1 Fev, 2024

“A Medicina de Precisão vai ter um papel muito importante no tratamento do cancro da mama”

Ana Ferreira faz parte da comissão organizadora da 6.ª Edição Breast Cancer Weekend. Em entrevista destaca a importância da Medicina de Precisão, que permite terapêuticas cada vez mais personalizadas. Realça ainda a relevância do evento, que reúne profissionais de todo o país.

O que podemos esperar do Breast Cancer Weekend?

O foco desta reunião foi sempre falar sobre o que houve de novo no cancro da mama no ano transato e que vai causar impacto na abordagem do cancro da mama nas diferentes vertentes, não só do tratamento, mas também no rastreio e diagnóstico desta patologia. Esperamos que este ano e à semelhança dos anos anteriores seja um fórum de discussão e sobretudo de consensos.

Na sua perspetiva, quais foram os pontos-chave de 2023?

Os que vamos passar em revista no nosso programa. Em 2023 manteve-se a discussão em torno de alguns temas da área cirúrgica, que irão ser abordados neste evento, e que têm impacto no tratamento do cancro da mama precoce, nomeadamente a abordagem da axila – é sempre um tema com alguma controvérsia. Ainda no âmbito do cancro da mama precoce, a também a radioterapia, uma opção de tratamento a que se recorre na maioria das situações como tratamento complementar das doentes com cancro da mama em estadios precoces após uma cirurgia conservadora. Nos últimos anos tem surgido alguma evidência para uma opção mais conservadora e, eventualmente, a omissão da mesma.

No que diz respeito ao tratamento médico, continua-se a procura por um equilíbrio entre eficácia e toxicidade. Até recentemente a utilização de antraciclinas era massivamente utilizada no tratamento de cancro de mama, atualmente  é questionado se haverá um subgrupo de doentes que poderá ser poupado a esta terapêutica – com uma toxicidade importante.

A imunoterapia é um hot topic na Oncologia. Este tratamento chegou um pouco mais tarde à mama, mas atualmente tem a sua aprovação em vários subgrupos de doentes. Há ainda outros novos fármacos como os ADCs, que são usados há dois ou três anos, e sobre os quais foram publicados recentemente estudos que permitem alargar o leque de doentes que podem beneficiar desta terapêutica.

Também vamos fazer uma revisão do nosso programa de Medicina de Precisão. No tema cancro da mama metastático, vamos abordar a metastização cerebral, que é claramente uma unmet need. As doentes em estadio IV têm, maioritariamente, perfil recetores hormonais positivos, para os quais temos uma arma terapêutica muito impactante, que são os inibidores das ciclinas. O ano 2023 trouxe novos dados. Vamos ainda explorar temáticas que são preocupações de doentes e de profissionais de saúde, tais como gravidez, sexualidade, linfedema, lipedema e direitos e deveres dos doentes.

“O IPO Porto tem já um grande caminho percorrido no que diz respeito à Medicina de Precisão e integrámos, inclusive, um programa de Medicina de Precisão a nível europeu (SPECTA)”

Como está a aposta na Medicina de Precisão?

O IPO Porto tem já um grande caminho percorrido no que diz respeito à Medicina de Precisão e integrámos, inclusive, um programa de Medicina de Precisão a nível europeu (SPECTA) que incluía doentes com cancro de mama. Na Instituição já temos em funcionamento regular uma consulta de grupo- Molecular Tumor Board -, na qual são discutidos casos clínicos, com estudo genómico prévio. Habitualmente, está reservado para uma fase mais avançada da doença, ou seja, na patologia metastática.

Considera que a Medicina de Precisão deve cingir-se a centros de referência, tendo em conta a complexidade das doentes?

Numa primeira fase devem ser privilegiados centros de referência; é uma forma de se conseguir concentrar casos clínicos e de se adquirir experiência. Todavia, deve ser uma consulta interinstitucional, com referenciação de doentes de outros Centros, aliás como já acontece na Instituição, com a participação dos respetivos médicos assistentes.

Caminha-se cada vez mais para uma terapêutica individualizada…

Sem dúvida. O futuro da Oncologia passa cada vez mais por esta personalização.

“Os programas de rastreio são mais eficientes, a população mais jovem está mais informada e é capaz de valorizar sintomas de uma forma mais adequada e, deste modo, procurar contacto com o seu médico assistente”

Existem cada vez mais casos de cancro da mama em mulheres mais jovens. Já existe evidência suficiente do que pode estar a desencadear este aumento?

Ainda não há certezas. Existe um fator impactante, que é a acessibilidade diagnóstica. Os programas de rastreio são mais eficientes, a população mais jovem está mais informada e é capaz de valorizar sintomas de uma forma mais adequada e, deste modo, procurar contacto com o seu médico assistente – nós próprios estamos mais sensibilizados para o facto de que esta já não é exclusiva de doentes mais velhas. Depois existem outros fatores como a maternidade mais tardia, a nuliparidade, dieta alimentar e estilos de vida – sedentarismo, tabagismo e consumo de álcool são alguns fatores potencialmente diagnósticos.

E no homem?

O cancro da mama no homem ronda os cerca de 1% e a prevalência não tem aumentado nos últimos anos. A carga genética no sexo masculino é importante, pois muitos deles têm mutações associadas a BRCA. O diagnóstico por vezes pode ser mais difícil, sobretudo pela raridade da doença e a consequente não valorização de alguns sintomas apresentados.

Com o avanço das terapêuticas há mais sobreviventes de cancro. Quais os principais desafios?  

Existem uma série de desafios que poderão ser mais ou menos comuns à maioria das nossas doentes. A alteração da imagem corporal é impactante, não só pela cirurgia realizada, mas também por outras alterações da imagem, nomeadamente o linfedema e o lipedema e o aumento de peso. São queixas frequentes e, infelizmente, ainda temos poucas opções terapêuticas. No evento vamos abordar ainda a questão da sexualidade e da gravidez. Hoje sabe-se que não existe qualquer contraindicação para se engravidar. Obviamente, é preciso suspender a hormonoterapia, caso esteja a realizar. Ainda recentemente foi publicado um estudo que reforça esta não contraindicação absoluta.

 

Como é gerir uma Clínica da Mama, num centro de referência, enquanto se organiza esta Reunião?

É difícil! Mas fazemo-lo com muito gosto. É uma Reunião onde se reveem colegas das diferentes regiões do país. Trazemos palestrantes com reconhecido valor. A partilha de experiência e conhecimento por todos os inscritos é o fundamental.

O que se pode esperar num futuro próximo nesta área do cancro da mama?

Penso que a Inteligência Artificial (IA) terá um forte impacto na Medicina e o cancro da mama não será exceção.  Além disso, a Medicina de Precisão vai ter um papel muito importante no tratamento do cancro da mama.

MJG

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