9 Nov, 2023

“As Jornadas são muito centradas na nossa complementaridade com a MGF”

Isabel Paiva, presidente das 27as Jornadas de Endocrinologia e Diabetes de Coimbra e diretora do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, fala sobre este evento, os seus objetivos, os temas a abordar e a importância da articulação entre cuidados no tratamento dos doentes com diabetes, obesidade e outras doenças endócrinas.

Qual o ponto de situação da diabetes e da obesidade na zona centro do pais?
A diabetes e a obesidade são duas patologias intimamente interligadas e que têm tido uma evolução pandémica (a chamada “pandemia silenciosa”).

Todos os esforços globais desenvolvidos têm tido resultados modestos; no entanto a melhoria da prevalência do excesso de peso e da obesidade nas crianças no nosso país, entre 2008 e 2019 (respetivamente de 37,9% para 29,6% e de 15,3% para 12%) dão-nos a esperança de que venha a conseguir-se também uma redução nos adultos – sendo que, nos últimos dados nacionais (de 2016), mais de 50% da população adulta tinha excesso de peso ou obesidade.

Quanto à diabetes, os dados publicados pela DGS em 2017, para a população adulta, situava a sua prevalência na Zona Centro em 8,3% – no entanto, os dados do Observatório Nacional da Diabetes referentes a 2018 mostram uma prevalência de 13,6% – sendo que só 7,7% estava diagnosticada. Os 5,9% restantes, não!

Referindo especificamente o Concelho de Coimbra, foi apresentado em março de 2021 um estudo interessante – o Perfil Municipal de Saúde – com base nos diagnósticos dos Cuidados de Saúde Primários colhidos em 2019. Nesta apresentação referia-se a existência de obesidade em 10,3% e 9,4% (respetivamente dos utentes do sexo masculino e feminino) e o diagnóstico de diabetes em 8,8% dos homens e 5,4% das mulheres.

Considerando os dados do Observatório referidos (que são semelhantes aos internacionais), estima-se que cerca de metade dos diabéticos não estão diagnosticados, o que é verdadeiramente alarmante!

 

“A diabetes e a obesidade são duas patologias intimamente interligadas e que têm tido uma evolução pandémica (a chamada “pandemia silenciosa”)”

 

Qual o tipo o de articulação entre o Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do CHUC e os cuidados de saúde primários no seguimento destes doentes?
O SEDM, desde a sua fundação, teve sempre como centro da sua atividade e desenvolvimento a diabetes – e a articulação com os cuidados primários de saúde. Esta perspetiva, alargada às outras patologias endócrinas de grande prevalência (tiroide, obesidade) foi mantida ao longo do tempo, sendo estas Jornadas uma das iniciativas que nos têm servido de elo para a coordenação de cuidados a estes doentes.

Sempre considerámos que os cuidados aos doentes têm de ser partilhados e feitos em sequência, com a complementaridade ditada pelas especificidades recíprocas. O facto dos nossos doentes terem geralmente patologias crónicas justifica esta postura, particularmente na procura de entendimento e compatibilização em relação a protocolos terapêuticos e de seguimento.

Ainda se sentem as consequências da pandemia no seguimento das pessoas com diabetes e/ou obesidade?
Neste momento, as repercussões da pandemia sentem-se sobretudo a nível organizativo – isto é: na chegada aos Serviços de Saúde, num período curto, de um número elevado de pedidos de consulta. Este facto tem colocado uma grande pressão nos Serviços, e, não havendo uma triagem adequada na origem, origina o alongamento dos períodos de espera.

Esta realidade é igualmente evidente na patologia tiroideia, também muito prevalente na nossa população.

No entanto, temos feito alguma reorganização nos nossos períodos de consulta, com alocação de mais tempo a estas áreas específicas, de modo a aumentarmos a capacidade de resposta, mas sem descurarmos as outras doenças endócrinas – que, sendo mais raras, têm muitas vezes maior gravidade.

Na sua opinião, que benefícios o surgimento das ULS pode trazer no seguimento deste tipo de patologias?
Penso que será uma excelente oportunidade de articulação entre o nosso Serviço e os cuidados primários de saúde da zona que integraremos – até na sequência do que já foi referido anteriormente.

Será seguramente facilitada a comunicação entre profissionais e possível uma maior eficácia e eficiência no adequado tratamento e seguimento dos doentes.

Falando mais especificamente destas jornadas. Quais os objetivos delineados?
O enfoque mantém-se nas patologias mais prevalentes, nomeadamente quanto a estratégias de implementação de cuidados gerais (exercício físico e alimentação), cada vez mais relevantes nos cuidados para a saúde, de terapêuticas específicas mais atuais, e das tecnologias associadas – quer para a diabetes quer para a obesidade. Também dedicamos uma atenção especial à hipertensão de causa endócrina e às suas novas terapêuticas – calcula-se que a hipertensão secundária, onde estão incluídas as causas endócrinas, constitua cerca de 15% dos casos diagnosticados –  bem como à patologia tiroideia.

Os objetivos são sempre centrados na aplicação prática da atualização científica.

Trata-se de um evento já com 27 anos. O que é que tem vindo a mudar ao longo do tempo?
A essência destas jornadas, já referida anteriormente, não se tem alterado, dado que continuamos a considerar fundamentais as oportunidades de partilha e debate entre os vários níveis de prestação de cuidados de saúde.

O que tem vindo a mudar é, sobretudo a metodologia de acesso ao conhecimento, nomeadamente com recurso aos métodos de comunicação não presencial. Nas jornadas anteriores, recorremos às modalidades virtual e híbrida, por imperativos sanitários, este ano, voltámos ao modelo exclusivamente presencial – que teremos de avaliar no final.

Além de endocrinologistas e médicos de família, esperam contar com a presença de médicos de outras especialidades?
As Jornadas são, como já referido, muito centradas na nossa complementaridade com a Medicina Geral e Familiar. O interesse de colegas de outras especialidades prende-se geralmente com os temas específicos abordados – nesta edição serão a Medicina Física e Reabilitação e a Nutrição. É sempre uma mais-valia a sua presença, particularmente pela possibilidade de troca de saberes e experiências.

Qual o critério de construção do programa científico?
Procurámos trazer o que de mais inovador temos disponível, no momento, para o tratamento da diabetes – quer fármacos, quer aparelhos com elevado desenvolvimento tecnológico – e que tanto têm melhorado o resultado e a facilidade de tratamento das pessoas com diabetes. Na obesidade, procuramos debater as novas abordagens, particularmente as indicações cirúrgicas e os novos fármacos.

Vão realizar um “Curso da Tiroide”, com avaliação. A quem se destina este curso e quais os objetivos do mesmo?
O curso é destinado a médicos e estudantes de medicina, dado que tem o enfoque no diagnóstico e tratamento dos doentes.

Sendo a patologia tiroideia muito prevalente, entendeu-se que um curso seria uma forma de abordar os problemas mais frequentes – a disfunção, a doença nodular e as particularidades da gravidez – de uma forma mais interativa e estimulante, dotando os participantes da informação necessária para abordar e orientar estes casos. A existência de avaliação, pretende potenciar a aprendizagem, e, simultaneamente, permitir obter um documento garantindo a sua realização.

“Procurámos trazer o que de mais inovador temos disponível, no momento, para o tratamento da diabetes – quer fármacos, quer aparelhos com elevado desenvolvimento tecnológico – e que tanto têm melhorado o resultado e a facilidade de tratamento das pessoas com diabetes”

 

Quais as suas expectativas para as jornadas deste ano.
Como nas anteriores edições, os objetivos são o alinhamento no diagnóstico, tratamento e seguimento dos doentes que nos são comuns, com otimização de recursos e esforços, que acreditamos serem potenciados pelas relações interpessoais que se estabelecem quando as realizações são presenciais.

Somos latinos – gostamos do contacto e da proximidade interpessoal!

Assim, neste período de mudanças, em que se pretende uma colaboração e complementaridade mais próximas e mais centradas no doente, penso que será uma excelente oportunidade para lançar e facilitar as relações futuras.

 

SM

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