13 Set, 2024

“Carreira tem de ser sinónimo de percurso, progressão e não de estagnação”

Salomé Camarinha, médica interna de Medicina do Trabalho na ULS da Região de Aveiro, é também presidente da Comissão Nacional de Médicos Internos do Sindicato Independente dos Médicos (SIM). Em entrevista ao SaúdeOnline destaca que os mais jovens valorizam uma carreira com remuneração justa, tempo e perspetivas de futuro. E esperam que o SNS nunca venha a ter um fim.

Assinalam-se, no dia 15 de setembro, 45 anos do SNS. Face à atual conjuntura, o que mais a preocupa?

Preocupa-me que estes 45 anos possam ter apagado da memória de uns, e da consciência de outros, o que é viver numa sociedade sem um Serviço Nacional de Saúde (SNS), universal e tendencialmente gratuito, como é o nosso. Preocupa-me que, sendo dado por garantido, desmereça o investimento necessário para o manter vivo.

Fala-se muito em recursos humanos e carreiras. Neste âmbito, que medidas devem ser tomadas para que se atraiam mais jovens para o SNS?
Há muito a fazer: o SNS precisa de ser modernizado – a nível de infraestruturas e outros aspetos sim, certamente – mas falo ao nível da gestão e organização dos seus recursos humanos. Numa perspetiva mais pragmática, diria que será crucial investir em três medidas de curto prazo.

Remuneração justa. Se ao médico se exige, e bem, que seja cada vez mais qualificado – que saiba mais, que seja mais célere no diagnóstico, que use técnicas mais avançadas, que apresente mais opções de tratamento – é legítimo que o médico exija uma remuneração compatível com o seu nível de diferenciação e responsabilidade.

Tempo. Por um lado, a redução do tempo normal de trabalho das 40 para as 35 horas semanais. Por outro lado, a reorganização do horário por forma a incluir tempo para formação e investigação científica, que a maior parte dos médicos é obrigada a fazer fora do seu horário de trabalho por não lhe ser conferido tempo dedicado para essas atividades.

Perspetiva de futuro. Carreira tem de ser sinónimo de percurso, progressão, e não da estagnação a que se tem assistido, com 70% dos médicos sem avaliação de desempenho e, consequentemente, sem oportunidade de progressão estatutária e salarial.

O SIM tem-se batido por estas e outras medidas que tornariam o SNS mais atrativo, não só para que os jovens médicos queiram ficar, mas para que os mais experientes não queiram sair. O aumento remuneratório intercalar conseguido no ano passado foi um passo importante, mas ambicionamos muito mais com as negociações em curso, desde julho, com o atual Ministério da Saúde.

“Anseio por um Governo que assuma que a reestruturação de fundo que o SNS precisa não se concretiza em quatro anos e não tem cor política”

E que outros pontos são essenciais para que o SNS seja atrativo?
Parece-me essencial que se abandonem de vez ideias demagógicas, como a de “prender” os médicos ao SNS. Devemos exigir dos serviços públicos – neste caso, da saúde – o melhor, e o melhor faz-se com os melhores! Não podemos querer, nem deixar, que o Estado constitua um exército de médicos que está ali obrigado, ou que só está ali porque não tem dinheiro para pagar uma indemnização para sair… quem recorre ao hospital ou centro de saúde público, que paga com os seus impostos, quererá certamente ser atendido por um médico que está ali porque quer, que está motivado, que é justamente pago pelo que faz e por isso quer fazer cada vez mais e melhor.

Apesar da atual situação, acredita no futuro do SNS ou acha que poderá vir a ser posto em causa?

Eu quero acreditar no futuro do SNS, mas não acho que seja um dado adquirido. Anseio por um Governo que assuma que a reestruturação de fundo que o SNS precisa não se concretiza em quatro anos e não tem cor política. Um Governo que reconheça que o todo é maior que a soma das partes, e por isso não tenha qualquer pejo em sentar os interlocutores todos à mesma mesa; só um projeto que reúna consenso alargado terá pernas para andar sem ser abalroado a cada quatro anos. Dito isto, há também uma parte desse futuro que depende de cada um de nós e eu espero estar à altura de cumprir com a minha.

MJG

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