9 Mar, 2023

Lei da Saúde Mental deve “deslocar o foco” da doença para a prevenção, segundo o Conselho Nacional

O Conselho Nacional de Saúde defende que as perspetivas da promoção da saúde mental e da prevenção “deveriam ter maior proeminência e implicações práticas” na nova Lei da Saúde Mental.

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) defende que a nova lei da saúde mental deve “deslocar o foco dominante na doença e na sua remediação” para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e de bem-estar da população. “Recomenda-se deslocar o foco dominante na doença e na sua remediação para as estratégias de prevenção e da promoção da saúde mental, para o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas”, refere o parecer solicitado ao CNS pela Comissão de Saúde da Assembleia da República sobre a Lei de Saúde Mental .

O diploma do Governo foi aprovado na generalidade no parlamento em outubro de 2022 e pretende substituir a legislação sobre esta matéria em vigor há cerca de 20 anos. A proposta de lei, que baixou à Comissão de Saúde, insere-se na reforma da saúde mental que o Governo quer concluir até final de 2026 e que recorre a 88 milhões de euros para investimentos nesta área, disponíveis no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

No seu parecer, o órgão independente de consulta do Governo, presidido desde fevereiro pelo médico Vítor Ramos, reconhece a importância do diploma para a definição dos direitos e deveres das pessoas com necessidades de cuidados de saúde mental, permitindo salvaguardar a sua liberdade e autonomia. O parecer preconiza a inclusão de medidas que visem a prevenção e a promoção da saúde mental, “dando corpo à noção da necessidade de cuidados de saúde mental a todas as pessoas que deles necessitem sem sofrerem de uma doença mental, nos diversos contextos e fases de vida, nomeadamente, ao nível das escolas, trabalho e da comunidade”.

O documento alerta também que a nova lei “acentua em demasia o conceito de perigosidade social em detrimento de outras dimensões centrais para o tratamento involuntário, o que para além de não responder às exigências necessárias, ainda pode contribuir para o agravamento do estigma” em relação à saúde mental. O órgão independente defende ainda que devem estar previstas medidas associadas ao tratamento involuntário em ambulatório, dada a sua maior complexidade de implementação, alertando que, sem estas medidas, “teme-se que o internamento acabe por ser, muitas vezes, a única opção”.

O CNS recomenda também a correção de “expressões desajustadas da realidade atual” das equipas multidisciplinares com várias profissões autorreguladas, apontando o exemplo do termo “sigilo médico” que deve ser alterado para “sigilo profissional em saúde”. Refere ainda que o reforço das intervenções a nível local, no âmbito da promoção da saúde mental, da prevenção de perturbações e doenças evitáveis ou do tratamento e controle das doenças mentais, requer uma “atenção especial ao enquadramento e desenvolvimento de equipas multiprofissionais de proximidade”. “Para além dos serviços de saúde tradicionalmente considerados, deverão ser envolvidos de modo estruturado recursos e atores, presentes e atuantes em cada comunidade e relevantes para as estratégias preventivas e assistenciais em saúde mental, designadamente organizações locais, de apoio social, farmácias, entre outros”, indica o CNS.

Já no âmbito da equidade no acesso aos tratamentos, o documento avança com a possibilidade de os doentes poderem beneficiar, em contexto ambulatório e nas farmácias comunitárias, da mesma comparticipação que nos serviços de saúde mental ou no Serviço Nacional de Saúde das classes terapêuticas destinadas ao tratamento voluntário, “evitando desigualdades injustas no acesso a benefícios associados ao tratamento farmacológico das suas doenças”.

O CNS salienta que a proposta de lei configura “mais humanização dos cuidados de saúde e promove mais participação de quem é cuidado, na medida das suas capacidades”. “Sublinha-se a preocupação de garantir a participação das pessoas com necessidades de cuidados de saúde mental, e respetivos familiares e cuidadores, na definição das políticas e planos de saúde mental”, destaca o parecer, ao sublinhar ainda que o diploma privilegia o tratamento ambulatório, reservando o internamento para as situações com indicação precisa para isso.

“O CNS louva, por isso, o esforço de repensar a organização da prestação de cuidados de saúde mental, de procurar uma terminologia mais inclusiva, nomeadamente, através da substituição do conceito de `internamento compulsivo´ pelo de `tratamento involuntário´, da inviabilização do internamento de duração ilimitada para inimputáveis, da reavaliação da periodicidade de revisão obrigatória da situação da pessoa internada”, refere.

De acordo com o Ministério da Saúde, o diploma, que teve o contributo de um grupo de peritos, pretende atualizar a legislação que vigora nas últimas duas décadas, tendo em conta os desenvolvimentos científicos, jurídicos e de direitos humanos registados ao longo desse período. Esta nova lei incide sobre a definição, fundamentos e objetivos da política nesta área, consagra os direitos e deveres das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental e regula as restrições destes direitos e as garantias da proteção da liberdade e da autonomia.

LUSA

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