alterações continuadas no padrão normal de funcionamento do intestino (com aparecimento de diarreia ou obstipação) e o aparecimento de sangue misturado com as fezes.

Qualquer destas queixas deve ser motivo para recorrer com brevidade ao seu médico assistente.

Há fatores de risco que aumentam a probabilidade de se desenvolver cancro coloretal?

Já aqui falámos do chamado “estilo de vida ocidental”, no qual a dieta rica em carnes vermelhas e carnes processadas (ex: salsichas, fiambres), o sedentarismo (falta de exercício físico) e, sobretudo, a obesidade contribuem para o aumento da probabilidade de se desenvolver cancro colorretal. Fatores como o tabaco e abuso do álcool também são considerados de risco.

 

“Calcula-se que cerca de 90% dos novos cancros colorretais são chamados de “esporádicos”, ou seja, não têm um componente genético conhecido”

 

Existem ainda fatores que são de risco, mas que não podemos mudar, como é o caso da idade (o risco deste cancro vai aumentando com a idade), caso tenha uma doença inflamatória do intestino (Doença de Crohn ou Colite Ulcerosa) ou herança de uma alteração genética que facilita o aparecimento deste cancro.

A componente genética é relevante?

Sim o componente genético que herdamos dos nossos pais é importante. Calcula-se que cerca de 90% dos novos cancros colorretais são chamados de “esporádicos”, ou seja, não têm um componente genético conhecido. Nos restantes 10%, calcula-se que haja uma propensão especial para o cancro do intestino, provavelmente genética, sendo que essa alteração genética é conhecida em apenas metade deles (5% do total).

Teme o efeito que a pandemia teve nos diagnósticos e nomeadamente na interrupção dos rastreios?

Sim, obviamente. A dificuldade que houve no acesso aos cuidados de saúde fez com que muitos doentes, mesmo com queixas, não conseguissem ter uma consulta com o seu médico, quer por receio de sair de casa, quer por dificuldade no agendamento, mesmo de teleconsultas.

Por outro lado, mesmo tendo tido essa consulta, os exames pedidos pelo seu médico tiveram muito atraso na sua execução. Numa primeira fase da pandemia, estes deixaram mesmo de se fazer (apenas foram realizados em situações de urgência, como foi caso das colonoscopias). Numa segunda fase, já se começaram a fazer, mas num ritmo muito reduzido e atendendo a todos os cuidados de proteção e de higienização necessários para serem feitos em segurança.

No caso do rastreio, os exames foram todos cancelados numa primeira fase e depois, desde o Verão de 2020, recomeçaram a um ritmo muito baixo.

 Qual o impacto por exemplo na realização de colonoscopias?

Tal como disse, durante o primeiro confinamento só se fizeram colonoscopias de urgência. Depois, o ritmo com que se começaram a realizar foi muito lento, sendo que até aos dias de hoje ainda não se conseguiu recuperar o ritmo pré-pandemia. Isto está relacionado, mais uma vez, com os cuidados exigidos de higienização, que tem de ser feita com muito mais rigor em todo o espaço entre os exames, bem como com a necessidade de se evitar ter os doentes próximos uns dos outros.

Perspetiva que os médicos se irão deparar com cancros em estádios mais avançados num futuro próximo?

Essa é uma realidade com a qual já nos deparamos nos dias de hoje. Não só os doentes não deram tanta importância às suas queixas, como tiveram uma maior dificuldade no acesso aos seus médicos, em realizar exames para diagnóstico e, no caso do cancro colorretal, a colonoscopia.

Em determinados hospitais, foi necessário em determinado momento da pandemia (nesta última vaga) suspender a sua atividade cirúrgica quase por completo, tendo depois de transferir os seus casos oncológicos para outros hospitais “não covid”. Felizmente, todas estas premissas deixaram de existir ou estão a  deixar de existir no momento atual e, se não houver mais nenhuma vaga, calculo que no segundo semestre deste ano tudo tenha já voltado ao normal em termos de ritmo de exames de tratamento.

Qual o impacto do atraso do diagnóstico na sobrevivência a 5 anos, por exemplo?

Infelizmente, a doença oncológica não deixa de evoluir se não houver qualquer tratamento. Como referi, o prognóstico de um cancro colorretal após o seu diagnóstico depende do chamado estadiamento. O estadio de um cancro reflete o seu crescimento local (penetração na parede do intestino ou órgãos vizinhos), regional (crescimento para os gânglios linfáticos) e à distância (doença em outros órgãos mais distantes). Este estadiamento é feito com recurso a exames de imagem, podendo depois ser confirmado pela cirurgia, na qual o cancro é removido e analisado.

O prognóstico vai ficando cada vez pior à medida que o estadio da doença avança (de I até IV), tal como expliquei anteriormente.

No que diz respeito ao tratamento, que avanços se têm verificado nos últimos anos?

Têm havido imensos avanços em todas as áreas relacionadas com o tratamento do cancro colorretal:

  • Na cirurgia, foram introduzidas novas técnicas de abordagem menos invasivas e com maior ampliação da anatomia, permitindo agressões menores e recuperações mais rápidas e com menos efeitos deletérios colaterais. É o caso da cirurgia laparoscópica e robótica;
  • Na radioterapia, surgiram novos equipamentos que permitem uma precisão ainda maior que o milímetro na sua capacidade de destruir apenas o tumor, sem atingir outras estruturas, permitindo também atingir doses mais altas de radioterapia e, consequentemente, mais destrutivas na zona do cancro;
  • Na quimioterapia, têm surgido novos fármacos adaptados às características genéticas do tumor, bem como fármacos que atuam em novas vias de bloqueio da proliferação das células malignas. Hoje em dia, isto permite que comecemos a falar em transformar o cancro, uma doença potencialmente mortal, numa doença crónica.

SO

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