“A intervenção social integrada poderá promover melhorias significativas no acompanhamento sistemático dos doentes”
Benedita Nunes, Diretora do Serviço Social da ULS Almada-Seixal, aborda os desafios que o Serviço Social enfrenta na área da Saúde e a importância de se apostar na integração do assistente social nas equipas multidisciplinares. A responsável fala à margem do 1.º Encontro Serviço Social ULSAS "Desafios do Serviço Social no SNS", que irá decorrer dia 8 de novembro, em Almada.

Quais são os principais desafios do Serviço Social na Saúde?
Os assistentes sociais são profissionais que intervêm na área da Saúde desde meados do século XX, procurando contribuir para a melhoria do estado de saúde dos indivíduos e das populações. Este objetivo requer, cada vez mais, modelos de organização e de atuação que acompanhem a evolução do conceito de Saúde, uma vez que os determinantes sociais assumem cada vez mais um peso significativo nos resultados em saúde.
O envelhecimento da população e o crescente número de pessoas com doenças crónicas, com diversas comorbilidades, associados a uma necessidade crescente de múltiplas respostas ao nível dos cuidados de saúde e sociais, exigem a coordenação multidisciplinar de diferentes níveis e setores, ou seja, um modelo integrado de saúde, que permita olhar a pessoa de forma holística. E só se pode falar de cuidados integrados em saúde quando as intervenções clínica e social se encontram conectadas entre si, o que permite ver a pessoa como um todo e não como soma de partes, ou seja, ver a pessoa numa perspetiva biopsicossocial. É impensável ver e tratar o doente apenas numa perspetiva biomédica, se o doente não tiver capacidade económica, suporte familiar e social, bem como de práticas de gestão do autocuidado, literacia em saúde, entre outras. Um doente com este perfil recorrerá sistematicamente aos serviços de saúde e, consequentemente, verá agravar a sua situação de doença.
Acredito que uma aposta numa intervenção social integrada, focada ao nível dos cuidados de saúde primários, poderá promover melhorias significativas no acompanhamento sistemático dos doentes, contribuindo para a melhoria contínua dos cuidados no seu domicílio, privilegiando uma abordagem interdisciplinar, de relação e articulação em rede, com os diferentes níveis de cuidados. Torna-se, assim, fundamental estabelecer mecanismos de coordenação entre os sistemas de saúde e sociais que evitem a duplicidade de ações e garantam a eficiência das intervenções.
O Serviço Social beneficia ou não com o modelo ULS?
Penso que poderá ser o momento de mudança de paradigma, ou seja, passarmos de cuidados essencialmente reativos, centrados na doença e na urgência, para uma lógica em que os cuidados de saúde primários e hospitalares se integram e interagem de modo a dar uma melhor resposta preventiva ao cidadão.
Será benéfico para o Serviço Social, enquanto equipa, pois a intervenção dos assistentes sociais, enquanto um todo (cuidados de saúde primários e hospitalares), facilitará uma intervenção mais integrada e articulada, cujo foco é o utente, a multidisciplinaridade e o trabalho em rede. A mudança de filosofia inerente a este modelo de Unidade Local de Saúde (ULS) centra-se numa prestação direcionada para o cidadão e para a comunidade, a que se junta a proximidade, fator primordial na melhoria da acessibilidade dos utentes.
Entendo a integração dos cuidados como um meio para melhorar a intervenção, tornando-a mais abrangente quer na promoção do trabalho intersetorial e comunitário, ao nível da integração de cuidados e mobilização de recursos, quer ao nível dos diagnósticos territoriais e comunitários, elevando os padrões de qualidade no acompanhamento dos utentes, utilizando melhor a capacidade instalada, aumentando a satisfação dos utentes e profissionais e obtendo ganhos de eficiência.
“As principais dificuldades predem-se, essencialmente, com as condições de saúde e dependência, com consequente dificuldade de adesão ao autocuidado por parte dos doentes, muitos deles sem qualquer enquadramento familiar, isolados”
Fala-se muito em internamentos sociais. Quais as vossas maiores dificuldades ao procurarem resolver estes casos?
As principais dificuldades predem-se, essencialmente, com as condições de saúde e dependência, com consequente dificuldade de adesão ao autocuidado por parte dos doentes, muitos deles sem qualquer enquadramento familiar, isolados; a capacidade e envolvimento da família no processo de cuidar, por diversas razões, sejam elas pessoais, profissionais ou económicas; a pouca diversidade e insuficiente cobertura de respostas sociais domiciliárias, o que leva, muitas vezes, a se encarar as respostas residenciais como única solução; a insuficiência de respostas sociais da Rede Solidária, com especial enfoque nos idosos (Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas, Apoio Domiciliário alargado…), deficiência e saúde mental; a demora na resposta por parte de algumas entidades; a insuficiência de camas nas diversas tipologias da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, com consequente demora na resposta.
E noutras áreas, que limitações têm nas diferentes respostas sociais?
À exceção de áreas muito específicas, os recursos sociais disponíveis na comunidade são os mesmos, pelo que as dificuldades sentidas não diferem muito daquelas que são sentidas na área da saúde.
Regra geral, nem sempre se fala do papel do assistente social na Saúde. O 1.º Encontro de Serviço Social da ULSAS pode ser uma forma de dar voz aos assistentes sociais?
Sim, embora a profissão de assistente social na Saúde já há muito tempo seja identificada e reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, integrando as equipas multiprofissionais que exercem funções ao nível da prevenção, monitorização e intervenção em áreas tão diversas como as doenças influenciadas por determinantes sociais, na promoção da literacia em saúde e no desenvolvimento de competências essenciais para ajudar a ultrapassar as disfunções que possam dificultar o tratamento e reabilitação/cura com vista à reintegração social das pessoas.
No entanto, considero este Encontro um momento fulcral para identificar as potencialidades do novo modelo organizacional na saúde, conhecer a experiência das primeiras ULS, a forma como o Serviço Social está organizado, as dificuldades e os desafios com que se debatem. Serve, ainda, para reunir profissionais da área da Saúde que poderão partilhar reflexões, experiências e conhecimento e reforço do grupo profissional. Refletir sobre os determinantes sociais de saúde, a articulação entre os vários parceiros sociais e como se concretiza a integração de cuidados e contribuir para uma cultura de qualidade e para promoção das boas práticas são outros dos objetivos deste Encontro.
MJG
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