25 Mai, 2023

Ordem dos Enfermeiros. “Nos Açores temos uma grande limitação de recursos”

Pedro Soares é Presidente do Conselho Diretivo Regional da Região Autónoma dos Açores da Ordem dos Enfermeiros (OE). Em entrevista fala do que tem visto nas visitas que tem feito às nove ilhas açorianas, onde há escassez de recursos humanos mas também exemplos de boas práticas, como no Corvo.

Como surgiu a ideia de a OE visitar as diferentes unidades nos Açores?

Este sempre foi um princípio deste mandato, estar presente em todas as nove ilhas dos Açores, junto das instituições, junto dos enfermeiros, sendo que para nós era fundamental traçar um cenário real da saúde nos Açores e isso só é possível com este contacto direto no terreno. Dada a realidade arquipelágica, atrevo-me a dizer que temos nove micro sistemas de saúde dentro daquilo que é o sistema regional de saúde, obrigando a uma especial atenção às características tão particulares de cada ilha. Ora, só podemos ter uma participação ativa se formos conhecedores destas realidades, e hoje posso dizer que conhecemos muito bem cada recanto da saúde nos Açores, o que nos permitiu em dezembro de 2022 enviar à tutela uma proposta com várias questões fundamentais a incluir no Plano Regional de Saúde em elaboração, e que para nós farão toda a diferença.

 

Quais os principais problemas que têm encontrado?

Nestes três anos e meio, desde que chegámos à Ordem dos enfermeiros nos Açores, temos encontrado um cenário muito complicado no terreno, devido a um claro subfinanciamento no passado na área da saúde, o que levou a uma degradação das diversas instalações das unidades de saúde, a equipamentos obsoletos com falta de substituição e equipas de enfermagem abaixo das dotações seguras, resultado de uma contratação de novos elementos muito aquém do que era realmente necessário.

Temos, ainda, observado a grande dificuldade na fixação de enfermeiros na maioria das ilhas. É preciso que se perceba que os custos de toda a logística pessoal, tendo em conta o rendimento de um Enfermeiro, é um claro convite a esta desertificação profissional, para além da dificuldade em atrair os novos profissionais a estas ilhas, pela especificidade que é viver nas mesmas.

Outra questão que nos preocupa são os lares na região. Há cada vez menos enfermeiros nos quadros, também por culpa de uma equiparação salarial que teima em não acontecer em muitas destas instituições, sendo importante que se entenda que há Enfermeiros nesta área que levam para casa uma remuneração líquida pouco acima do salário mínimo.

Com a pandemia, todas estas problemáticas ficaram ainda mais a descoberto. Obviamente o nosso trabalho tem passado desde o primeiro minuto pela criação de pontes de entendimento com as instituições e com a tutela no sentido do levantamento destas questões, da identificação de soluções e planeamento do futuro, para que possamos garantir correções, melhores condições aos Enfermeiros e à nossa população, com cuidados de qualidade.

“… vale a pena perceber que estamos a falar da ilha mais pequena com cerca de 450 habitantes para três enfermeiros e onde a limitação assistencial da unidade de saúde é muito grande”

Sente que os enfermeiros dos Açores não têm sido valorizados?

A pandemia veio colocar a nu a importância do trabalho dos enfermeiros, e foi isso que tentámos mostrar a toda a população açoriana, nomeadamente aquilo que quem já foi cuidado por um enfermeiro reconhece: o profissionalismo, os valores de coerência, de exigência pessoal, de relação, o cuidar do outro, questões tão próprias de uma classe por vezes esquecida.

Eu julgo que a população açoriana reconhece o valor da sua Enfermagem. Também sentimos nos últimos dois anos o interesse por parte da tutela no sentido de regularização de carreiras sendo que hoje, nesta matéria, os Açores são um exemplo para o país, estando em fase de conclusão todo este processo que sentou à mesma mesa os governantes, os sindicatos e a Ordem dos Enfermeiros, e juntos conseguimos criar condições para devolver justiça à classe. Obviamente que estamos atentos, e iremos continuar a trabalhar na defesa e promoção dos Enfermeiros, para que a classe continue a ser um parceiro dos nossos utentes, a valorização virá por si nessa matéria. Iremos ainda manter o nível de atenção no terreno, alavancando todas as problemáticas, denunciando sempre que necessário as questões encontradas e as intervenções necessárias.

“É importante, também, referir que são vários os projetos de grande interesse criados por enfermeiros dos Açores, sendo que alguns já foram até premiados”

No Corvo foi implementada uma proposta da OE. Que proposta é essa?

Nos Açores temos uma grande limitação de recursos, sendo que a sustentabilidade do nosso sistema regional de saúde passa claramente por potenciarmos uma inter ajuda institucional transversal a toda a região por parte das diversas unidade de saúde. A nossa proposta, neste caso concreto, e vale a pena perceber que estamos a falar da ilha mais pequena com cerca de 450 habitantes para três enfermeiros e onde a limitação assistencial da unidade de saúde é muito grande, foi no sentido de deslocarmos enfermeiros especialistas por tempos determinados à referida ilha. O objetivo será, então, que estes enfermeiros especialistas, dentro das suas competências, possam desenvolver cuidados diferenciados àquela população, com criação de programas específicos de atuação, desenvolvimento da literacia em saúde, consultas de Enfermagem, entre outras ações que facilitem o acesso a cuidados com qualidade a toda a população. De ressalvar a determinação da Unidade de Saúde local em ousar neste pioneirismo que, a meu ver, deve ser visto como exemplo a replicar noutras ilhas açorianas.

 

Além dos problemas existentes, também se têm deparado com boas práticas, mesmo quando as condições não são as ideais?

Há uma característica muito própria dos nossos enfermeiros, a resiliência. E mesmo nos tempos mais difíceis, com condições muitas vezes de terceiro mundo, têm mantido sempre um atendimento com qualidade e, em muitas situações, conseguem levar a cabo a criação de diversos projetos que evidenciam ainda mais as boas práticas por estas terras. A auto formação de um enfermeiro insular é muito difícil e dispendiosa e, mesmo assim, são muitos os exemplos de enfermeiros que a realizam e que, desse modo, também ajudam a enriquecer a saúde nos Açores.

É importante, também, referir que são vários os projetos de grande interesse criados por enfermeiros dos Açores, sendo que alguns já foram até premiados em eventos de boas práticas a nível nacional e internacional. Estou a lembrar-me, por exemplo, da “Teletriagem de Manchester”, da “Telecinesiterapia respiratória”, da “Quinesioterapia na amamentação”, da “Consulta de enfermagem telefónica de saúde mental e psiquiátrica”, entre outros projetos que claramente mostram que, apesar das dificuldades e recursos muito limitados, todos os dias os Enfermeiros cuidam dos açorianos com qualidade! Que possamos, no futuro próximo, garantir-lhes melhores condições, sendo este o trabalho que estamos a fazer na Ordem dos Enfermeiros nos Açores.

Texto: Maria João Garcia
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