6 Jun, 2023

Mais automedicação e pior acesso a cuidados de saúde entre os mais pobres

Os dados são revelados no relatório “Acesso a Cuidados de Saúde 2022 - As escolhas dos cidadãos no pós-pandemia”, que revelam ainda uma maior aceitação, por parte dos portugueses, da Linha SNS24.

Os investigadores Pedro Pita Barros e Eduardo Costa, do Nova SBE Health Economics & Management Knowledge Center, caraterizam, neste estudo, as decisões dos cidadãos no primeiro contacto com o sistema de saúde. O objetivo foi perceber  qual a incidência de episódios de doença, assim como a decisão de aceder a cuidados de saúde, as barreiras de acesso (financeiras e não financeiras) e a prestação de cuidados nos setores público e privado. Em análise estiveram os anos de 2021 e 2022 em comparação com o relatório anterior de 2013 a 2020.

Sobre a incidência dos episódios de doença, “as pessoas de grupos socioeconómicos de maior rendimento reportaram menos situações de doença, provavelmente devido à redução de contactos sociais resultantes da maior permanência em casa”. Quanto ao grupo socioeconómico com maior dificuldade financeira, embora revele também um decréscimo no registo de ocorrências (provavelmente devido ao receio de contágio), em 2022, reporta um acréscimo grande (de, pelo menos, um episódio de doença). “Verifica-se assim que os anos 2020 e 2021 contrariam a tendência crescente dos anos anteriores (2013-2020), retomando, em 2022, aos valores registados antes da pandemia”, lê-se em comunicado.

Os investigadores concluíram que, nos anos da pandemia (2020 e 2021), apenas 27% e 30% dos inquiridos, respetivamente, reportaram terem-se sentido doentes, pelo menos uma vez, mostrando que o período pandémico foi marcado por valores anormalmente baixos neste indicador. Fatores como rendimento mais baixo (47,6%) e idade mais avançada (57,6%) encontram-se associados a uma maior probabilidade de a pessoa se ter sentido doente pelo menos uma vez.

Em 2022, porém, verifica-se uma subida expressiva, com 40% dos inquiridos a revelar ter-se sentido doente pelo menos uma vez no ano. A comparação entre anos permite verificar que o aumento da população que reporta ter-se sentido doente em 2022 é sobretudo explicado pelo aumento dos episódios de doença nos grupos etários mais novos, abaixo dos 45 anos.

Ainda no mesmo ano, cerca de 14% da população optou por não recorrer ao sistema de saúde, na sequência de um episódio de doença, o que “pode sinalizar a perceção por parte dos cidadãos de uma maior dificuldade de aceder a cuidados de saúde, levando a que alguns optem por não os procurar”. Em alternativa, as pessoas procuraram outras soluções como a automedicação (43%) ou optaram por ‘esperar’ que a sua doença melhorasse (57%). “O aumento dos que não contactaram o sistema de saúde pode ser explicado pelo aumento de infeções de covid-19, no final de 2021 e início de 2022, a par das recomendações das autoridades de saúde para não recorrer ao sistema de saúde em caso de doença ligeira”.

O padrão verificado em 2022, porém, inverte o histórico verificado desde 2013, quer no período da pandemia (2020 – 2021), quer no pré-pandemia (2013 – 2019). “Na larga maioria dos casos (quer naqueles que se automedicaram, quer nos que decidiram esperar), a baixa gravidade da doença foi eleita como a principal razão para não contactar o sistema de saúde (82,2% e 88,9%, respetivamente, em 2022).”

Embora registando um maior número de pessoas que não recorreram ao sistema de saúde, os dados revelam que a probabilidade de o fazerem em caso de doença ainda permanece muito elevada (80%), sendo o aparecimento de um problema inesperado a principal razão que motiva a procura (70%).

Os investigadores avaliaram também as barreiras de acesso a cuidados de saúde e concluíram que, em 2022, existiram dificuldades em fazer face às despesas habituais do agregado familiar na classe com menores rendimentos, sobretudo na aquisição de medicamentos (50%). Ainda neste âmbito, verifica-se que a proporção de famílias que pede a substituição de um fármaco de marca pelo respetivo genérico aumenta com o acréscimo das dificuldades económicas (passando de 33%, em 2019 para 56% em 2022).

No que diz respeito ao acesso a consultas ou urgências, o relatório evidencia que a proporção de pessoas que reporta não ter conseguido aceder a uma consulta ou urgência por dificuldades financeiras é muito baixa, o que pode ser explicado pelo facto de nos cuidados de saúde primários, as consultas não estarem sujeitas ao pagamento de taxas moderadoras.

Quanto às barreiras não financeiras, e apesar do aumento das infeções de covid-19 associadas à variante Ómicron, o receio de contágio nos cuidados de saúde e os cancelamentos de consultas e exames continuaram em queda. A prestação de cuidados de saúde nos setores público e privado foi igualmente alvo de análise, verificando-se um aumento no recurso ao setor público, recuperando parcialmente a queda verificada entre 2019 e 2020. Ainda assim, apesar da ligeira subida face aos níveis de 2020 e 2021, a proporção de pessoas que procura os serviços de urgência permanece abaixo do pré-pandemia (41,1% em 2019 e 35,5% em 2022).

Os autores constataram também que, embora  em 2022, exista uma quebra na perceção de que o tratamento dos doentes foi feito com dignidade, compaixão e respeito, durante a pandemia não se verificaram quebras neste indicador.

O estudo  é da Iniciativa para a Equidade Social, uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI e a Nova SBE.

Texto: Maria João Garcia

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