6 Mar, 2018

Direção Geral de Saúde desmente alegados surtos de cancro

Casos das aldeias de Toutosa e de Outeiro foram muito mediatizados. No entanto a DGS e a ARS do Norte esclarecem que a incidência de tumores malignos nestes locais está em linha com a média.

Foi já no final do ano passado que começaram a chegar notícias de alegados surtos de cancro em algumas localidades do Norte do país. O caso mais peculiar foi o de uma aldeia no concelho de Marco de Canaveses em que 20% dos habitantes teria sido atingida por um qualquer tipo de doença oncológica.

Agora, a Direção Geral de Saúde (DGS) e a Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte vêm esclarecer que os casos de cancro detetados nas regiões mencionadas em vários trabalhos da comunicação social estão dentro da média de incidência e mortalidade esperadas para aqueles conjuntos populacionais.

O estranho caso de Toutosa

O caso que mereceu mais destaque jornalístico foi o da aldeia de Toutosa, no concelho de Marco de Canaveses. O Jornal de Notícias pegou na história e a 22 de novembro publicava um artigo intitulado “Na aldeia de Toutosa o cancro bateu à porta de 20% da população”. Depois vários órgãos de comunicação foram atrás. O Correio da Manhã foi à aldeia logo no dia seguinte (“Cancro arrasa aldeia com 600 habitantes”) e o mesmo fez a revista Visão já em fevereiro – “Se o cancro fosse um verbo, dir-se-ia que se conjugava vezes de mais em Toutosa”.

A qualidade da água dos poços que a população consome estaria na origem, segundo os relatos de vários habitantes, da incidência – supostamente anormal – de casos de cancro nesta aldeia. Em declarações ao Correio da Manhã, a antiga presidente da freguesia de Toutosa diz que ali “não há água nem saneamento em muitas casas. Na rua da Tapada há saneamento há dois anos mas é caro.”

O Jornal de Notícias falava, citando a antiga presidente da extinta junta de Toutosa, em 37 casos de doentes oncológicos em apenas sete ruas. 26 dessas pessoas terão morrido de cancro. Pegando nestes dados, o JN conclui que quase 20% da população de Toutosa sofre de cancro. “E há mais casos no resto da freguesia. As pessoas sofrem de diferentes tipos de cancro, nomeadamente da próstata, fígado, mama…”, lamenta Isabel Baldaia.

“O cancro já me levou cinco filhos e tenho um com 60 anos que já foi operado a um tumor”, diz ao Correio da Manhã Rosa Ferraz, de 88 anos, uma das habitantes da rua da Tapada, a mais atingida pela doença. Raul Almeida, médico na Unidade de Saúde Familiar Terras do Românico, diz que “é preciso analisar a incidência de cancros” na localidade.

Foi isso mesmo que fez a DGS e a ARS do Norte. No relatório “Pseudo-surtos de doenças oncológicas”, as autoridades de saúde começam por esclarecer que na Freguesia de Santo Isidoro e Livração (aonde pertence agora a aldeia de Toutosa e onde vivem, segundo os últimos censos, 2083 pessoas) foram registados 42 casos de cancro no quinquénio 2008-2012, segundo dados Registo Oncológico Regional do Norte.

Ora, diz o relatório, “atendendo à dimensão da população, eram esperados 45-50 casos no mesmo período, de acordo com as médias nacionais”. Ou seja, o número de casos registados fica até abaixo dos estimados.

Quanto à mortalidade por tumores malignos, pode ler-se que “nos anos de 2014, 2015 e 2016, concluiu-se que os óbitos por doença oncológica foram, respetivamente, 6, 7 e 2. Neste triénio, e de acordo com a média nacional, seriam de esperar a totalidade 16 óbitos por neoplasia maligna, tendo ocorrido apenas 15. A DGS analisou ainda os tipos de tumores registados e afirma que não há nenhum tipo que se destaque.

Assim, o relatório conclui “não haver motivos para qualquer suspeição de aumento do número de novos casos de cancro, ou de mortalidade associada, nesta freguesia”. Nem se a análise for alargada a todo o concelho de Marco de Canaveses se pode dizer que o número de casos de cancro naquela região é superior à média, afirma a DGS.

Problema dos “pseudo-surtos” vai agravar-se

O relatório volta a descartar qualquer espécie de surto de cancro no lugar do Outeiro, freguesia de Árvore, em Vila do Conde. O JN noticiava, em dezembro, que “Em duas ruas do lugar de Outeiro há cancro em mais de metade das casas”. Quatro dias depois, a TVI fazia uma reportagem no local.

Neste outro caso, os habitantes não têm uma teoria sobre o que possa estar na origem do alegado surto de casos de doença oncológica.

As autoridades dizem que em Árvore, que tinha cerca de 5200 habitantes em 2011, nada aponta para um “maior registo de casos de tumor maligno, quando comparados com as restantes freguesias” do concelho. Para além disto, não há nenhum tipo de tumor predominante.

No entanto, a DGS admite que que existe um “aumento da mortalidade associado aos tumores do estômago”. Mas também garante que isso é um padrão da região Norte – que está acima da média nacional na prevalência deste tipo de cancro – e que se deve aos hábitos alimentares.

Mais uma vez o relatório ser errada a perceção da população de que o número de casos de cancro é anormal. Os tumores malignos mataram 23 pessoas, entre 2014 e 2016, naquela freguesia, quando “seriam de esperar 41 óbitos”. Ou seja, a mortalidade nesta freguesia até está abaixo do que seria expectável.

A DGS termina o relatório a afirmar que existe um aumento da perceção social da doença e um receio crescente dos riscos ambientais, o que pode originar um aumento do alarme social quanto à incidência de cancro. A incidência desta doença, relembra o relatório, aumenta em Portugal a uma taxa de aproximadamente 3% ao ano – em 2015, registaram-se mais de 50 mil casos de cancro em Portugal e morreram mais de 27 mil pessoas.

“A médio prazo cerca de 50% da população irá ter uma doença oncológica ao longo da vida. Estes números vão levar a que mais frequentemente o problema de pseudo-surtos de doenças oncológicas se venham a colocar”, alerta o relatório.

Por isso, as autoridades de saúde pedem aos vários intervenientes, entre os quais jornalistas, para que tratem estas suspeitas “com profissionalismo e com metodologia adequada”.

Tiago Caeiro/ MMM

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