14 Dez, 2020

“Há uma falta gravíssima de Médicos de Saúde Pública. É uma catástrofe”

Em entrevista, o médico de Saúde Pública e ex-delegado de Saúde de Lisboa sublinha a falta de uma geração intermédia de especialistas e diz que é impossível os médicos fazem melhores seguimentos das cadeias de transmissão com os recursos disponíveis.

Tem-se falado muito da falta de médicos de saúde pública. Como olha para esse problema?

É terrível. Não há geração intermédia. Desde há 30 anos para cá deixaram de haver médicos de saúde pública. A carreira deixou de ser atrativa, não há estímulos. É uma catástrofe. Há uma falta gravíssima de médicos de saúde pública e também de experiência. Os médicos mais jovens têm muitos excels e muitos gráficos mas precisam de ter mais contacto com as pessoas e vivenciar a relação com a comunidade.

Acha que os médicos jovens não têm capacidade de comunicar com os doentes?

Não têm. Esse é um problema. Deixámos de ter médicos e passámos a ter engenheiros. O foco dos médicos mais jovens deixou de ser as pessoas e passou a ser a técnica, o resultado da análise, o resultado do exame.

Há muitos médicos de saúde pública da minha geração (muitos já reformados) mas depois há um hiato. Durante anos atacaram a Saúde Pública, dizendo que a Escola Nacional de Saúde Pública era um sítio cheio de comunistas.

Os médicos de saúde pública são os que têm formação em administração de serviços de saúde e eramos nós que estávamos à frente dos centros de saúde. Assim, pensávamos primeiro na saúde e só depois na forma de gerir a ‘casa’. O que aconteceu foi que toda a gestão foi entregue a administradores hospitalares. Dificilmente veem as pessoas, veem mais os números.

Essa carência de profissionais dificulta também depois a contenção das cadeias de transmissão?

É impossível fazermos, com que os recursos que temos, melhores seguimentos. O dia só tem 24 horas. E mesmo assim os médicos de saúde pública têm andado a trabalhar de borla. Quando a pandemia chegou, por exemplo, eu não dormia dia nenhum. Acordavam-me às duas, três, quatro da manhã, com casos que se detetavam em Lisboa e Vale do Tejo.

O Ministério tem um problema que ainda não resolveu, que tem a ver com o sistema de informação. Muitos dos médicos e dos profissionais de saúde pública andam entretidos a recolher dados, em vez de estarem a tratar das pessoas. Isto porque o sistema não responde. Com outras condições, teria sido possível fazer melhor. O problema também está na falta de pessoas no terreno.

Como será o próximo inverno?

Provavelmente não terá grandes novidades. Provavelmente não haverá gripe porque as pessoas andam mais protegidas. No hemisfério Sul, que já entrou no inverno, parece que houve uma diminuição dos casos de gripe.

Como olha para a questão do isolamento dos idosos?

Temos de evitar a transmissão do vírus aos idosos porque são eles os mais atingidos do ponto de vista da mortalidade mas os idosos não podem, de maneira nenhuma, continuar isolados. São dramas. Não morrem da doença, morrem da cura. A Saúde Pública tem de olhar para isto de um ponto de vista global.

TC/SO

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