Entrevista. GSK prepara-se para lançar em Portugal medicamento inovador para o cancro do ovário
Ao SaúdeOnline, a nova diretora-geral da Glaxo Smith Kline (GSK) em Portugal reafirma a aposta da farmacêutica britânica na área da oncologia, com 14 moléculas em desenvolvimento.
Acaba de assumir a direção-geral da GSK em Portugal. Conte-nos um pouco do seu percurso e as primeiras impressões do país?
Muito obrigado, antes de mais, pelo convite e oportunidade de partilhar um pouco do meu percurso profissional e expetativas relativamente a este novo desafio, que acabo de abraçar. O meu nome é Roxana Precu, nasci na Roménia, há 45 anos, e tenho o privilégio de ter desenvolvido praticamente toda a minha carreira internacionalmente.
Nos últimos 20 anos, passei por países tão diferentes como a Ucrânia, o Reino Unido, a Turquia, a China e, agora, Portugal. Têm sido experiências extremamente enriquecedoras, quer do ponto de vista pessoal, quer profissional, que me têm permitido conhecer diferentes culturas e mentalidades, com o que isso representa em termos de amadurecimento e preparação para liderar pessoas e organizações em contextos diversos e, por vezes, altamente complexos e desafiantes. Sinto, por isso, que esta oportunidade de vir dar o meu contributo à GSK Portugal chega no momento certo da minha carreira.
Vivemos tempos sensíveis, marcados por grande incerteza devido à pandemia causada pelo SARS-CoV-2, mas que representam, também, uma enorme oportunidade de demonstrar, às autoridades e à sociedade, como a ciência e a inovação são absolutamente indispensáveis para conseguirmos superar esta crise de saúde pública, que já está a ter um impacto socio-económico muito significativo. Assim, estou altamente motivada com este novo desafio!
Como se está a posicionar a GSK no combate à pandemia de Covid-19? Que projetos estão em curso?
Começamos a acompanhar esta emergência de saúde pública desde o primeiro minuto e a mover todos os esforços, global e localmente, para ajudar a ultrapassar a situação. Assim, estivemos e continuamos empenhados na identificação de possibilidades de colaboração, disponibilizando a nossa ciência e know-how técnico e tecnológico, ao mesmo tempo que procuramos garantir a saúde e segurança dos nossos mais de 100 mil colaboradores em todo o mundo, dos quais cerca de 200 em Portugal, assegurando que o fornecimento dos nossos produtos, medicamentos e vacinas continuam a chegar ao mercado de forma regular.
A nível global, efetuamos um donativo de dez milhões de dólares ao “COVID-19 Solidarity Response Fund”, das Nações Unidas e da Organização Mundial de Saúde, para apoiar a prevenção, diagnóstico e tratamento da pandemia. Entre as ações previstas estão a distribuição de material e produtos essenciais, como equipamento de proteção individual para os profissionais de saúde que estão na linha da frente.
O nosso contributo mais visível é, no entanto, as colaborações e parcerias para descobrir uma vacina candidata para o novo coronavírus. Para isso, estamos a contribuir com a nossa tecnologia adjuvante, sendo que uma das parcerias mais avançadas, com a Sanofi, iniciou recentemente ensaios clínicos em humanos. A esse respeito, salientar que já assumimos o compromisso de aumentar a nossa capacidade de produção, para assegurar o fornecimento de mil milhões de doses de adjuvante no próximo ano.
Importante sublinhar, ainda, que já nos comprometemos em abdicar de qualquer mais-valia financeira decorrente das colaborações em curso para descobrir uma vacina candidata para a COVID-19. Isto significa que todos os benefícios financeiros a curto prazo serão reinvestidos na pesquisa de respostas terapêuticas para combater a pandemia.
Por último, no que diz respeito a projetos centrais da GSK, recordar que iniciamos uma colaboração com a Vir Biotechnology, que implicou um investimento inicial de 250 milhões de dólares, para investigar e desenvolver soluções terapêuticas para combater os coronavírus, onde se inclui o SARS-CoV-2. A colaboração contempla o acesso à plataforma de anticorpos monoclonais da Vir para acelerar o desenvolvimento de anticorpos antivirais já existentes e identificar outros novos, com potencial terapêutico ou preventivo para ajudar na resposta à pandemia COVID-19 e eventuais surtos futuros desta natureza.
Localmente, a GSK Portugal tem manifestado o seu compromisso com Portugal e os portugueses de diferentes formas. Apoiamos, através de um donativo financeiro para a iniciativa “Todos por Quem Cuida” (APIFARMA, Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos), a aquisição de equipamentos para o Serviço Nacional de Saúde. Contribuimos para o programa “Emergência abem: COVID-19”, da Associação Dignitude, que se destina a apoiar todas as pessoas, principalmente as que se encontram em situações mais fragilizadas, no acesso aos medicamentos, produtos e serviços de saúde que precisam para viver.
Em conjunto com várias associações de doentes, profissionais de saúde e sociedades médicas, desenvolvemos várias sessões de esclarecimento virtuais para informar e esclarecer as dúvidas de quem vive com uma doença crónica e, assim, pertence ao chamado grupo de risco COVID-19.
Implementamos uma campanha de sensibilização (“Ciência & Inovação”), nos media nacionais, para os profissionais de saúde darem conselhos e recomendações para os referidos grupos de risco relativamente à pandemia.
Por fim, referir que, a nível global, assistimos a um movimento de voluntariado interno por parte dos nossos colaboradores com formação e experiência na área médica, que se disponibilizaram para ajudar no combate à pandemia, ao lado dos profissionais de saúde. Em Portugal, é com muito orgulho que posso afirmar que não escapamos ao lado desta onda de solidariedade e também aqui tivemos colegas no terreno, junto dos profissionais de saúde, a ajudar quem mais precisa.
Considera que a parceria estabelecida com a Sanofi para a produção de uma vacina é uma prova de que a indústria se consegue unir pelo bem comum?
Vivemos tempos extraordinários e sem precedentes para a maioria de nós. Tempos extraordinários, exigem esforços extraordinário. Assim, se há lição que podemos retirar desta pandemia, desde já, é que sozinhos podemos ir mais rápido, mas juntos vamos, sem dúvida, mais longe. Este é o tempo dos aliados, dar as mãos e construir pontes que permitam ultrapassar, o melhor e o mais rapidamente possível, esta situação de incerteza.
A GSK tem uma posição de liderança na área de vacinas em Portugal. É uma aposta para continuar?
A GSK lidera, a nível mundial, a investigação e produção de vacinas para prevenir diversas doenças infeciosas – como a hepatite, o rotavírus, o vírus do HPV, a difteria, o tétano, a meningite bacteriana e a gripe – em todas as etapas da vida (dos lactentes aos adultos). Temos mais de 30 vacinas desenvolvidas, que ajudam a proteger contra 21 doenças. Cerca de 40% das crianças de todo o mundo estão protegidas com, pelo menos, uma vacina da GSK e dois milhões de doses das nossas vacinas são disponibilizadas todos os dias, em 160 países.
No entanto, atualmente, a vacinação não é uma questão apenas pediátrica e constitui um fator crítico de sucesso para um envelhecimento saudável, sendo que a população adulta tem ao seu dispor um conjunto alargado de vacinas que podem ajudar a prevenir contra doenças infeciosas muito severas.
Na GSK, sentimos um privilégio enorme, mas também uma grande responsabilidade, em ser parte parte ativa nesse caminho e reflexo disso é, por exemplo, o investimento que estamos a fazer com o lançamento de uma nova campanha de informação e sensibilização sobre os perigos da Meningite Meningocócica e a importância da vacinação, enquanto forma de prevenção da mesma. A campanha “Por uma vida inteira pela frente” é dirigida à população em geral e foca diferentes faixas etárias. O objetivo é que seja um ponto de partida para as pessoas procurarem mais informação e aconselhamento junto dos profissionais de saúde.
Que empresa encontrou, do ponto de vista interno, quando assumiu a liderança da GSK Portugal? Qual a dimensão atual da equipa em Portugal?
Excelente questão! O que encontrei foi um conjunto de profissionais muito talentosos e altamente conscientes das suas prioridades: trabalhar ao lado dos profissionais de saúde e das autoridades para, com base na ciência e inovação produzida pela GSK e os seus parceiros, contribuirem para os doentes portugueses fazerem mais coisas, sentirem-se melhor e viverem mais tempo, materializando a nossa missão e propósito enquanto organização.
Naturalmente que cheguei numa altura muito particular e em que as limitações para interagir e colaborar com os profissionais de saúde estão ainda muito patentes, mas isso não tem sido motivo de desânimo ou descrença da equipa. São pessoas positivas, focadas nas oportunidades e, essencialmente, muito defensoras da capacidade da companhia e dos seus produtos, no sentido em que acreditam e tudo fazem para partilhar o resultado da nossa ciência e tecnologia com a comunidade médica, na expetativa de que isso seja um fator de transformação positiva na vida dos doentes.
Em Portugal, o Grupo GSK emprega cerca de 200 profissionais nas suas três empresas (GSK Produtos Farmacêuticos, GSK Consumer Healthcare e ViiV Healthcare), sendo que a GSK Farma conta com mais de 100 colaboradores.
Como está organizado o portfólio da GSK? Que áreas têm mais peso?
Em primeiro lugar, é importante referir que, na GSK, todas as pessoas estão focadas em três grandes prioridades: Inovação, Performance e Confiança. Em termos de áreas, há que salientar a Respiratória, em que temos um percurso com mais de 50 anos no desenvolvimento de tratamentos para doenças respiratórias crónicas, como a Asma, Asma Grave e a DPOC, dispondo atualmente de um dos portfólios mais abrangentes e completos do mercado. Vacinas é outra das áreas que gostaria de destacar, uma vez que dispomos de um portfólio que permite proteger as pessoas em todas as etapas da sua vida (dos lactentes aos adultos), sendo que a importância da vacinação ao longo da vida é algo em que iremos investir muito no próximo ano. Por fim, mas sem dúvida não em último, tenho que mencionar Oncologia, em que estamos empenhados em desenvolver opções terapêuticas que deem resposta a necessidades médicas não satisfeitas, tendo como objetivo primordial a maximização da sobrevivência e a qualidade de vida dos doentes oncológicos.
Como avalia a aposta da GSK na oncologia? Que moléculas destaca?
Temos uma abordagem exclusiva de Investigação & Desenvolvimento na área oncológica assente na equação “Ciência X Tecnologia X Cultura”, em torno de quatro eixos estratégicos: imuno-oncologia, terapia celular, epigenética oncológica e medicina genética.
No que diz respeito à imuno-oncologia, o que estamos a fazer é potenciar as capacidades do nosso sistema imunitário para combater o cancro, recorrendo a diferentes vias imunológicas para potenciar respostas anticancerígenas. Já a terapia celular oncológica usa a transferência adotiva de linfócitos T para mediar os efeitos anti-tumorais. Na terapia celular adotada, os linfócitos T são extraídos do organismo do doente, programados para expressarem de forma aumentada um determinado TCR de modo a que este reconheça antigénios específicos para depois serem reintroduzidos no organismo do doente. A epigenética oncológica, por seu turno, refere-se às modificações hereditáveis na expressão genética que decorrem de alterações nos cromossomas, sem que haja alterações na sequência de ADN. Por último, a medicina genética procura sinalizar e inibir a reparação desregulada e deficiente do ADN, uma área promissora de investigação que permite aumentar a efetividade das soluções terapêuticas atuais e descobrir novas opções de tratamento.
Neste momento, fruto do foco nestas quatro áreas-chave de investigação, temos 14 moléculas em desenvolvimento, nas áreas do cancro do ovário, mieloma múltiplo, cancro do endométrio, cancro do pulmão de células não-pequenas e tumores dos dutos biliares, entre outros.
No início do próximo ano, prevemos lançar em Portugal um medicamento inovador para o cancro do ovário que representa uma esperança renovada para a comunidade médica e as mulheres nesta situação. Para dar um pequeno contexto: surgem, anualmente, cerca de 300 mil casos de cancro do ovário em todo o mundo, sendo que a doença foi responsável por mais de 180 mil óbitos o ano passado. O cancro do ovário é o oitavo mais comum em mulheres de todo o mundo, com uma taxa de sobrevivência de cinco anos inferior a 50%. É a quinta maior causa de morte, por motivos oncológicos, entre as mulheres. Apesar das altas taxas de resposta à quimioterapia à base de platina, aproximadamente 85% das doentes correm o risco de ter uma recidiva da sua doença no espaço de dois anos.
Está prevista a expansão para outra áreas terapêuticas?
O ano passado, a GSK investiu cerca de 5,18 mil milhões de euros em I&D e temos uma equipa de 12 mil investigadores e cientistas, em todo o mundo, empenhados no conhecimento e pesquisa do nosso sistema imunitário, no uso da genética humana e de tecnologias inovadoras, para desenvolver novas abordagens terapêuticas a necessidades médicas não satisfeitas. Isto traduz-se em 37 moléculas em investigação (14 das quais em Oncologia) que acreditamos vão fazer a diferença na vida de muitas pessoas.
Uma parte da opinião pública continua a olhar para a indústria como um setor que apenas colhe lucros. No entanto, o investimento feito em I&D é enorme. Qual o investimento anual da GSK em I&D?
Penso que essa percepção tem vindo a alterar-se e, atualmente, acredito que a sociedade nos vê como parte da solução e uma parte muito ativa e determinante, devo dizer.
De facto, o setor farmacêutico continua a afirmar-se como um dos mais inovadores do mundo. Em Portugal, segundo um estudo da Apifarma, os medicamentos inovadores acrescentaram dois milhões de anos de vida saudável (DALY), desde 1990, com poupanças em custo diretos de cerca de 560 milhões de euros/ano. O investimento do setor farmacêutico em I&D, foi de 116 milhões de euros, em 2018, o valor mais elevada da década, sendo que, entre as 100 empresas com maior investimento em I&D em Portugal, dez são da área farmacêutica.
No que diz respeito à GSK Portugal, posso adiantar que temos em curso ensaios clínicos e estudos observacionais nas áreas da imunoinflamação, oncologia e pneumologia e que o nosso contributo para a economia local supera os 23 milhões de euros por ano, em média.
Quais considera serem os grandes desafios da indústria farmacêutica em Portugal nos próximos anos, por exemplo no campo da inovação?
Antecipar o futuro é sempre um exercício complexo. No entanto, penso que devemos fazer essa análise e projeção, com base em evidência. A esse respeito, recordar que o setor farmacêutico tem colaborado no combate à pandemia, com mais de 3,4 milhões de euros em donativos só em Portugal, além do investimento no desenvolvimento de futuras vacinas candidatas para responder a este problema, com cerca de 100 projetos em curso.
Referir, também, que a Indústria Farmacêutica contribui com cerca de 4,3 mil milhões de euros para a economia portuguesa, representando cerca de 2,3% do PIB. Ao longo da última década, através de um acordo de cooperação com o Ministério da Saúde, a Indústria Farmacêutica tem contribuido para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. O que gostaria de demonstrar com isto é que as autoridades devem, por um lado, reconhecer a importância social, económica e clínica da Indústria e, por outro lado, demonstrar que o espírito de abertura e compromisso que sempre temos assumido se deve traduzir num ambiente mais favorável à introdução da ciência e inovação em Portugal, com os ganhos inquestionáveis que isso traz para a sociedade.
Por fim, apesar de ter chegado há relativamente pouco tempo a Portugal, tenho procurado acompanhar a resposta do país à pandemia e gostaria de deixar uma palavra de apreço e reconhecimento aos profissionais de saúde, que estão a fazer os possíveis e impossíveis para conseguir responder às exigências impostas pelo SARS-COV-2. Adicionalmente, faço questão de estender estes cumprimentos também às autoridades, que têm a pressão e a responsabilidade de procurar gerir os recursos disponíveis da melhor forma, com a preocupação de resolver a questão sanitária, sem fragilizar demasiado o sistema e procurando minimizar o impacto social e económico. Não é uma tarefa fácil e penso que todos devemos reconhecer e agradecer o esforço.
TC/SO