14 Mar, 2021

Incontinência urinária, a doença ‘tabu’ que afeta 35% das pessoas com mais de 60 anos

Estima-se que afete cerca de 600 mil portugueses. É uma doença debilitante mas também tratável, sublinha o urologista e Presidente da Associação Portuguesa de Neuro-Urologia. Leia a entrevista.

Qual a dimensão do impacto da Incontinência Urinária (IC) em Portugal?

O impacto em Portugal é muito semelhante ao de outros países com o mesmo estilo de vida. Sabemos que esta patologia atinge uma parte significativa da população – afeta cerca de 35% das pessoas com mais de 60 anos, sendo que a prevalência aumenta com a idade. Dentro deste grupo, as mulheres são duas vezes mais afetadas que os homens, embora a IC seja transversal a ambos os géneros – aliás, nas faixas etárias acima dos 80 anos os homens são mais afetados.

Há estudos que indicam que pelo menos 20% das pessoas acima dos 40 anos têm IC. Há um certo pudor, um tabu a falar da IC, o que aumenta a tendência para se ocultar o problema. As pessoas mais velhas acham que é uma condição natural, que aparece com a idade e nem sabem que a IC é uma doença passível de ser tratada.

Por ainda ser um tabu para muitos portugueses, a IC está subdiagnosticada?

Sim, há dados que indicam que, por norma, há um atraso de seis a nove anos no diagnóstico. A culpa é repartida.

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Sente que os próprios profissionais de saúde, nomeadamente os médicos, ainda não dão a devida importância à IC?

Sim, reconheço que é uma patologia ainda desvalorizada e posta numa segunda linha por médicos e doentes. Os médicos ainda não estão suficientemente sensibilizadas, não tentam saber, junto das pessoas, se estas têm IC ou não. Temos de nos lembrar de que esta é uma patologia muito prevalente e debilitante. Interfere na higiene das pessoas, na vida pessoal, sexual, profissional, familiar. Junta-se a isto o estigma social que ainda recaí sobre os doentes.

“IC interfere muito na qualidade de vida dos doentes”

Em doentes com IC mais marcada ou mais debilitados, a própria IC está associada a um aumento da mortalidade. São doentes com dificuldades de locomoção e que, por vezes, sofrem quedas com a necessidade de irem muitas vezes à casa de banho, nomeadamente durante a noite. A depressão também é um fator associado importante. Portanto, a IC interfere muito na qualidade de vida dos doentes.

Há forma de prevenir a IC?

A IC tem vários fatores de risco associados. Nos tipos mais comuns de IC, temos a incontinência urinária de esforço (associada aos movimentos do corpo em que a pessoa perde urina quando tosse, espirra ou quando faz um esforço maior), que é típico da mulher pós-menopáusica ou da mulher que teve filhos – os partos são um fator de risco para este tipo de incontinência. Uma mulher que esteja a entrar na menopausa deve ter o cuidado de usar terapêuticas hormonais de substituição, de modo a prevenir a IC.

As mulheres grávidas também podem prevenir o aparecimento de IC na gravidez e no pós-parto se fizer fisioterapia. Nos obesos, é importante ter bons hábitos alimentares e realizar exercício físico. A prevenção da obstipação, por exemplo, também ajuda a prevenir a IC. Doenças cardíacas ou a diabetes são fatores de risco, como também o não certos hábitos alimentares (como o abuso dos alimentos picantes, álcool, bebidas gaseificadas).

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Grande parte dos doentes passam, numa primeira fase, pelos cuidados de saúde primárias. Ainda existem lacunas na referenciação para consulta hospitalar?

Ainda há. A patologia é desvalorizada na comparação com outras. Por outro lado, o doente não se queixa e o médico não pergunta. Em muitos casos, a IC tem de ser tratada por médicos especialistas. Dependendo da especificidade do caso, especialidades como a Medicina Física e Reabilitação, Ginecologia, Urologia ou Medicina da Dor têm competência para tratar doentes com IC.

Que opções de tratamento existem para estes doentes?

Existem vários tipos de IC. Os dois grandes grupos são a IC de esforço e a IC de urgência (ocorre na sequência de a pessoa ter uma vontade imperiosa de urinar, que não consegue adiar).

A incontinência urinária tem tratamento em 85% dos casos

Para a IC de urgência, existem tratamentos farmacológicos oral que, juntando aos tratamentos conservadores (mudanças do estilo de vida), melhoram em muito a IC e a qualidade de vida dos doentes. No entanto, os fármacos não resolve todos os casos. Há casos que melhoram só com as mudanças no estilo de vida (uma pequena parte), outros que melhoram com a medicação oral e há casos que não melhoram com nenhum dos dois.

Nestes últimos casos (que representam cerca de um terço do total), temos cirurgias minimamente invasivas para tratar os casos resistentes, como a aplicação de toxina botulínica na bexiga ou a estimulação nervosa, a chamada neuromodulação sagrada (que consiste na aplicação de estimuladores elétricos, que estimulam o sistema nervoso, que, por sua vez, regula o pavimento pélvico), que é feita em sete centros espalhados pelo país – já com 400 doentes tratados.

Na IC de esforço, devemos, mais uma vez, estimular os doentes a aplicar mudanças no estilo de vida. Contudo, também aqui, são poucos os casos em que só esta intervenção é eficaz. A maioria dos doentes precisa de cirurgia, que consiste na colocação de uma banda que dá apoio à bexiga e à uretra e que permite controlar a IC. Tem taxas de sucesso na ordem dos 80 a 90%.

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