27 Out, 2022

“É preciso estar atento aos estilos de vida menos saudáveis dos utentes, alertando-os para os riscos associados”

Francisco Araújo é Coordenador do Departamento de Medicina Interna do Hospital Lusíadas Lisboa e, em entrevista, fala sobre os fatores de risco de AVC. Hoje assinala-se o Dia Mundial do AVC, uma das principais causas de morte e morbilidade em Portugal.

Existem diferentes tipos de AVC. Qual o mais frequente?

É o AVC isquémico, que se caracteriza por existir uma interrupção da circulação do sangue que irriga o tecido cerebral. A causa mais frequente de AVC é a aterosclerose, que tem a ver com colesterol em excesso nas artérias e cuja evolução pode ser acelerada por fatores de risco, tais como HTA, obesidade, sedentarismo, diabetes, entre outros. A HTA pode inclusive provocar um tipo de AVC em particular, o AVC lacunar. Depois temos o AVC hemorrágico, menos frequente, causado sobretudo por hipertensão ou por fragilidade nos vasos do cérebro e os AVC embólicos, daí a relevância do diagnóstico e tratamento precoces da fibrilhação auricular. Esta é uma doença que provoca estase, ou seja uma perturbação da circulação – ao nível da aurícula  esquerda – que regra geral se encontra dilatada – e que pode  levar à criação de um trombo que se pode deslocar, nomeadamente para o cérebro.

“O terceiro fator é a fibrilhação auricular. Nós, clínicos, devemos aproveitar cada momento com o doente para despistar esta entidade, porque, na maioria dos casos, é preciso tratar com medicamentos anticoagulantes”

 

A que deve estar mais atento o médico de família quando se trata de AVC?

Apesar de o AVC continuar a ser uma das principais causas de morte e de complicações de doença cardiovascular em Portugal, tem sido feito um caminho interessante do ponto de vista da redução da complexidade e da incidência de casos. Grande parte desse mérito deve-se a uma melhoria da prevenção dos fatores de risco. De acordo com o estudo internacional INTERSTROKE, são dez os fatores de risco que estão associados a 90% dos casos de AVC. E desses, destacaria três. A hipertensão (HTA) é o fator mais frequente quer no AVC isquémico como no hemorrágico. Portugal tem uma elevada prevalência de HTA, com uma taxa de  doentes controlados que ronda os 40% numa perspetiva mais otimista.

Segue-se a dislipidemia, sobretudo para o AVC isquémico. A dislipidemia é o parente pobre em Portugal, já que apenas menos de 10% dos doentes  estão controlados. E estamos a falar do grupo de quem já teve um acidente cardiovascular ou que tem um elevado risco de vir a sofrer um AVC. O terceiro fator é a fibrilhação auricular. Nós, clínicos, devemos aproveitar cada momento com o doente para despistar esta entidade, porque, na maioria dos casos, é preciso tratar com medicamentos anticoagulantes. Existem outros fatores de risco , nomeadamente os associados ao estilo de vida, mas também a doença mental que agrava o risco de AVC por haver maior tendência para não se adotar hábitos mais saudáveis. O próprio stress do dia a dia não ajuda.

 

E por que razão a dislipidemia é “o parente pobre”?

Muitas vezes, deve-se à informação menos correta que transmitimos aos doentes. As pessoas tendem a olhar para a dislipidemia apenas como uma alteração dos valores do colesterol e nós médicos agimos com frequência como se estivéssemos a tratar análises. Mas o que está em causa é que o controlo dos níveis de colesterol vai permitir diminuir o risco de se vir  a sofrer um AVC. Esta mensagem tem de ficar bem clara, para que não se abandone a terapêutica. Ao fim de um ano após AVC, metade dos doentes tendem a deixar a terapêutica, o que é preocupante.

“O médico de família é quem está mais próximo do doente, que deve ser avaliado como um todo – não há ninguém que consiga fazê-lo tão bem como o especialista em Medicina Geral e Familiar”

 

O principal papel do médico de família é sobretudo a prevenção?

 Sim, é fundamental. O médico de família é quem está mais próximo do doente, que deve ser avaliado como um todo – não há ninguém que consiga fazê-lo tão bem como o especialista em Medicina Geral e Familiar. É preciso estar atento aos estilos de vida menos saudáveis dos utentes, alertando-os para os riscos associados. No caso dos doentes de elevado risco de doença cardiovascular deve-se também sensibilizar para os sintomas de AVC, como diminuição da força, alterações da fala e da face, para possam recorrer o quanto antes ao hospital. Hoje existem tratamentos para determinadas situações que evitam as piores sequelas.

 

A Via Verde foi também uma mais-valia significativa nos últimos anos?

Sim, sem dúvida. Quer a Via Verde como as Unidades AVC com equipas multidisciplinares. Estas foram também medidas muito positivas na luta contra o AVC.

SO 

 

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