30 Set, 2021

“As estatinas foram os medicamentos que mais contribuíram para a redução da mortalidade cardiovascular”

O colesterol é o principal fator de risco para o desenvolvimento de doença aterosclerótica, uma inflamação da parede das artérias que pode levar à ocorrência de acidente vascular cerebral (AVC) ou de enfarte agudo do miocárdio (EAM) e a morte súbita.

Ao contrário de outros fatores de risco cardiovascular (RCV) – como a hipertensão arterial (HTA) – a dislipidemia (designação para níveis elevados de colesterol) é uma doença “silenciosa”, cuja deteção implica uma análise ao sangue. Neste sentido, o especialista em Medicina Interna e presidente-eleito da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose, Francisco Araújo, deixa um conselho: “todos os adultos devem, pelo menos uma vez por ano, consultar o seu médico assistente, de forma a avaliarem o seu RCV global”.

“Sem colesterol, não há aterosclerose”. Quem o diz é o médico Francisco Araújo, salientando que a dislipidemia é o fator de risco mais vezes implicado na doença aterosclerótica.

Apesar da forte evidência – quer do ponto de vista de estudos epidemiológicos, quer de ensaios clínicos nesta área – a sustentar a relação diretamente proporcional entre colesterol, o desenvolvimento de aterosclerose e o risco de eventos e morte cardiovascular, o grau de sensibilização da população portuguesa para este problema continua a ser “baixo”, reconhece o especialista, que acredita que este facto se prende não só com muitos mitos que ainda persistem, mas também com a muita desinformação que continua a existir, nomeadamente na Internet.

“Algo que gera, muitas vezes, confusão, é o facto de haver pessoas com níveis de colesterol elevado, mas que acabam por nunca ter um evento cardiovascular (ECV). Isto confunde as pessoas, que estão sempre a ouvir dizer que o colesterol elevado é nocivo para a saúde”, refere Francisco Araújo. Perante esta ideia, diz, “procuro desmistificar, explicando que também há imensas pessoas que fumam e nunca chegam a ter cancro do pulmão, apesar do elevadíssimo risco”.

Outra ideia errada, mas prevalente, é a de que “os níveis-limite que os médicos preconizam para o colesterol são ‘demasiado baixos’, mas sabemos que isso não é verdade”. De acordo com o internista, os valores recomendados “são os valores que existem na natureza, em populações que não tiveram influência do estilo de vida ocidental (ingestão excessiva de calorias, sedentarismo…), ou aqueles que temos à nascença (cerca de 80 mg/dL) e que são perfeitamente suficientes para cumprir as suas funções fundamentais, como contribuir para a construção de membranas celulares”. Níveis esses que correspondem a praticamente três vezes menos do valor médio de colesterol apresentado pela população portuguesa, salienta, com preocupação, o clínico.

“A maior parte dos nossos adolescentes já tem vestígios de colesterol depositado nas paredes das artérias, embora o aparecimento das manifestações clínicas da doença aterosclerótica – e infelizmente esta clínica pode apresentar-se de forma muito abrupta, com morte súbita, enfarte agudo do miocárdio (EAM) ou acidente vascular cerebral (AVC) – surja geralmente em idades mais tardias”, adianta.

Na ótica de Francisco Araújo, importa ainda salientar que “o colesterol não atua sozinho e há outros fatores a contribuírem para um aumento e maior velocidade na deposição do colesterol nas paredes das artérias. Esses fatores de risco são os ‘clássicos’: tabaco, hipertensão (HTA), stress, diabetes… Cada um destes fatores, individual e concomitantemente, vai provocar inflamação na parede das artérias, fazendo com que estas se tornem mais permeáveis ao depósito de colesterol”.

Neste sentido, advoga o médico, a prevenção continua a ser uma das melhores formas de travar a doença aterosclerótica. Desde logo, através da adoção de um estilo de vida saudável – com uma alimentação equilibrada e prática regular de atividade física. O internista aconselha, ainda, todos os adultos a consultarem o seu médico de família/assistente, pelo menos uma vez por ano, de forma a fazerem uma avaliação não apenas dos níveis de colesterol, mas do seu RCV global. Isto porque “um aspeto preocupante no plano da doença cardiovascular (DCV) em Portugal é que nos últimos sete a oito anos, e apesar de os dados de mortalidade cardiovascular continuarem a ser melhores, tem-se registado um aumento da mortalidade cardiovascular em pessoas mais jovens (abaixo dos 60 anos)”, alerta o clínico.

Só através desta avaliação individual o médico pode tratar a pessoa de forma adequada, instituindo a terapêutica farmacológica necessária, nomeadamente nos doentes com dislipidemia e RCV elevado, ressalva o internista, salientando que no plano da medicação, “certos mitos e alguma desinformação são preocupantes”, condicionando muitas vezes uma boa adesão à terapêutica – fundamental numa doença crónica como a dislipidemia – e, consequentemente, o controlo da patologia.

Assim, esclarece, “quando avalio um doente e vejo que tem um RCV elevado e níveis de colesterol que não são os que eu desejo, eu não estou a prescrever um medicamento para lhe baixar o colesterol, mas sim para evitar que a ele venha a morrer por AVC ou EAM ou que sofra um destes ECV”. A forma que o médico tem de ver se o medicamento é eficaz é através da redução dos níveis de colesterol, que consequentemente leva à redução da inflamação nas artérias e à diminuição do RCV.

“O propósito não é a redução do colesterol, mas antes a diminuição do RCV e de sofrer um EAM ou um AVC e esta é a mensagem que temos que passar aos nossos doentes”, conclui.

 

CBM

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