30 Nov, 2023

Bastonário diz que problema do SNS não se resume a salários e expressa preocupação com futuro

Carlos Cortes afirmou que os problemas do SNS não se limitam a questões remuneratórias, mostrando-se preocupado por o acordo não contemplar um conjunto de outras matérias essenciais para resolver a situação. Por outro lado, apesar de considerarem que o mesmo torna o SNS “mais competitivo”, também os administradores hospitalares admitiram que pode não levar a “uma alteração muito significativa” dos constrangimentos nas urgências.

O bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, afirmou que o problema do Serviço Nacional de Saúde não se resume a questões remuneratórias, manifestando uma “enorme preocupação” com o que poderá ocorrer nos próximos meses.

Um dia depois de o Ministério da Saúde ter chegado a acordo com o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) para um aumento dos salários em janeiro, que foi rejeitado pela Federação Nacional dos Médicos, Carlos Cortes expressou à agência Lusa a sua preocupação por o acordo não contemplar um conjunto de outras matérias essenciais para resolver a situação do SNS.

“A situação do SNS não se limita a uma questão remuneratória e quem pensa isso nada percebe dos problemas do Serviço Nacional de Saúde”, salientou, lamentando que o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, tenha focado “exclusivamente a sua intervenção” nesta negociação salarial.

Além da remuneração, disse, “há outras matérias que são muito importantes” para se conseguir ultrapassar “o momento atual e difícil do Serviço Nacional de Saúde” e para o SNS ter capacidade de resposta para atender os doentes que se dirigem aos hospitais e aos centros de saúde com “cuidados de saúde de qualidade”.

Para o bastonário, têm que ser acauteladas as condições de trabalho em que os médicos estão, a capacidade de atração e de fixação dos médicos no SNS.

“Não podemos continuar a sobrecarregar os médicos que estão neste momento no SNS, mas sim contratar mais médicos para o Serviço Nacional de Saúde”, defendeu, elucidando que, em 2022, os médicos fizeram mais de seis milhões de horas extraordinárias.

Apontou também a formação médica, sublinhando que é “uma questão absolutamente fundamental e estratégica” para o desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde.

Deu como um exemplo “muito preocupante” e “inédito” o facto de mais de 400 vagas para formação especializada terem ficado por ocupar no procedimento concursal de ingresso no Internato Médico 2023.

“Isso nunca tinha acontecido com esta dimensão”, lamentou Carlos Cortes, salientando a importância da dignificação da carreira médica e a possibilidade dos próprios médicos desenvolverem projetos de desenvolvimento do SNS.

Trata-se de “matérias de fundo que, neste momento, não só não foram acauteladas como nada indica que façam parte da preocupação do Ministério da Saúde”, lamentou.

Contudo, avisou que “se não forem rapidamente resolvidas o problema do SNS não se vai resolver” e pode entrar-se “numa situação de catástrofe, que já existe”.

Comentando ainda o protesto dos médicos de recusarem fazer além das 150 horas obrigatórias por lei, disse que representa “uma responsabilidade médica e até ética de alertar os decisores políticos para o momento muito crítico que o Serviço Nacional de Saúde atravessa”. O bastonário sublinhou que não se trata de uma contestação sindical, mas de uma contestação individual de cada médico, contando que falou com médicos que tinham mais de 1.200 horas extraordinárias acumuladas.

O acordo entre o Governo e o SIM para a revisão da grelha salarial dos médicos do SNS prevê um aumento de 14,6% para os assistentes hospitalares com horário de 40 horas, de 12,9% para os assistentes graduados e de 10,9% para os assistentes graduados seniores.

Administradores hospitalares consideram que acordo torna SNS “mais competitivo”

Por outro lado os administradores hospitalares saudaram o acordo entre o Governo e o Sindicato Independente dos Médicos (SIM), considerando que torna o SNS “mais competitivo”, mas admitiram que poderá não existir “uma alteração muito significativa” dos constrangimentos nas urgências.

O presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) considerou, em declarações à agência Lusa, “muito positivo” o acordo intercalar com o SIM para um aumento dos salários em janeiro, e o facto de ter acontecido “em circunstâncias que não eram fáceis”.

Apesar do acordo, o responsável disse ser difícil perspetivar no curto prazo de que forma poderá ajudar a resolver a crise no Serviço Nacional de Saúde, porque a decisão de reverter a decisão de não fazer mais do que as 150 horas extraordinárias obrigatórias é do médico.

“Quando um médico aceita este aumento salarial, que pode ir até quase aos 15% no caso dos assistentes graduados, não está lá previsto que tenha que reverter a sua decisão (…) e, portanto, não é certo que, neste momento, uma parte significativa dos médicos regresse à realização de horas extraordinárias para além das 150”, justificou, recordando que cerca de 2.800 médicos entregaram a declaração, o que está a criar constrangimentos no funcionamento dos serviços de urgência.

Segundo o responsável, os próximos dias serão importante para perceber qual é “a decisão de cada médico em função deste acordo”.

Mesmo com o acordo, pode haver médicos que não querem fazer mais do que as 150 horas, porque querem “um melhor equilíbrio entre a sua vida pessoal e a sua vida profissional” e, avisou, “se for esse o cenário” não vai haver “médicos e horas de trabalho médico suficientes” para regressar à rede de urgências que existia no início do ano passado.

Para Xavier Barreto, o Ministério da Saúde tem que fazer uma reflexão “muito rapidamente”, em função dos recursos humanos que vai ter em 2024, com os profissionais de saúde, com os diretores de serviços de urgência, com os hospitais.

Xavier Barreto defendeu que tem que se avançar para uma reorganização da rede de urgências, fazendo uma análise regional nalguns casos e, noutros casos, em cada área metropolitana, percebendo quais são as respostas que podem ser concentradas sem prejuízo dos doentes.

 

LUSA

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