Medicina Interna da ULS Santo António
Portugal já tem a especialidade de Medicina de Urgência!
Espero que agora sosseguem os que se inquietavam por sermos um dos quatro Países Europeus sem a Especialidade de Medicina de Urgência. A Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos aprovou no passado dia 23/9/94 a sua criação. A degradação a que chegámos, com equipas inundadas por Médicos tarefeiros de competência duvidosa, a redução substancial da entrada de novos Internos de Medicina Interna, o êxodo dos Internos das especialidades médicas da Urgência Geral e o cada vez menor número de Internistas disponíveis nos quadros dos hospitais, termos “urgencistas” foi entendido como uma corda de salvação.
Há cerca de 20 anos que tenho manifestado a minha oposição à Especialidade de Medicina de Urgência, sem que as caraterísticas dos recursos aos nossos Serviços de Urgência (SU) se modificassem. As posições públicas que assumi, algumas vezes com grande mediatismo, nunca foram propaladas por qualquer sentimento corporativo, apesar de ter sido acusado disso. O que sempre defendi é que enquanto os nossos Serviços de Urgência se mantivessem tão disfuncionais como continuam a estar, a presença dos Especialistas de Medicina Interna na estrutura base das equipas era uma garantia de segurança para os doentes.
O número de admissões no SU é esmagador, porque os Portugueses recorrem ao SU com o dobro da frequência da taxa média dos Países Europeus. A culpa não é deles, mas sim da falta de alternativas que deem resposta à doença aguda ligeira a moderada. Mais importante do que isso, é que cerca de 80% das nossas urgências são por doença médica, enquanto lá fora 80% dos recursos ao SU são por situações de emergência, trauma ou cirurgia. Se a estes factos, juntarmos a constatação, que não se modifica desde há trinta anos, de que apenas 10% dos doentes foram vistos por um Médico antes do recurso ao SU, vemos o enorme fosso que nos separa do estrangeiro. Na amálgama diária de centenas de doentes à espera de observação médica, onde se misturam as queixas banais com outras que indiciam doença grave, que põe em risco a própria vida, é preciso poder contar com um Médico experiente e rápido no diagnóstico.
As mudanças estruturais do SNS são muito difíceis e ultrapassam em muito os curtos ciclos políticos eleitorais. Aqui, também era preciso um pacto de regime, em que os partidos de alternância no poder se entendessem nalguns pontos básicos, essenciais para a mudança. Um deles, sem dúvida o mais determinante, seria o de encontrar respostas para a doença aguda ligeira a moderada, fora do espaço dos Serviços de Urgência dos Hospitais. Aos Hospitais só deveriam chegar as situações de emergência, as de trauma e aquelas em que a triagem médica prévia considerasse potencialmente graves. Teríamos Serviços de Urgência semelhantes aos que vemos lá fora. Com esse espectro de doentes, os Especialistas de Medicina de Urgência, treinados para o atendimento rápido ao doente muito grave, integrando-o em algoritmos de decisão, dariam uma resposta competente e eficaz.
Espero sinceramente que a criação da Especialidade de Medicina de Urgência em Portugal, melhore a resposta ao doente agudo. Aplicando a sabedoria popular, diria que se quis construir a mudança nos Serviços de Urgência, começando pelo telhado. Faço figas para que se lembrem das paredes. Sem elas, isto é, se os SU continuarem a ser o que são, duvido que a atratividade dos jovens médicos para a nova Especialidade de Medicina de Urgência seja grande. E isso seria um dramático tiro em falso.
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