Diabetes. “A população sabe fazer escolhas saudáveis, mas é condicionada por fatores como o horário laboral”

João Filipe Raposo, presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia, considera que é fundamental alterar o modelo social para que se consiga diminuir a prevalência da diabetes. Para o especialista, as jornadas de trabalho longas e baixos salários são exemplos de fatores que também contribuem para más escolhas alimentares.

Que avaliação faz da evolução da diabetes em Portugal?

Gostaria de lhe dar uma visão extremamente positiva, ou seja que já se havia conseguido estabilizar a curva crescente da diabetes tipo 2, que se estaria mais perto da cura da diabetes tipo 1, que já conhecíamos melhor outros tipos mais raros de diabetes, contudo não o posso fazer. Infelizmente, a realidade é outra e ainda é uma doença preocupante, que continua a crescer  na população em Portugal – e não só –, com os elevados custos associados, e ainda não temos uma verdadeira estratégia que combata a diabetes tipo 2, que tem muito a ver com os estilos de vida. Existem alguns projetos-piloto, mas ainda estamos muito longe de ter os resultados desejáveis

 

O que está a falhar no combate a esta doença?

Não temos tido uma grande capacidade de discutir e mudar o nosso modelo social, ou seja focamo-nos apenas na responsabilidade da pessoa ao optar por estilos de vida menos saudáveis, mas sem ir ao cerne da questão. A sociedade em que vivemos também leva a que as pessoas optem mais facilmente por uma alimentação pouco saudável e por uma vida mais sedentária, sem prática regular de exercício físico. A população sabe fazer escolhas saudáveis, mas é condicionada por fatores como o horário laboral, o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. As jornadas longas de trabalho, com baixos salários, diminuem o tempo que se tem para o exercício e contribuem para se optar por alimentos de pior qualidade, por exemplo. O próprio modelo de urbanização não promove a saúde. Podemos gastar muito dinheiro em folhetos e campanhas, mas se não alterarmos a falta de condições que promovem a adoção de hábitos saudáveis, mantemos o problema.

“O modelo social de Portugal é muito diferente do vigente nos países nórdicos [da Europa], onde existe um maior equilíbrio entre vida profissional e pessoal”

Facilmente se opta mais por alimentos hipercalóricos e pré-cozinhados…

Sim, a nossa sociedade é obesogénica. Os alimentos menos saudáveis tendem inclusive a ser mais baratos do que os outros. Num país em que os salários são baixos, as pessoas vão inevitavelmente comprar o que não faz tão bem, mas podem pagar.

 

É um problema que deve assim envolver diferentes parceiros?

Sem dúvida! Não basta uma única medida. E, claro, a promoção da saúde deve começar sempre na infância. Apesar de tudo, temos tido também alguns avanços (como a legislação referente aos refrigerantes), mas não é suficiente para mudar comportamentos. Quando se fala sobre doenças não transmissíveis é preciso olhar para várias vertentes. O modelo social de Portugal é muito diferente do vigente nos países nórdicos [da Europa], onde existe um maior equilíbrio entre vida profissional e pessoal.

“A educação terapêutica é fundamental, apesar de não ser muito reconhecida pelos sistemas de saúde” 

E relativamente a quem já foi diagnosticado com diabetes, que avaliação faz do acesso a cuidados de saúde em Portugal?

Felizmente, temos acesso às inovações terapêuticas, apesar de alguns atrasos que vão sempre acontecendo no que diz respeito à aprovação e comparticipação. Atualmente, a grande questão é o  acesso à tecnologia das bombas perfusoras de insulina para diabetes tipo 1. Temos uma proposta do Governo que vai permitir o acesso às de última geração a toda a população com diabetes tipo 1, mas ainda desconhecemos de que forma se vai operacionalizar essa medida.

Na diabetes tipo 2, a inovação farmacológica permite-nos controlar melhor a doença em si e, simultaneamente, prevenir algumas complicações como as do foro cardiovascular e renal. Falta, todavia, dar mais atenção a outras dimensões tais como a saúde mental de quem vive com esta doença crónica, o fígado gordo, a retinopatia diabética … É importante não esquecer o papel das equipas multidisciplinares que permitem dar um melhor acompanhamento ao doente, ajudando-o na gestão da sua própria doença. Deveria existir mais equipas. Mesmo para o Estado, a prevenção e o bom controlo da diabetes contribuem para a redução das despesas do sistema de saúde.

 

“Educar para proteger o futuro” foi o tema do Dia Mundial da Diabetes. A educação para  a saúde é um desafio mundial?

Sim, à medida que se vai conhecendo melhor a doença comprova-se cada vez mais a relação da diabetes com outras patologias, como as cardiovasculares. É também fator de risco para um pior prognóstico de doenças oncológicas ou infeciosas… É essencial conseguir-se, primeiramente, diagnosticar o mais cedo possível, para que se possa ter maior qualidade de vida e menos custos associados – e para que se consiga controlar a doença. A educação terapêutica é fundamental, apesar de não ser muito reconhecida pelos sistemas de saúde. Nós, profissionais de saúde, não podemos esquecer esta vertente. A educação terapêutica é das ferramentas mais eficazes para o uso correto dos cuidados de saúde.

MJG

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