5 Ago, 2020

Há doze anos que o mês de julho não registava tantas mortes

Foram 10.390 óbitos em Portugal, mais 2.137 (26%) mortes em relação a julho de 2019. DGS aponta para ondas de calor, mas outros especialistas referem impacto indireto da pandemia.

No mês de julho registaram-se 10.390 óbitos em Portugal. Os dados, disponíveis no sistema nacional de Vigilância da Mortalidade (eVM), mostram que este valor, respeitante ao ano de 2020, foi o mais elevado, quando se comparam os meses de julho dos últimos 12 anos.

Em relação ao período homólogo no ano passado, em 2020 verificou-se um aumento de 2.137 mortes, o que se traduz num crescimento na ordem dos 26%. A ocorrência não parece ser centralizada, visto que este aumento se observa um pouco por todos o país.

A pandemia por COVID-19 surge logo como potencial fator explicativo. Não obstante, não parece ser um efeito direto, tendo em conta que a mortalidade por esta causa em julho perfazia apenas 1,53% dos óbitos (159 do total), valor próximo ao do mês de março de 2020.

 

Explicar a mortalidade

Segundo a informação adiantada pela Direção-Geral da Saúde (DGS) ao Público, este incremento na mortalidade ainda será analisado – a codificação das causas “só será conhecida em 2021” –, embora revele que a “causa mais provável da mortalidade nos grupos etários acima dos 65 anos” seja o “calor extremo”.

Outras causas foram apontadas por Alexandre Abrantes, subdiretor da Escola Nacional de Saúde Pública, em declarações ao órgão de comunicação, sendo elas resultado do impacto da pandemia por COVID-19 no acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Na perspetiva do especialista, a “principal” causa neste momento é o facto de as pessoas terem evitado os serviços de saúde por receio. A segunda razão apontada é a impossibilidade, nalguns casos, de realizar “exames a cancros e outras doenças” que estavam agendados. Acrescenta que os “números públicos das listas de espera para cirurgias e exames” deixam patente que a “atenção está de tal maneira polarizada para a COVID-19 – e aqui os media têm alguma culpa – que o resto foi esquecido no serviço de saúde”. Por fim, coloca a terceira hipótese de o tratamento não ser igual, dadas as contingências e o foco de atenção e de recursos na pandemia, ainda que considere que esta “seja a hipótese com menos impacto, porque os serviços não estão a rebentar pelas costuras”, havendo “espaço para as urgências”.

Outros peritos, como António Vaz Carneiro, especialista em medicina interna e presidente do conselho científico do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, e o investigador Paulo Jorge Nogueira, estatístico do Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, levantam outras questões.

O primeiro sublinha a dificuldade de analisar a mortalidade, sobretudo num contexto em que houve confinamento. Por considerar que outras causas de morte, nomeadamente acidentes rodoviários, foram reduzidas, António Vaz Carneiro acredita que os dados terão muito que ver com “a negligência e impossibilidade de acesso a cuidados” resultantes da pandemia que deixaram “dois milhões de doentes crónicos” sem consultas. Já Paulo Jorge Nogueira afirma que os dados podem também indiciar algo mais, levantando a possibilidade de o envelhecimento da população e a consequente condição de sobrevida ser uma causa para estas estatísticas.

Público/SO

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