Portugal deve criar gestor de caso para o doente VIH e promover a sua qualidade de vida
Um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública identifica os principais constrangimentos na retenção dos doentes de VIH/SIDA e apresenta 37 propostas para o controlo da doença
A Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa (ENSP-NOVA) apresenta hoje as conclusões de um estudo que pretende, em primeiro lugar, identificar as barreiras existentes na deteção, referenciação e retenção dos doentes VIH no Sistema de Saúde, tendo como ponto de partida a chamada cascata do tratamento do VIH da OMS: ter 90% dos doentes diagnosticados, destes, 90% estarem em tratamento e, dentro destes, 90% terem uma carga viral indetetável.
Julian Perelman, Coordenador do estudo, explica que “segundo os últimos dados disponíveis, Portugal atingiu até agora apenas o primeiro 90 o que evidencia a deficiente capacidade do sistema em dirigir para tratamento e supressão viral os doentes que estão já diagnosticados”.
Este estudo identifica, em segundo lugar, a partir da opinião de um grupo de peritos, cujas intervenções são pertinentes para o contexto nacional, uma série de propostas para melhorar a adesão e a retenção do doente de VIH e, consequentemente, potenciar o controlo da infeção em Portugal.
Barreiras
No mapeamento do Percurso do Doente com VIH/ SIDA em Portugal foram identificados os principais constrangimentos nas três fases iniciais: deteção, referenciação e retenção. A falta de literacia em saúde, a falta de capacidade financeira, a informação inadequada, a falta da capacidade dos serviços em termos de recursos humanos e qualificação e ainda o desequilíbrio geográfico e financeiro na oferta de cuidados de saúde para o VIH são algumas das barreiras identificadas.
Propostas
Na sequência da análise efetuada por este estudo, a partir da opinião de peritos nacionais, surgem 37 propostas que visam eliminar as barreiras identificadas no percurso do doente e ainda potenciar a retenção das pessoas infetada no sistema. Destaca-se, nesta lista, a criação de uma equipa multidisciplinar do hospital ou da comunidade que possa avaliar e gerir as necessidades clínicas e sociais, fomentando a colaboração entre os diferentes prestadores de cuidados e apoio social e, para as pessoas com maiores necessidades, a criação da figura do gestor de caso que acompanhe diretamente o doente no seu percurso, através de planos individualizados desenhados em colaboração com o doente, desde o momento do teste reativo até à supressão da carga viral. As outras propostas apresentadas neste estudo poderão ser consultadas na íntegra no site da ENSP-NOVA. Adicionalmente, o estudo defende que é necessário efetuar um mapeamento e levantamento pelos hospitais de todos os recursos existentes nas comunidades e ainda uma maior utilização das potencialidades das novas tecnologias de informação para conseguir chegar aos mais jovens, aos trabalhadores do sexo e aos homens que fazem sexo com homens.
Enquadramento
Existe a forte evidência na literatura de que o tratamento atempado do VIH permite aumentar a qualidade de vida e esperança média de vida dos doentes, a utilização de tratamentos menos agressivos, e reduz a transmissão da infeção. Contudo, é sabido que a entrada atempada no sistema está longe de acontecer para muitos doentes: uma proporção de doentes não é diagnosticada e desconhece o seu estado, dentro dos diagnosticados, muitos não são referenciados para tratamento, destes uma proporção importante desiste dos tratamentos e dos que continuam em tratamento, menos de metade atinge uma carga viral indetetável. A “cascata do tratamento” não é, por isso, suficiente para controlar o VIH impondo-se uma maior atenção às dimensões sociais, económicas e organizacionais do tratamento.
O 4º 90
O evento conta ainda com a apresentação dos resultados de um grupo focal de peritos que vem acrescentar uma quarta dimensão a estes objetivos, e que passa por procurar alcançar a meta de 90% de doentes com VIH/SIDA controlados, com um nível satisfatório de bem-estar físico, psíquico e social: o 4º 90.
Os primeiros três 90 procuram dar resposta a um problema de saúde pública. Já o 4º 90 procura responder ao passo seguinte, isto é, a avaliação dos resultados em saúde, espelhando a forma como o sistema está organizado para dar essa resposta.
Segundo os especialistas, para medir o 4º 90 é importante definir o que é (falta de) qualidade de vida e existem diversos instrumentos como a avaliação de comorbilidades, o Stigma Index ou questionários de satisfação dos doentes com os cuidados prestados, capacitando-os para a autoavaliação.
Importa monitorizar as comorbilidades, a qualidade de vida percecionada pelo doente e a organização dos serviços (intra e extra-hospitalar) e tentar encontrar uma matriz para este indicador é o passo seguinte para o tratamento destes doentes.
Comunicado de Imprensa/SO/SF