Medicina Interna da ULSSA/Porto
Acabar com os internamentos sociais nos hospitais – No topo da lista de resoluções
Com as férias de verão esgotadas, é um bom princípio de qualquer gestor fazer uma lista de tarefas a cumprir. Quase que retomamos mentalmente aquela que fizemos na viragem do ano, priorizando aquilo que ainda está em falta. Ainda restam quatro meses para nos redimirmos das distrações, que nos levaram a esquecer coisas importantes.
Tenho muito carinho pelo “Barómetro dos Internamentos Sociais”, que a 20 de março de 2024 teve a sua 8.ª Edição, publicada depois em maio. São da responsabilidade da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), com a colaboração da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), e põem a nu todos os anos a dura realidade de um País socialmente subdesenvolvido.
Desta vez, verificamos que, até março de 2024, os Internamentos Sociais nos Hospitais Públicos subiram 11,1% em relação ao ano anterior, com um custo inútil estimado de 260 milhões de Euros. São 2164 internamentos inapropriados, 78% em serviços médicos, tendo 76% dos doentes mais de 65 anos.
Acredito que o novo Governo saído das eleições de 10 de março terá visto com preocupação estes resultados, publicitados um mês depois da sua tomada de posse e colocou o assunto na lista de resoluções. Ainda para mais, o Conselho de Finanças Públicas dava conta que, em 2023, a Segurança Social tinha obtido o maior excedente orçamental de que há memória (5485 milhões de Euros).
Lamentavelmente, o número de internamentos inapropriados nos Hospitais Públicos Portugueses continua a aumentar. Será que agora, passado o verão, ficará no topo da lista? Era bom que fizesse parte do propalado plano de inverno do SNS, sendo claro que acabar com a epidemia de internamentos sociais nos hospitais depende duma decisão política que envolve o Ministério da Saúde e o Ministério da Segurança Social.
Os doentes que ficam a viver durante semanas ou meses num hospital à espera de uma vaga num Lar (ERPI) e nas Redes de Cuidados Continuados ou Paliativos são uma vergonha para todos os portugueses. Esta situação não tem paralelo em nenhum País Europeu! É doloroso encarar o nosso atraso com a ironia de sermos uma nação de velhos, que trata tão mal os seus idosos. As implicações desta situação são muitas, para além do sofrimento daquelas pessoas abandonadas nas camas hospitalares, que se sentem um estorvo para todos. Algumas consequências não são assim tão óbvias, pelo que vale a pena enumerá-las:
– Os Serviços de Medicina Interna chegam a ter 40% das suas camas ocupadas por doentes com alta clínica, pelo que não dão a resposta necessária ao Serviço de Urgência, onde ficam internados muitos doentes durante vários dias;
– A permanência de doentes internados nos SU é muito disruptiva, com clara perda da qualidade assistencial do seu tratamento, para além de prolongar o tempo de atendimento dos recursos agudos urgentes;
– É impossível manter a motivação para a eficiência de toda a equipa de saúde dum serviço médico, com quase metade de internamentos inapropriados durante meses;
– A Formação Específica em Medicina Interna é muito prejudicada, o que associado ao imenso trabalho assistencial, leva à fuga crescente de candidatos à Especialidade;
– Os Hospitais, numa tentativa desesperada de encontrarem mais vagas de camas médicas para suprirem as necessidades, fazem a contratualização de camas em Hospitais Privados, onde apenas são internados os doentes menos complexos.
Se há coisa que sempre me confundiu é a constatação de que a publicação dos dados do Barómetro dos Internamentos Sociais só alimenta as manchetes de um dia. Acreditava que esta vergonha escarrapachada dava um abalo político tão grande, que a mudança acontecia. Há 8 anos que sabemos a verdade e nada acontece. Será agora?
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