“O stress em si não é uma doença, mas em excesso aumenta o risco de patologias psiquiátricas”
O stress é uma resposta normal do organismo, mas em excesso contribui para o desenvolvimento de patologias como perturbação da ansiedade, depressão ou perturbação obsessivo-compulsiva. O psiquiatra Pedro Morgado apela a que se dê mais atenção ao stress agudo.
Como é que podemos definir stress?
O stress é uma resposta normal do organismo a qualquer situação de ameaça à sua integridade física ou psíquica. Esta resposta permite aos organismos defenderem-se das ameaças, lutarem contra eles e também aprenderem como lidar com situações idênticas no futuro. Os mecanismos de resposta ao stress são primitivos do ponto de vista da evolução, sendo globalmente partilhados com outras espécies animais.
Sabemos que o stress pode ter um impacto significativo na nossa saúde mental. Pode explicar-nos como nos afeta a longo prazo?
O stress agudo é necessário e positivo, uma vez que nos permite proteger a nossa integridade. Quando é demasiado intenso ou quando se prolonga por muito tempo, a ativação dos seus mecanismos tem um impacto negativo uma vez que afeta a estrutura do cérebro, provocando a atrofia de regiões relacionadas com a memória e a hipertrofia de outras regiões relacionadas com o estado de alerta, aumentado o risco de desenvolvimento de doenças psiquiátricas como as perturbações de ansiedade, a depressão e a doença obsessivo-compulsiva. Também no corpo, o stress crónico aumenta o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares ou doenças endocrinológicas.
Muitas vezes, as pessoas não se apercebem que estão a sofrer de stress excessivo. Quais são os sinais de alerta, tanto a nível físico como psicológico?
Quando o stress é excessivo e se mantém durante demasiado tempo, as pessoas começam a sentir-se cansadas, com mais dificuldade em controlar as emoções, com mais dificuldades de concentração ou com mais sintomas de ansiedade do que seria expectável.
“É também comum verificarem-se alterações do sono ou do apetite e podem surgir sintomas somáticos como dores, alterações do trânsito intestinal, disfunção sexual ou outros”
Ouvimos falar de stress “bom” e “mau”. Pode explicar a diferença entre estes dois tipos de stress e como podemos distingui-los?
O stress é uma inevitabilidade da vida. Não é possível viver sem enfrentar situações que podem colocar em perigo a nossa integridade física e psicológica, pelo que as respostas ao stress são importantes e positivas para nos protegermos e adaptarmos a essas circunstâncias.
Pode detalhar alguns sintomas específicos, tanto físicos como psicológicos, que indicam que uma pessoa está a sofrer de stress excessivo e precisa de ajuda?
O stress em si não é uma doença, mas em excesso aumenta o risco de se desenvolverem patologias psiquiátricas, como as perturbações de ansiedade, a depressão e a doença obsessivo-compulsiva. Nestes casos, os sintomas representam um sofrimento que a pessoa tem muita dificuldade em gerir. E tem um impacto no seu funcionamento, incluindo a capacidade de trabalhar ou de se relacionar. É também comum verificarem-se alterações do sono ou do apetite e podem surgir sintomas somáticos como dores, alterações do trânsito intestinal, disfunção sexual ou outros.
Que práticas devemos adotar no nosso dia a sai para aprendermos a lidar com o stress?
É muito importante adotarmos hábitos de vida saudáveis como a prática regular de atividade física, uma dieta variada, bons hábitos de sono e equilibrada ou evitar o consumo regular de bebidas alcoólicas e outras drogas. É também importante monitorizarmos os nossos níveis de stress, avaliarmos quais os fatores que aumentam o stress e quais os que ajudam a reduzi-lo de forma que, dentro das escolhas possíveis, possamos optar pelo que é mais saudável.
“O stress é um problema quando é excessivo e em vez de promover adaptação passa a ser uma fonte de sofrimento e de disfuncionalidade”
Como é que o sono afeta a nossa capacidade de lidar com o stress e como podemos melhorar a higiene do sono?
Um sono adequado é fundamental para a nossa qualidade de vida e também para lidarmos melhor com o stress. Por isso é importante manter horários regulares de deitar e acordar, evitar o consumo de bebidas estimulantes como café ou chá cerca de 8 horas antes da hora de dormir, evitar refeições pesadas à noite, praticar atividade física de forma regular e também cuidar da qualidade do espaço onde dormimos, verificando os colchões e almofadas e também as condições de escuridão e de silêncio. É também muito importante evitar écrans no quarto como telemóveis, tablets ou televisões.
Todos experienciamos stress em algum momento das nossas vidas. Mas quando é que deixa de ser uma resposta normal às exigências do dia a dia e se torna um problema que requer a intervenção de um profissional de saúde mental?
O stress é um problema quando é excessivo e em vez de promover adaptação passa a ser uma fonte de sofrimento e de disfuncionalidade. O stress excessivo não é uma doença, mas é um fator que facilita o aparecimento de outras patologias, não apenas psiquiátricas mas também neurológicas, endocrinológicas ou cardiovasculares.
Na sua perspetiva, quais são os principais fatores que contribuem para o aumento dos níveis de stress na população atual?
A poluição, os estilos de vida modernos ou a exposição permanente a notícias negativas e alarmantes são fatores que podem contribuir para que as pessoas estejam hoje mais sujeitas a stress psicológico.
“A literacia em saúde e a divulgação de informação correta acerca das questões de saúde mental e de doença psiquiátrica são meios importantes para reduzir o estigma”
Como podemos combater o estigma associado à saúde mental e promover uma maior abertura para a procura de ajuda? E qual o papel de iniciativas como o ‘Viva! Para lá da Depressão? na literacia da população para temas de saúde mental?
A literacia em saúde e a divulgação de informação correta acerca das questões de saúde mental e de doença psiquiátrica são meios importantes para reduzir o estigma e aumentar o conhecimento nestes temas. Mas é importante comunicar bem. Por vezes vemos alguma comunicação que confunde o sofrimento normal com a doença mental e que, por essa via, não contribui para o esclarecimento adequado das pessoas. É fundamental que todos sejam responsáveis e que se evitem atitudes de desinformação.
Que mensagem gostaria de deixar para alguém que está a sofrer de stress, mas que está hesitante em procurar ajuda profissional?
O stress faz parte da vida e é importante para sobrevivermos. Quando sentimos que o stress está a ter um impacto no nosso sentir, no nosso pensar e no nosso estar, é importante parar para pensar naquilo que podemos mudar para o reduzir e controlar. O autocuidado e as mudanças pessoais são sempre o primeiro passo. Quando isso não é suficiente, então vale a pena falar com alguém e perceber se será necessária uma ajuda profissional. Em situações de doenças relacionadas com o stress ou consequência do stress é muito importante efetuar um diagnóstico atempado e um tratamento adequado para evitar consequências mais permanentes e mais negativas. O mais importante é criarmos condições para que todos possamos falar sobre aquilo que sentimos que não está bem.
MJG
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