10 Out, 2024

Menores de 16 anos procuram ajuda na SOS Voz Amiga para alivar a dor e pensamentos suicidas

Menores de 16 anos com problemas emocionais e alguns que manifestam o “desejo de desaparecer” estão a procurar o serviço SOS Voz Amiga, uma situação recente que deixa quem está do outro lado da linha “sem chão”.

O alerta foi feito à agência Lusa pelo presidente da linha de prevenção do suicídio SOS Voz Amiga, Francisco Paulino, na quarta-feira, dia em que o serviço completa 46 anos e na véspera do Dia Mundial da Saúde Mental.

Francisco Paulino começou a trabalhar há mais de 25 anos como voluntário nesta linha de apoio, a mais antiga do país, e contou que até à pandemia de covid-19, em 2020, os pedidos de ajuda por problemas de ansiedade, depressão ou transtornos emocionais eram feitos por “pessoas mais velhas” ou jovens adultos, apesar de a linha estar disponível para todas as idades.

Desde 2020, a situação mudou, com adolescentes e pré-adolescentes a entrarem em contacto com o serviço para falar das suas angústias, uma situação que não era usual, tendo em conta que “os jovens não estão muito habituados a usar o telefone”.

“Quem liga nestas idades são, normalmente, filhos de pais separados que são utilizados como arma de arremesso entre os progenitores, o que gera uma confusão emocional enorme nestes jovens que não conseguem a estabilidade necessária para crescerem em harmonia”, descreveu Francisco Paulino.

Também há jovens que são vítimas de bullying e que não falam do assunto em casa porque não têm “um ambiente ideal” e na escola têm receio de se queixar aos professores ou ao psicólogo, para não ficarem “ainda mais expostos”. “Sabemos que a pré-adolescência e a adolescência são fases em que ocorrem várias mudanças físicas e psicológicas e nem todos os jovens conseguem lidar facilmente com essas alterações”, disse Francisco Paulino.

Realçou o “papel importante” dos pais e educadores para os ajudar, com “compreensão e paciência”, a ultrapassar esta fase. “Mas se os jovens não tiverem abertura em casa para falar destas angústias ou decidirem não falar delas para não preocupar os pais, isolam-se e vão acumulando ansiedade e baixa autoestima, o que pode torná-los em alvos fáceis de bullying e aumentar o transtorno emocional destes jovens”, alertou.

Para Francisco Paulino, o mais preocupante é alguns jovens dizerem que querem desistir de viver, o que causa “preocupação, frustração e sentimento de impotência” nos voluntários, cuja vontade é “sair dali e ir ter com o jovem”, mas a confidencialidade e o anonimato a que são obrigados não o permite.

“Se fosse apenas o relato das dificuldades que estão a atravessar é natural, porque a adolescência e a pré-adolescência são fases em que qualquer problema ganha uma dimensão maior, mas quando nos dizem ‘estou farto da vida’, ‘a minha vontade era desaparecer’, isto deixa-nos sem chão”, confessou.

O número de chamadas feitas por estas crianças e adolescentes representa cerca de 5% das cerca de 900 recebidas na linha mensalmente, mas o responsável afirma que em conversas com pais, educadores e professores tem tido relatos “de situações já preocupantes”, o que o leva a dizer que o que chega à SOS Voz Amiga é apenas “a ponta do icebergue”.

Contactado pela Lusa, João Marques, coordenador regional de Lisboa e vale do Tejo do “Mais Contigo”, um projeto de promoção de saúde mental e prevenção de comportamentos suicidários na comunidade educativa, disse não ter ficado surpreendido com o alerta do SOS Voz Amiga.

O especialista em saúde mental e psiquiátrica da Unidade Local de Saúde São José, em Lisboa, disse não “conseguir explicar propriamente o fenómeno”, mas adiantou que há dois anos fez um estudo que pretendeu saber a quem os adolescentes recorreriam se precisassem de ajuda. “É muito interessante que os adolescentes já nessa altura falavam sobre as linhas de apoio como um importante recurso de ajuda”, salientou.

No projeto também são divulgadas, em alguns contextos, as linhas de apoio como recurso de ajuda, disse João Marques, assinalando ainda o “cuidado acrescido” da comunicação social de publicar no fim das notícias os serviços de apoio, conforme as recomendações da Organização Mundial da Saúde, quando escrevem sobre estas temáticas.

“Provavelmente, todas estas questões em conjunto e a sensibilização para a temática da saúde mental e para a possibilidade de ajuda têm feito com que (…) os jovens se sintam com vontade de usar estes recursos e esta ajuda”, comentou.

 

LUSA

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