24 Mai, 2019

‘Burnout’ afeta quase 40% da classe médica em Portugal

Cerca de 66% dos médicos mostram um nível de exaustão emocional e 30% referem acentuada diminuição da realização profissional

Dois terços dos médicos manifestam que estão em exaustão emocional, segundo um estudo que vai ser publicado esta semana na Acta Médica Portuguesa e que considera o ‘burnout’ na classe como um problema “com raízes no sistema de saúde”.

No estudo, que foi realizado em 2016 e atualizado em 2017, a população inquirida representa cerca de 20% dos médicos registados na Ordem.

Nesta investigação, a que a agência Lusa teve acesso, 66% dos médicos demonstram um elevado nível de exaustão emocional e 30% uma grande diminuição da realização profissional. Destes, cerca de 40% demonstram níveis acrescidos de despersonalização, caracterizado por atitudes de descrença ou indiferença e que está associado à síndrome de ‘burnout’.

“Os valores tão elevados como os encontrados no presente estudo conduzem, desde logo, à compreensão do ‘burnout’ como um problema socioprofissional com raízes no sistema de saúde, não podendo ser justificado com base em características individuais relacionadas com fragilidades pessoais”, defendem os autores do estudo, encomendado pela Ordem dos Médicos e realizado em parceria com o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Os resultados demonstram ainda que “o papel dos fatores de natureza organizacional na explicação” das situações de ‘burnout’.

As exigências profissionais, bem como os recursos organizacionais são vistos pelos médicos como a razão de uma maior exaustão emocional.

“Os melhores preditores de elevados níveis de exaustão emocional são, ao nível organizacional, a perceção de baixos recursos e de elevadas exigências associadas, designadamente, aos horários de trabalho e à relação com os doentes”, indica a análise que vai ser publicada.

A investigação salienta que o bem-estar dos médicos “é importante para o funcionamento do sistema de saúde em geral” e recomenda uma intervenção urgente.

Apesar destas conclusões, os investigadores registaram “níveis muito elevados de envolvimento com o trabalho”, sendo este um indicador da “adaptação positiva da maioria dos médicos às condições” de trabalho adversas.

Além disso, o estudo procurou analisar quais as especialidades médicas em que estes profissionais de saúde tinham níveis altos e baixos de cada um dos indicadores de ‘burnout’: exaustão emocional, despersonalização e diminuição de realização profissional. Medicina interna, oncologia, doenças infecciosas, neurologia e hematologia são as especialidades mais afetadas pela exaustão emocional.

Mas é na cirurgia geral, hematologia, neurologia, urologia e ortopedia que se verificam maiores valores mais elevados de despersonalização, um “transtorno que consiste em sentimentos recorrentes ou persistentes de distanciamento do próprio corpo ou processos mentais, geralmente com uma sensação de ser um observador externo da própria vida”, como explica David Spiegel num artigo publicado na MSD sobre transtornos psiquiátricos.

As especialidades nas quais existe um maior número de médicos com falta de realização profissional são a oftalmologia, medicina geral e familiar, doenças infecciosas, psiquiatria, cardiologia e dermatologia.

E quais as especialidades com maiores percentagens de médicos com valores altos em pelo menos dois indicadores de ‘burnout’? O estudo concluiu que a medicina de emergência, a medicina interna, a neurologia e a medicina familiar têm os valores mais elevados. Quanto aos níveis mais baixos verificaram-se na patologia, dermatologia, pediatria geral e medicina preventiva.

Erica Quaresma

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