Entrevista Dr.ª Joanne Kutzberg: “Foram feitos mais de 45 mil transplantes de sangue do cordão em 35 anos”

Joanne Kurtzberg foi a primeira na utilização do sangue do cordão umbilical para transplantação hematopoiética como alternativa aos transplantes de Medula Óssea.

Joanne Kurtzberg, hemato-oncologista pediátrica, foi a pioneira na utilização de células estaminais do sangue do cordão umbilical para transplantação hematopoiética como alternativa aos transplantes de Medula Óssea.

Em 1988, a cientista integrou a equipa multidisciplinar que realizou o primeiro transplante com células estaminais provenientes do cordão umbilical, em França. O tratamento salvou uma criança norte-americana de 5 anos, Matthew Farrow, com anemia de Fanconi, doença do sangue rara e fatal. Após tratamento de quimioterapia, Matthew recebeu as células do sangue do cordão umbilical da sua irmã recém-nascida, com quem era compatível.

Desde o primeiro transplante, realizado há 30 anos, Joanne Kurtzberg têm desenvolvido vários trabalhos na área da aplicação de células estaminais do cordão umbilical – sobretudo em crianças -, tendo já realizado milhares de tratamentos. Partilhou recentemente, numa visita a Portugal, detalhes sobre o avanço do uso do sangue do cordão umbilical nas últimas duas décadas, sendo de frisar que atualmente é utilizado no tratamento de mais 80 doenças.

A Saúde Online não quis perder a oportunidade e entrevistou a especialista.

Saúde Online (SO) – De onde surgiu a ideia de conservar as células estaminais de um recém-nascido?

Dr.ª. Joanne Kutzberg (JK) – Foi o Dr. Hal Broxmeyer o primeiro a demonstrar, nos anos 80, que o sangue do cordão umbilical continha células estaminais. As células mostraram ser mais jovens e potentes do que aquelas provenientes da medula óssea, o que levou à ideia de testar o sangue do cordão umbilical como forma de doar células no transplante de células estaminais hematopoiéticas.

SO – Como se deu conta, há 32 anos, quando foi mãe, que as células poderiam servir para o tratamento de doenças em idade pediátrica?

JK – Por acaso estava grávida do meu segundo filho quando se formulou a hipótese das células do cordão umbilical poderem ser úteis para a transplantação. Na altura, eu fazia parte da equipa de investigação que estudava, no laboratório, as células estaminais do cordão umbilical.

SO – O primeiro transplante com células do cordão umbilical foi realizado há cerca de 30 anos. O que mudou entretanto? O que ainda falta fazer nesta área?

JK – [O que mudou foi que] Mais de 45 mil transplantes de sangue do cordão de doadores sem parentesco foram realizados nos últimos 35 anos.

Existe ainda a necessidade de ajudar as células a implantarem-se mais rapidamente e a ajudar o sistema imunológico do recetor do transplante a recuperar de forma mais célere.

SO – O que sentiu quando percebeu que o tratamento pioneiro usado em Matthew Farrow tinha resultado?

JK – Senti-me emocionada e encorajada, porque poderia ser uma nova forma de usar as células estaminais: na transplantação.

SO – Quais as vantagens do transplante de cordão umbilical em relação ao transplante de medula óssea?

JK – O sangue do cordão umbilical não tem de ser tão compatível quanto as células estaminais do sangue dos adultos, o que permite que muitos pacientes tenham acesso à transplantação, mesmo quando não têm dadores compatíveis na família ou nos registos dos dadores voluntários adultos.

SO – Se pudesse, como classificaria o cordão umbilical?

JK – O sangue do cordão é um tesouro da natureza e pode ser colhido sem magoar a mãe e o bebé.

SO – A Dra. Joanne Kutzberg disse, numa entrevista, que há ainda muitos profissionais de saúde que não valorizam as potencialidades do cordão umbilical. Na sua opinião, o que se deve fazer para consciencializar os médicos sobre a importância da recolha e uso das células do cordão umbilical?

JK – Temos de divulgar o valor e a segurança da recolha e preservação do sangue proveniente das células estaminais do cordão umbilical para todos os obstetras, parteiras, pediatras e outros cuidadores de saúde.

SO – Em que tipo de doenças mais se utiliza este tipo de transplante?

JK – O sangue do cordão umbilical pode ser utilizado para todos os diagnósticos para os quais o transplante da medula óssea é aconselhado.

SO – Em que casos é que se equaciona a transplantação? Todas as crianças com doenças hematológicas são elegíveis ou existem condicionantes?

JK – Todos os pacientes que precisem de um transplante e não têm um doador compatível da família ou fora da família são potenciais candidatos ao transplante com o sangue do cordão umbilical do doador dos bancos de células estaminais. Além disso, os bebés e crianças com certas doenças genéticas, especialmente as doenças metabólicas hereditárias, beneficiam mais deste tipo de transplantação.

SO – Em média, qual a taxa de sucesso que resulta destes tratamentos? Mesmo nos casos bem-sucedidos, há risco de a doença reaparecer?

JK – O sucesso do procedimento depende do diagnóstico da criança e da sua condição médica na altura em que o transplante será realizado.

SO – Após a cirurgia, os resultados são visíveis no imediato?

JK – A transplantação não é uma cirurgia. É uma infusão das células no sangue após ser submetido a altas doses de quimioterapia ou radiação. Demora aproximadamente 3 a 4 semanas até saber se as células transplantadas crescem no paciente.

SO – Neste momento, para além do tratamento de doenças hematológicas, o transplante de células do cordão umbilical já se aplica a muitas outras doenças, como a paralisia cerebral. De que forma é que o transplante pode ajudar o corrigir esta patologia?

JK – As infusões do sangue do cordão, sem quimioterapia, estão a ser testadas em ensaios clínicos para determinar se as células estaminais podem ajudar as crianças com paralisia cerebral ou autismo e adultos que tenham sofrido AVCs agudos. Estes estudos estão ainda a decorrer e não existem ainda conclusões.

A teoria para usar as infusões de sangue do cordão umbilical nestes pacientes deve-se ao facto de se acreditar que certas células do sangue do cordão vão reduzir a inflamação cerebral e ajudar a promover novos circuitos cerebrais [restabelecendo a sua atividade normal, ou o mais normal possível].

SO – Uma das aplicações mais recentes desta técnica situa-se na área do espectro do autismo. De que forma é que o transplante pode ajudar estas crianças?

JK – Em algumas crianças com autismo, notou-se a inflamação de algumas células no cérebro. As células do sangue do cordão umbilical podem reduzir esta inflamação e, a esperança é que, ao reduzir essa inflamação, os sintomas melhorem.

SO – Quais os parâmetros de segurança essenciais para garantir a integridade e posterior utilização das células estaminais no tratamento de doenças? Em relação aos dadores, quais são os requisitos necessários para doar células estaminais?

JK – As mães e os bebés dadores não podem ter doenças genéticas e infecciosas. O bebé deve ser proveniente de uma gravidez saudável e sem complicações e ter nascido a termo [entre as 37 e as 40 semanas]. Devem também ter a indicação de um local/empresa onde possam colher/que tenha kits para colher o sangue do cordão umbilical.

SO – Tem ideia de quantas crianças já receberam transplante de células do cordão umbilical desde que a técnica foi descoberta e aplicada?

JK – Desde que a técnica foi descoberta já foram cerca de 45 mil pacientes que receberam transplantes de sangue do cordão umbilical.

Erica Quaresma

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