Efeitos ou pecados das ULS
Especialista em Medicina Geral e Familiar

Efeitos ou pecados das ULS

Com as mudanças na estrutura do SNS e a decisão apressada – nem justificada, nem discutida e nem comprovada quanto à eficiência e proximidade anunciadas – sobre o modelo escolhido das Unidades Locais de Saúde (ULS) arruinou-se o cenário e a realidade do SNS.

O Decreto-Lei nº 207/1999, de 9 de Junho criou, então, no final do século XX a primeira ULS. Anunciava-se “ao mundo” como um propósito e uma dimensão de reorganização do sistema de saúde em resposta às “exigências cada vez maiores das populações em matéria de acesso e satisfação das necessidades de saúde” e para “condições de integração dos cuidados, colectivizando os problemas que, cada nível de cuidados enfrenta sozinho, partilhando responsabilidades e recursos”. Surgiu assim a primeira ULS em 1999, em Matosinhos.

Depois, entre 2007 e 2012, foram criadas mais sete ULS, sendo certa que jamais alguém pôde ler algum estudo concreto e claro e inequívoco sobre a possibilidade de alguma dessas ULS terem podido cabalmente responder aos propósitos da sua geração legislativa. Mais do que isso, os anos foram passando e os poucos resultados e avaliações foram deixando as maiores dúvidas sobre a superioridade do modelo.

Talvez a ULS de Matosinhos pudesse ter conseguido nota positiva, mas em nome da mais elementar justiça para com as outras ULS, Matosinhos era a mais antiga, com mais tempo de evolução e o território mais exíguo geo-administrativamente de quantas se foram criando, de norte a sul. Recordemos, e apenas a esse título, a comparação exemplificativa do território de implantação das ULS de Matosinhos com as do Nordeste Transmontano (todo o distrito de Bragança) ou do Alentejo Central, cuja mancha no mapa do país até assusta!

Ainda assim, o primeiro CEO do SNS, o designado Director Executivo, anunciou e avançou em 2023 com a publicação – pelo Governo que incluía o Dr. Manuel Pizarro como Ministro da Saúde – do Decreto Lei n.º 102/2023, de 7 de novembro. Este documento veio proceder à criação, com natureza de entidades públicas empresariais, de 31 novas ULS, reconfigurando todo o Continente e abrindo portas à extinção das estruturas regionais da saúde, as Administrações Regionais de Saúde, as ARS.

Já passaram muitos meses e o País assiste à paranóica discussão de 2 medidas do pacote global do Orçamento Geral do Estado para 2025. Ninguém abordou ou explicou aos Portugueses, a todos os Portugueses, aos que têm médico de família e aos que o não têm, por que é que o SNS, por mais dinheiro que encaixe, o desperdiça e desbarata como água fria entre os dedos das nossas mãos.

Ninguém explica aos Portugueses, a todos os Portugueses e não Portugueses que são utentes do SNS que, os custos do funcionalismo público no seu conjunto – e claro no SNS, igualmente – crescem abissalmente e que a margem para investimento não existe. E isso significa instalações degradadas ou inoperacionais ou anunciadas mas sempre atrasadas no tempo, falta de equipamentos modernos e renovados no plano dos sistemas e máquinas informáticas ou comunicações e de aparelhos tecnologicamente evoluídos nas áreas do diagnóstico, rastreio ou terapêutica.

Ninguém informa os Portugueses, todos eles, que a criação de ULS por decreto é absolutamente improdutiva e apenas sublinha, reforça e evidencia a vertente hospitalocêntrica do entendimento socialista da saúde. O distanciamento dos Cuidados Primários da administração das ULS é agora enorme, a proximidade prometida falhou.

Hoje mesmo, por acaso, espreitei o site da ULS do Alentejo Central. Lá estavam anunciadas várias iniciativas desta ULS. Todas louváveis, todas assinaláveis e julgo que todas elas publicitando primeiras edições dos vários eventos. Lembro-me de uma delas, as “I Jornadas de Mão Dadas Contra a Violência”, para o dia 2 de Outubro passado.

As informações da ULS sobre os seus serviços hospitalares eram claras e exaustivas. Sobre os serviços de Saúde Pública e das outras unidades de Cuidados Primários, ou dos seus profissionais, valências e serviços? Nada! Zero.

*O autor escreve de acordo com o A.A.O.

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