1 Jun, 2024

Epilepsia na idade pediátrica. “O aspeto mais dramático é a imprevisibilidade das crises”

Cristina Pereira, neuropediatra e neurofisiologista do Hospital Pediátrico e Centro de Referência de Epilepsia Refratária da ULS de Coimbra, aborda as causas da epilepsia na idade pediátrica e os problemas de aprendizagem.

Existe algum fator que pode desencadear a epilepsia na idade pediátrica?

Existem várias causas de epilepsia, que são classificadas em seis grandes grupos de acordo com a Liga Internacional Contra a Epilepsia: causa estrutural (ex. tumores cerebrais, malformações cerebrais, traumatismos cranianos); causa genética (ex. síndrome de Dravet); causa infeciosa (ex. meningoencefalite); causa metabólica (ex. epilepsia dependente de piridoxina); causa imunológica (ex. síndrome de Rasmussen); e causa desconhecida. Em idade pediátrica, as causas mais comuns são as genéticas, que podem ser hereditárias (quando existem familiares também com epilepsia) ou alterações de novo; as epilepsias estruturais, quando há alguma alteração morfológica no cérebro da criança causadora de epilepsia; e as epilepsias infeciosas que surgem após infeções cerebrais como a meningite e a encefalite. As epilepsias genéticas dificilmente são evitáveis; no entanto, podem e devem, ser identificadas e tratadas de forma precoce e adequada. As epilepsias infeciosas podem ser prevenidas pelo cumprimento do programa nacional de vacinação e pela procura atempada de cuidados médicos em caso de suspeita de infeção cerebral.

Quais os tratamentos mais adequados nesta faixa etária?

Existem várias opções de tratamento para a epilepsia em idade pediátrica. O melhor tratamento será sempre aquele que se adequar especificamente a cada criança, tendo em conta o tipo de epilepsia, a frequência das crises epiléticas, as patologias associadas, entre outros fatores. Existem diversos medicamentos anticrises epiléticas com um bom perfil de segurança, e que podem ser escolhidos de acordo com o tipo de crise epilética e epilepsia. Uma parte significativa das epilepsias da infância são autolimitadas, não necessitando de medicação diária e resolvendo-se antes da idade adulta. No entanto, as epilepsias refratárias e as encefalopatias epiléticas associadas a deficiência intelectual ou perturbações motoras, como a paralisia cerebral, tendem a persistir na idade adulta. Nestes casos, pode não haver cura, mas a criança pode apresentar períodos de melhoria no controlo das crises.

Nas epilepsias refratárias, ou seja, que não respondem a dois ou mais medicamentos anticrises epiléticas, pode recorrer-se a outros tratamentos para além da medicação:

  1. Cirurgia da epilepsia: o objetivo é remover ou desconectar a área do cérebro onde as crises se originam. Isso pode ajudar a reduzir ou até mesmo eliminar as crises epiléticas.
  2. Estimulação do nervo vago: é um procedimento no qual um dispositivo é implantado no corpo, geralmente no peito, e envia impulsos elétricos regulares ao nervo vago e ao cérebro. Esses impulsos ajudam a diminuir a frequência e a intensidade de alguns tipos de crises epiléticas.
  3. Dieta cetogénica: é uma dieta rica em gorduras e pobre em açúcares que alterando o metabolismo cerebral, tem mostrado ser eficaz no controlo das crises epiléticas.
  4. Canábis Medicinal: o canabidiol (CBD) é um composto encontrado na planta de cannabis e tem sido utilizado como tratamento complementar em casos de epilepsia refratária.

“As crianças e jovens com epilepsia apresentam mais frequentemente dificuldades de aprendizagem, alterações do comportamento, perturbação de hiperatividade e défice de atenção, autismo e patologia psiquiátrica”

De que forma esta doença afeta a vida das crianças/jovens e dos seus pais?

O aspeto mais dramático da epilepsia é a imprevisibilidade das crises epiléticas. Isso implica que a criança ou jovem e a sua família estejam constantemente em alerta, pelo menos até se sentirem seguros com a medicação. Os cuidados a ter também dependem do tipo de epilepsia e por consequência, do tipo de crises epiléticas. As crises com queda brusca ao chão ou convulsões requerem uma alteração do ambiente em termos de segurança diferente daquela necessária para crianças com crises de ausências, em que apenas ocorre uma interrupção breve da consciência. Nas crianças com crises durante a noite, o medo dos pais de não detetarem uma crise durante o sono leva-os a colocar a criança a dormir na cama dos pais, o que não é recomendado.

No que diz respeito à prática desportiva, se as crises não estiverem totalmente controladas, é desaconselhada a prática de mergulho em profundidade, alpinismo e paraquedismo. Nos desportos náuticos, podem ser necessárias precauções adicionais, como a prática em conjunto com alguém que esteja ciente da doença. Outros desportos, sobretudo em meio terrestre, podem ser praticados pela criança ou jovem com epilepsia sem restrições.

“No entanto, infelizmente, apesar de várias iniciativas de associações de doentes com epilepsia e da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia, ainda não existe comparticipação deste medicamento pelo estado português”

Como costuma ser a integração na escola?

As crianças e jovens com epilepsia apresentam mais frequentemente dificuldades de aprendizagem, alterações do comportamento, perturbação de hiperatividade e défice de atenção, autismo e patologia psiquiátrica. Muitas vezes, essas crianças e jovens necessitam de apoio individualizado, terapias e psicologia escolar. No entanto, o que mais impacta a integração na escola é a possibilidade de ocorrência de uma crise epilética em contexto escolar. Por isso, é fundamental fornecer formação aos professores e auxiliares de ação educativa sobre como agir em caso de crise epilética.

O que se pode fazer para que melhore essa integração?

Atualmente, em Portugal, o único medicamento de SOS comparticipado para o tratamento de crises convulsivas é o diazepam, administrado via retal.  Existe também o midazolam via intrabucal, porém não comparticipado. A administração intrabucal é socialmente mais aceitável e conveniente, com menor impacto na imagem e dignidade pessoal, sendo, portanto, a opção preferida para o tratamento de crises convulsivas em ambiente escolar. O midazolam intrabucal não comparticipado tem um custo de cerca de 100 euros por embalagem, o que impossibilita a sua aquisição por muitas famílias, devido ao preço elevado. Sendo um medicamento anticonvulsivante, deveria estar incluído no escalão A do Infarmed, com uma comparticipação de 90% pelo estado português. No entanto, infelizmente, apesar de várias iniciativas de associações de doentes com epilepsia e da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia, ainda não existe comparticipação deste medicamento pelo estado português. A comparticipação deste medicamento permitiria a aquisição a um preço acessível pelas famílias de crianças e jovens com epilepsia, contribuindo para uma melhor integração destas na sua escola.

Maria João Garcia

 

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