Diagnóstico de Neuropatia Periférica: um puzzle difícil de montar
Durante o mês de maio e junho, a Procter & Gamble Health realizou 18 sessões sobre a Neuropatia Periférica através de um ciclo de conferências sobre a temática para os especialistas de Medicina Geral e Familiar (MGF).
A iniciativa, que começou com um treino de 18 médicos formadores, pressupunha que cada um destes médicos liderasse uma sessão de formação nas diferentes zonas do país com objetivo de impactar cerca de 200 médicos de MGF e sensibilizar a classe médica para a Neuropatia Periférica e a importância do diagnóstico precoce.
Num ambiente acolhedor e familiar, com os especialistas sentados em redor de uma mesa oval, a Saúde Online assistiu a uma destas sessões, direcionada para a Neuropatia Periférica Diabética, onde a endocrinologista Dr.ª Ana Margarida Palha alertou para a necessidade e a importância de um diagnóstico precoce e, consequentemente, um tratamento mais eficaz de forma a proporcionar uma “melhoria da qualidade de vida do doente”.
O que é a Neuropatia?
No âmbito desta sessão, a Saúde Online entrevistou a oradora e médica especialista em Endocrinologia e Nutrição do Hospital Curry Cabral e CUF Descobertas, Dr.ª Ana Margarida Palha, que começou por explicar no que consiste a Neuropatia Periférica:
“A neuropatia, em termos gerais, é definida como uma perturbação das células nervosas, podendo classificar-se de acordo com a causa, localização dos nervos envolvidos ou características da lesão. No caso da neuropatia periférica estão afetadas as fibras nervosas do sistema nervoso periférico, que incluem nervos motores, sensitivos ou autonómicos.”
De acordo com a Dr.ª Ana Margarida Palha, cada nervo tem um papel diferente no organismo do ser humano:
– Os nervos motores têm um “papel importante no controlo muscular”;
– Os nervos sensitivos permitem a “perceção do toque, vibração, posição, temperatura e sensibilidade à dor”;
– Já os nervos autonómicos “controlam funções involuntárias e semi-voluntárias, como o batimento cardíaco, sudação, função gastrointestinal e pressão arterial”.
A neuropatia diabética é uma patologia heterogénea, afetando diversas partes do sistema nervoso, com diferentes manifestações clínicas. As fibras nervosas sensitivas e as autonómicas são precocemente afetadas, sendo as fibras motoras habitualmente atingidas em estádios mais avançados da doença.
Neuropatia em Portugal
No que respeita ao número de casos da doença em Portugal, a médica sublinhou que “não é conhecida a sua verdadeira prevalência, acreditando-se que seja ainda subestimada”. Confirma, porém, que diversos “estudos epidemiológicos sugerem que a taxa de prevalência da neuropatia periférica de várias causas é de 8% na população em geral, afetando mais de 50% dos doentes diabéticos, idosos e alcoólicos”.
A manifestação da doença
Os sintomas da Neuropatia Periférica são bastante variáveis, dependendo “do tipo e estadio de evolução da doença”. Normalmente, esta enfermidade “é caracterizada por queixas sugestivas de disfunção sensitiva, motora e/ou autonómica”.
“Parestesias, hiperestesia, alodinia, dor tipo choque elétrico, mioclonias, sudorese, com eventual evolução para atrofia muscular e ausência de dor” são alguns dos sintomas que caracterizam esta patologia. Segundo a endocrinologista, a neuropatia periférica tem um efeito negativo ao restringir a qualidade de vida das pessoas afetadas. “No entanto, se for diagnosticada e tratada precocemente, pode regredir ou atrasar a sua progressão”, adverte.
Neuropatia Periférica Diabética
“A hiperglicemia crónica desempenha um papel fundamental na patogénese da neuropatia diabética, a qual está associada a múltiplos fatores relacionados com vias metabólicas, vasculares, inflamatórias e neuro degenerativas”, explica.
A médica afirma que são vários os mecanismos metabólicos associados à Diabetes que contribuem para a degeneração nervosa, nomeadamente a “ativação da via dos polióis, da via hexosamina, da proteína C quinase e a acumulação de produtos finais de glicação avançada”.
A deteção da Neuropatia
A neuropatia periférica é uma “doença crónica, frequentemente subdiagnosticada, pois apresenta início insidioso e por vezes assintomático”. A médica sublinha que existe ainda um “desconhecimento da doença por parte dos doentes, o que faz com que seus sintomas sejam muitas vezes ignorados ou não detetados.” Este facto aliado à “carência de ferramentas de diagnóstico adequadas ao tempo de consulta disponível dos profissionais de saúde” conduzem a um diagnóstico por vezes tardio.
O diagnóstico
“O diagnóstico precoce da neuropatia periférica é, por vezes, um desafio e depende do grau de suspeição, história clínica e exame físico adequados”, assentando “na utilização de testes de sensibilidade e musculares, essenciais para avaliar a sensibilidade superficial e profunda, os reflexos e a potência muscular, recorrendo-se em “casos raros, a testes electro fisiológicos ou biópsia do nervo”. No que diz respeito à neuropatia diabética “o seu diagnóstico é essencialmente clínico, devendo todos os diabéticos tipo 2 serem rastreados à altura do diagnóstico e os diabéticos tipo 1 cinco anos após, uma vez que até 50% dos doentes são assintomáticos numa fase inicial apesar de já apresentarem alterações ao exame objetivo”, esclarece.
Diagnóstico = Desafio
De acordo com a médica, “o desconhecimento dos sintomas por parte dos doentes, a ausência de protocolos de diagnósticos robustos, falta de ferramentas/técnicas de diagnóstico adequadas ao tempo de consulta disponível e o fato desta patologia estar associada a múltiplos fatores de risco e complicações torna o diagnóstico precoce da neuropatia ainda um desafio”.
Assim sendo, continua, “é fundamental sensibilizar os doentes e os profissionais de saúde para esta patologia, facilitando o seu reconhecimento precoce e instituição de terapêuticas adequadas que possam reverter ou atrasar a doença”.
Importância de um diagnóstico precoce
“O diagnóstico precoce é crítico para assegurar um alívio sintomático, controlo da causa e atrasar ou reverter a lesão do nervo”, explica. No caso do doente diabético, “o rastreio da neuropatia diabética é de extrema importância no reconhecimento de indivíduos de alto risco para úlceras de pé, evitando a progressão para amputação e na redução da morbilidade/mortalidade associada à neuropatia autonómica, particularmente cardiovascular”, esclarece.
Tratamentos para a Neuropatia Periférica Diabético
O tratamento da neuropatia periférica “inicia-se com a implementação de medidas de estilo de vida e controlo de fatores de risco”, nomeadamente através da adoção de uma “alimentação saudável, prática de exercício físico moderado, controlo da ingestão de bebidas alcoólicas, tabaco e níveis de glicémia”.
Segundo a médica, “o tratamento farmacológico para alívio da dor neuropática é muitas vezes desafiante e passa pela utilização de anticonvulsivantes (pregabalina, gabapentina, valproato de sódio, carbamazepina), antidepressivos (amitriptilina, duloxetina e venlafaxina), analgésicos comuns e opioides”.
Alerta, no entanto, que “os efeitos secundários dos anticonvulsivantes e antidepressivos são dose-dependentes e estão muitas vezes relacionados com o abandono da terapêutica. A utilização das vitaminas B (B1, B6 e B12) na terapêutica adjuvante tem demonstrado um papel importante na redução da dose destes fármacos, dado a sua contribuição aparente na regeneração da função nervosa”, remata a Dra. Ana Margarida Palha.
A importância de sensibilizar os especialistas de Medicina Geral e Familiar para esta patologia
A Neuropatia Periférica continua a ser uma “doença crónica fortemente debilitante da qualidade de vida do doente”. A Neuropatia Periférica Diabética constitui a sua principal etiologia no mundo ocidental, “afetando mais de 50% dos doentes diabéticos e sendo responsável por cerca de dois terços das amputações não-traumáticas”. Esta complicação pode ser inicialmente silenciosa e evoluir lentamente acarretando consequências graves para o doente.
Desta forma, torna-se “essencial desenvolver técnicas rotineiras de diagnóstico adequadas ao tempo de consulta, que passa por uma abordagem multidisciplinar, no qual todos os profissionais de saúde devem estar envolvidos, procurando assim vencer a inércia terapêutica decorrente do subdiagnóstico”, conclui.
O que acharam os médicos desta intervenção?
A Dra. Susana Vieira, de 32 anos, médica de Medicina Geral e Familiar, explica-nos a importância desta sessão sobre Neuropatia Periférica (essencialmente Neuropatia Periférica Diabética) para a sua prática clínica:
“A Neuropatia Diabética é muito importante para nós [médicos de MGF] que, apesar de ser difícil de diagnosticar no dia-a-dia dos diabéticos devido ao curto tempo das consultas, é algo que temos que ter presente e daí ser tão importante termos uma constante formação com atualizações sobre esta área e com este tipo de alertas e orientações”, disse explicando que “deveriam ser realizadas mais sessões deste género”.
Afirmou ainda utilizar várias outras escalas de diagnóstico para diagnosticar a doença, mas declarou não conhecer aquela que foi apresentada pela palestrante [Neuropathy symptom score (NSS)]: “Esta escala não utilizava, mas vou ver melhor para aplicá-la na consulta”. Além disso, a jovem médica explica: “há sempre noções que não temos e que podem, de facto, ser utilizadas na prática clínica.
Já o Dr. João Ramos, de 39 anos, especialista em Medicina Geral e Familiar, que exerce na Unidade de Saúde Familiar “Carnide Care” conta-nos o que achou desta sessão em particular:
“Acho que esta sessão foi muito importante por duas razões: em primeiro porque nos permitiu estruturar ferramentas de apoio à nossa consulta para o diagnóstico mais precoce da Neuropatia Periférica, de modo a otimizar o tempo que temos disponível na consulta; a segunda vantagem que retiro desta sessão o quer há de evidência científica em relação à terapêutica com terapias coadjuvantes – neste caso o complexo B – para complementar as terapêuticas que já estão consagradas com os anticonvulsivantes”.
Relativamente ao tempo das consultas, Dr. João Gomes diz que “o tempo é muito curto” e explicou:
“Na prática o doente aparece-nos na consulta com inúmeras queixas, ou seja, nós na consulta não só temos que lidar com os múltiplos problemas que nos preocupam, como muitas vezes temos que ‘batalhar’ com o facto de o próprio doente trazer uma agenda para a consulta, que também essa nos consome tempo. Portanto, termos esta possibilidade de, em dois ou três gestos, com duas ou três ferramentas, conseguirmos perceber logo se o doente é um doente de risco aumentado ou de baixo risco para o problema da Neuropatia é muito vantajoso.”
Mesmo com este problema do tempo limitado de consulta, o especialista afirmou que é possível determinar se o paciente tem ou não esta patologia, “quer em termos de questionários validados e, portanto, de escalas, quer em termos de ferramentas e de gestos clínicos que podemos utilizar na consulta.”
Concluiu, dizendo que “sem dúvida nenhuma que isto é muito importante”.
Erica Quaresma