Entrevista. “O stresse tem um papel absolutamente decisivo na fibromialgia”

O reumatologista José António Pereira da Silva, diretor do Serviço de Reumatologia do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, criou um site de apoio a quem sofre de fibromialgia. O especialista, juntamente com uma equipa de outros profissionais, acredita que o bem-estar emocional faz a diferença na vida de quem sofre de uma doença que, sendo grave, é infelizmente “subdiagnosticada” e “desvalorizada”.

Como se define a fibromialgia?

A fibromialgia caracteriza-se por três sintomas dominantes: dor generalizada, migratória e sem ser acompanhada de qualquer sinal como rubor; cansaço, que pode ser muito incapacitante; perturbação do sono (sono leve, entrecortado, não retemperador). Caso estes sintomas se mantenham por 3 ou mais meses, com uma intensidade moderada a grave, poder-se-á, seguindo os critérios, diagnosticar fibromialgia. Este diagnóstico não exige a exclusão de outras causas de dor que possam estar presentes. Outros sintomas muito frequentes são a ansiedade e a tendência para a depressão. As dores de cabeça são também comuns, bem como as dores de barriga e as alterações do trânsito intestinal, associados muitas vezes a síndrome do colon irritável. Os doentes podem também sentir dor no peito, dor na relação sexual e dificuldades de concentração e memória.

“… existe evidência científica, através de RM funcional, de que existem alterações nas estruturas cerebrais responsáveis pela modulação da dor”

Qual é a causa da doença?

A causa ainda é um pouco obscura. O que se pode afirmar, com absoluta certeza, é que os sintomas descritos pelos doentes são reais. Com efeito, existe evidência científica, através de RM funcional, de que existem alterações nas estruturas cerebrais responsáveis pela modulação da dor, que levam à sua amplificação nestas pessoas. Sabemos que existe uma predisposição genética para a fibromialgia, mas também existe outra teoria, que é defendida pelo meu grupo de estudo, de que a própria personalidade e história de vida poderão contribuir para um estado de alerta constante que acaba por induzir os sintomas físicos.

E porquê? Porque as pessoas com fibromialgia tendem a ser muito tensas, exigentes e perfecionistas. Esta forma de estar na vida – dependente dos genes e do ambiente da primeira infância – leva a que tenham uma perceção excessiva de ameaça no ambiente à sua volta. Esta perceção coloca o cérebro em constante estado de alerta, de sobrevivência, induzindo, entre outras alterações, a contratura dos músculos, o que contribui para as dores e para o cansaço. Acreditamos que o stresse é um fator muito importante no desencadear da doença – neste aspeto ainda existem poucas certezas – e na sua manutenção – neste caso, temos toda a certeza quanto a esta premissa.

“A fibromialgia é subdiagnosticada, porque, apesar dos avanços observados nos últimos tempos, os médicos ainda não estão todos suficientemente sensibilizados para esta doença”

É um problema de saúde subdiagnosticado?

Sem dúvida! A fibromialgia é subdiagnosticada, porque, apesar dos avanços observados nos últimos tempos, os médicos ainda não estão todos suficientemente sensibilizados para esta doença. Ainda surgem doentes com diagnósticos diversos tais como patologia da coluna, tendinite, entre outras. Isto acontece sobretudo quando coexiste outra doença que provoca dores e cansaço. É preciso falar mais sobre fibromialgia, porque estes doentes sofrem muito e veem o seu sofrimento agravado pela desvalorização de que são alvo, quer por parte da sociedade quer dos profissionais de saúde.

 

Quais os tratamentos mais adequados?

As recomendações internacionais sublinham três dimensões principais: (1) informar o doente sobre a natureza da doença; (2) medicamentos com efeito tranquilizante (antidepressivos, relaxantes musculares, antiepiléticos); (3) cuidados pessoais (exercício físico regular e psicoterapia).

“Para ajudar mais pessoas, criei um site – o MyFibromyalgia.org – onde colocamos ao serviço das pessoas com fibromialgia uma equipa determinada a ajudá-las a vencer esta doença”

E qual é a abordagem que o seu grupo defende? A mesma das orientações internacionais?

Adotamos estas orientações, mas advogamos como essencial um programa de transformação pessoal que permita ao doente gerir o stresse, aumentar a sua serenidade e cuidar de si de forma adequada. Quem sofre de fibromialgia reconhece que a sua condição piora substancialmente quando anda mais preocupado, ansioso ou triste. Se estiver mais tranquilo, os sintomas melhoram. É fundamental apostar no bem-estar emocional: a serenidade de espírito conduz ao desaparecimento progressivo da  fibromialgia.

Muitos doentes sentem-se completamente diferentes após este programa e abandonam mesmo toda a terapêutica medicamentosa. Os medicamentos são importantes para alguns doentes, mas têm um efeito, em média, muito mais limitado do que programa que propomos. Obviamente, esta transformação pessoal não é fácil e depende fortemente da capacidade e do empenho de cada pessoa, para além do apoio de psicólogos especificamente treinados nesta doença. Para ajudar mais pessoas, criei um site – o MyFibromyalgia.org – onde colocamos ao serviço das pessoas com fibromialgia uma equipa determinada a ajudá-las a vencer esta doença e a recuperar uma vida que mereça ser vivida.

Texto: Maria João Garcia
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