Interrupção Médica da Gravidez. “As manifestações clínicas podem não permitir um prognóstico claro até às 24 semanas”
Miguel Branco, presidente da Associação Portuguesa de Diagnóstico Pré-Natal (APDPN), alerta para a necessidade de se alterar a lei referente à interrupção médica da gravidez (IMG). Em causa está o limite de 24 semanas para interromper a gravidez em caso de anomalias graves e o facto de algumas anomalias só poderem ser detetadas posteriormente.
A APDPN defende a revisão da lei da IMG. Porquê?
O conhecimento e prática médica atual em diagnóstico pré-natal (DPN) coloca-nos alguns desafios a que a presente lei não responde, nomeadamente nas patologias de manifestação tardia ou evolutiva, exames de diagnóstico com tempos de resposta que podem ser mais demorados que o esperado ou evolução da situação clínica após intervenções fetais. O melhor conhecimento da fisiopatologia da patologia do sistema nervoso central, em que sabemos que o prognóstico depende, na maioria das situações, da evolução temporal é um exemplo. As manifestações clínicas podem não ter tradução que permita o estabelecimento de um prognóstico claro até às 24 semanas. Vamos ter um aconselhamento e tomada de decisão por parte do casal, baseados em informação que sabemos menos completa, que poderá levar a uma intranquilidade e aumento do pedido de interrupções médicas de gravidez ou decisões tomadas de um modo menos confiante. Nos anos recentes tem havido a a possibilidade de oferecer novos exames diagnósticos, alguns destes com tempos de resposta muito variáveis. Não parece razoável condicionar as opções de reprodução de um casal em função do eventual atraso de resposta de um determinado laboratório ou a necessidade de efetuar exames complementares para o esclarecimento de resultados prévios.
“É fácil imaginar o cenário catastrófico da comunicação de um resultado alterado, cujo tempo de processamento não permitiu que fosse efetuado e disponibilizado até às 24 semanas”
Qual o impacto psicológico para o casal da atual lei?
A má notícia, que destrói o ideal planeado de gravidez perfeita, tem um impacto avassalador por si. É importante que o conjunto de regras, quadro legal, em que se tomam as decisões reprodutivas não traga dificuldades acrescidas. É fácil imaginar o cenário catastrófico da comunicação de um resultado alterado, cujo tempo de processamento não permitiu que fosse efetuado e disponibilizado até às 24 semanas, ou a constatação de uma alteração grave na avaliação 2.º-3.º trimestres, mesmo que a fisiopatologia da doença torne essa a idade gestacional em que o diagnóstico seria mais provável ou uma má evolução clínica após uma intervenção fetal. Sabemos da necessidade que estes casais sentem, recorrendo a outras instituições, na esperança de uma interpretação diferente do quadro de gravidade ou até mesmo optando por se deslocar a outros países com quadro legal diferente, se para isso tiverem possibilidades. Aqui, acrescentado, uma outra problemática: a da igualdade no acesso a cuidados. Apesar de uma ordem de grandeza e natureza diferentes, estes aspetos têm igualmente impacto nos cuidadores.
Relativamente à APDPN, no início do seu mandato defendeu que iria apostar numa “informação livre sem jargões médicos”. O que têm feito?
Além da nossa reunião anual, ponto de encontro dos vários profissionais interessados em DPN, organizamos cursos temáticos e atualizamos a informação disponível online, nomeadamente a disponibilização de folhetos informativos para os casais, que será progressivamente alargada.
“O registo dos diagnósticos, na plataforma RENAC, que permite aferir a qualidade do nosso trabalho, é efetuado por clínicos, que na maioria dos casos não têm tempo dedicado a isso”
Na altura falou também da importância de se sensibilizar para os registos de diagnósticos nas plataformas existentes. Por que razão não se fazem os registos?
O registo dos diagnósticos, na plataforma RENAC, que permite aferir a qualidade do nosso trabalho, é efetuado por clínicos, que na maioria dos casos não têm tempo dedicado a isso. É importante sensibilizar para a necessidade de incluir tempos não assistenciais na distribuição do horário de trabalho.
Nos próximos meses, o que podemos esperar da APDPN?
Estamos a preparar a nossa reunião anual, que este ano será no Peso da Régua, em 29 e 30 de setembro, e um curso temático – Ecocardiogafia Fetal -, para a qual deixamos o convite à participação.
SO
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