A Saúde Mal Segura
Diretor do serviço de Medicina Interna do CHUP/Presidente Cessante da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna

A Saúde Mal Segura

Ainda tenho a memória fresca de Chefe de Equipe de Urgência dum Hospital Central Público, com a transferência frequente de doentes internados em Hospitais Privados. Vinham pelas complicações que os tinham tornado demasiado complexos ou, na maior parte das vezes, porque as coberturas do seguro de saúde se tinham esgotado. Sempre ouvi dizer que nos Países onde o Sistema de Saúde é baseado nos seguros, o valor das apólices é muito alto, só acessível àqueles que têm um grande rendimento. Esses, fazem os seguros astronómicos, porque sabem que os direitos aos exames de diagnóstico e tratamento são estritamente limitados àqueles que constam na apólice.

Por isso, quando vejo propalada a informação de que mais de 3 milhões de Portugueses têm seguro de saúde, sempre me interroguei acerca do seu real valor em vista dos nossos baixos salários. O estudo de Pedro Pita Barros e Eduardo Costa, com o título sugestivo de “Seguros Privados no Sistema de Saúde Português: mitos e factos”, veio tirar-me todas as dúvidas e dar-me uma boa dose de indignação. Irrita-me pensar que alguém compra um seguro de saúde convencido de que está mais defendido, com outras alternativas para combater a doença, que afinal de nada vale. É gato por lebre, gozando com a ingenuidade dos crédulos.

Os Seguros de Saúde Privados cobrem menos de 4% da despesa total em Cuidados de Saúde, pelo que não podem ser considerados como alternativa de financiamento. Em 2020, na despesa corrente em saúde por financiador, o SNS e os Serviços Regionais de Saúde (Açores e Madeira) contribuíram com 56,36%, as famílias comparticiparam com 27,8% e os Seguros Privados ficaram apenas nos 3,58%.

Se bem que as apólices para proteção da doença em 2020 cobriam 14% da população, passando a abarcar 32% em 2021, beneficiando 3,2 milhões de Portugueses, tal não se reflete na importância dos seguros nos custos da saúde. Muitos contratos, mas com tão escassas coberturas, tornam os Hospitais Privados uma real alternativa apenas para os muito ricos, que podem pagar as tais apólices milionárias. A este pequeno grupo endinheirado de doentes juntam-se os beneficiários da ADSE, que ainda vão aguentando o internamento privado, desde que não seja muito prolongado e não chegue aos Cuidados Intensivos.

Os Hospitais Privados evoluíram muito, e dispõem de quase todas as valências para exercerem uma medicina de excelência, mesmo nos doentes mais complexos. Há muito que deixaram de ser as Ordens de antigamente, dedicadas à realização de exames ou cirurgias, que tinham de correr bem, porque à noite apenas acorria um enfermeiro à descompensação inusitada que a custo incomodava o Senhor Professor pelo telefone.

Agora tudo se faz e estuda nos Hospitais Privados, seja o doente médico ou cirúrgico, e os doentes podem contar com os Especialistas de Medicina Interna, que os acompanham a par e passo. Se forem precisos Cuidados Intensivos, eles existem, com o melhor equipamento e equipa médica e de enfermagem qualificadas. Haja dinheiro ou um Seguro capaz!

É por causa deste constrangimento, que é a própria Associação Portuguesa de Seguros (APS) a afirmar: “Os Seguros de Saúde não são assumidamente uma alternativa ao Serviço Público Universal, que é fundamental preservar.” Quando são os próprios interessados na venda de Seguros a fazerem esta afirmação, devemos tirar dela a principal ilação, que é a necessidade de voltarmos a ter um SNS pujante, que sirva a todos, e seja o nosso orgulho! Quero acreditar que ainda vamos a tempo.

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