28 Jul, 2021

O papel do Médico de Família e dos Cuidados de Saúde Primários

"Estima-se que o vírus da hepatite C (VHC) atinja mais de 15 milhões de pessoas só na Região Europeia da OMS", refere o membro da direção da APMGF, André Reis.

O termo hepatite viral refere-se a uma inflamação no fígado provocada pelos vírus da hepatite A, B, C, D e E. Embora, a nível mundial, a hepatite A seja a mais frequente, nos países desenvolvidos são as hepatites B e C as que se revestem de maior impacto em termos de morbilidade e mortalidade, por serem as principais causas de doença hepática crónica.1 Segundo a OMS, foram, em 2015, responsáveis por aproximadamente 1,34 milhões de mortes, o que as coloca como um importante problema de saúde pública.

Estima-se que o vírus da hepatite C (VHC) atinja mais de 15 milhões de pessoas só na Região Europeia da OMS.1 Em 2015, o ECDC apontava uma prevalência na União Europeia de 1,1%.2 Em Portugal, alguns estudos referem uma prevalência entre 0,3 e 0,9%.1 No entanto, pensa-se que apenas uma percentagem limitada dos doentes esteja diagnosticada. Para esse facto contribui a evolução maioritariamente assintomática da hepatite C, podendo demorar décadas até à fase mais avançada.

A hepatite C é uma das principais causas de cirrose hepática e de carcinoma hepatocelular. Contudo, para além das consequências a nível hepático, este diagnóstico acarreta também um impacto negativo psíquico e emocional, bem como um estigma familiar, social e profissional. Torna-se por isso relevante o lançamento, pela DGS, do Programa Nacional para as Hepatites Virais, em 2016, cujas linhas estratégicas reforçam a necessidade de encontrar medidas para chegar às populações vulneráveis ou em risco, e ainda àquelas que vivem com hepatite C, para que acedam à prevenção, diagnóstico atempado e tratamento.1

À semelhança do que acontece em muitas outras patologias, o médico de família desempenha um papel primordial na prevenção e diagnóstico desta doença. Por um lado, porque constitui, por regra, o primeiro ponto de contacto do utente no SNS, prestando cuidados de proximidade. Por outro lado, porque acompanha o utente ao longo da vida e conhece a sua família e a comunidade onde se insere, o que lhe permite abordá-lo de uma forma holística. Deste modo, encontra-se numa posição privilegiada para saber quais os indivíduos que, pelos seus antecedentes ou comportamentos, integram os grupos de risco acrescido para esta patologia e que é importante rastrear.

É conhecido que a transmissão deste vírus é essencialmente parentérica, embora as transmissões sexual e vertical sejam também possíveis. Assim, facilmente se compreende que entre os grupos de maior risco estão os utilizadores de drogas injetáveis (mesmo que no passado). Segundo o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, aproximadamente 60% dos consumidores ativos de substâncias ilícitas apresenta anticorpos para o VHC, atingindo 88% quando se analisa a totalidade da população que em algum momento consumiu drogas injectáveis.1

Outros grupos de risco incluem doentes que receberam transfusões de sangue e derivados (sobretudo antes de 1992), hemodialisados, transplantados, doentes com infeção por VIH e/ou VHB, alcoólicos, profissionais de Saúde (após picadas de agulha ou exposição de mucosas), pessoas com comportamentos sexuais de risco (nomeadamente parceiros de pessoas infetadas), reclusos e ainda crianças nascidas de mães VHC +.

Os cuidados de saúde primários assumem assim um papel essencial a nível do rastreio destes doentes e sua atempada referenciação.2 Esta é uma patologia em relação à qual dispomos hoje de possibilidades de tratamento que não existiam no passado, pelo que a intervenção destes profissionais pode ter muito mais impacto. É necessário intensificar esforços e apostar em abordagens inovadoras para conseguir chegar às populações mais fragilizadas, precisamente aqueles que podem estar em maior risco. Só deste modo será possível que esta patologia deixe de constituir um problema de saúde pública em Portugal.

 

Referências bibliográficas:

  1. Direcção-Geral da Saúde. Relatório do Programa Nacional para as Hepatites Virais 2019.
  2. Direcção-Geral da Saúde. Norma nº 028/2017, de 28/12/2017.

 

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