27 Nov, 2024

“A criação da especialidade de Geriatria poderá alavancar o desenvolvimento de novas respostas clínicas assistenciais”

Entre 28 e 29 de novembro, Tomar acolhe a 7.ª Reunião do Núcleo de Estudos de Geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (NEGERMI), evento em que se pretende debater os desafios e inovações no cuidado ao idoso em Portugal. Em entrevista ao SaúdeOnline, a coordenadora do NEGERMI, Sofia Duque, destaca a necessidade de se caminhar no sentido da implementação no Serviço Nacional de Saúde (SNS) de respostas clínicas especializadas para as pessoas mais velhas, como unidades de geriatria de agudos nos hospitais ou a valência de saúde do idoso nos cuidados de saúde primários (CSP).

O debate “Geriatria em Portugal: Onde estamos e para onde queremos ir?” será um dos momentos altos da 7.ª Reunião do NEGERMI. A minha questão é precisamente essa: Onde estamos e para onde queremos ir?

Estamos numa situação em que reconhecemos que já houve algum desenvolvimento da Geriatria, na última década e meia, tendo sido dados passos importantes, como o reconhecimento da competência. Passou também a haver um envolvimento maior da parte de vários médicos, nomeadamente da Medicina Interna e da Medicina Geral e Familiar (MGF), no sentido, por um lado, de obterem formação diferenciada e, por outro, de criarem nos sítios onde trabalham respostas clínicas especializadas para as pessoas mais velhas. E este é o ponto onde estamos.

O que percebemos é que, nestes últimos anos, ainda não se conseguiu que estas respostas clínicas assistenciais informalmente criadas por alguns colegas sejam transformadas em respostas estruturadas do SNS, apesar de sermos um dos países mais envelhecidos da Europa. E portanto, ao contrário de outros países em que a Geriatria existe implementada nos hospitais e também nos cuidados ambulatórios, isso ainda não é uma realidade no nosso país. Mas, é nossa intenção e seria benéfico para a nossa população conseguirmos ficar a par desses países que têm a Geriatria mais implementada nos seus serviços de saúde.

Para onde queremos então ir?

Queremos, por um lado, aumentar a formação em Geriatria dos profissionais de saúde que de alguma forma lidam com as pessoas mais velhas, tanto na fase pré-graduada, como depois na pós-graduada e na formação contínua. Pretendemos igualmente começar a desenvolver, de uma forma mais generalizada e disseminada, respostas clínicas como unidades de Geriatria de agudos, unidades de Ortogeriatria ou consultas de Geriatria em hospitais e a valência de Saúde do Idoso nos CSP. Acredito que este é o caminho.

E nesse caminho cabe o reativar de alguns projetos que com a pandemia foram abandonados?

Penso que muitos desses projetos já foram reativados. Acho que podemos concluir que a não reativação não teve que ver com a falta de reconhecimento da sua importância, mas antes com o facto de esses médicos mais envolvidos com a Geriatria terem deixado de estar disponíveis para reiniciarem os projetos interrompidos com a pandemia, por se terem dedicado a outros.

“A criação de uma especialidade, provavelmente, traria autonomia à massa crítica que está envolvida na Geriatria para poder desenhar e desenvolver respostas clínicas assistenciais sem obstáculos”

Mas, considera que neste momento está a ser dada a devida atenção, no seio do SNS, a esse tipo de projetos?

Não. Ainda não. Por isso é que não é obrigatório haver uma Unidade de Geriatria de agudos ou uma Consulta de Geriatria em todos os hospitais. Por isso é que ainda não se criou a valência de Saúde do Idoso nos CSP. Caso lhes fosse atribuído o reconhecimento necessário, estas estruturas seriam identificadas como uma prioridade para o SNS.

Acha que o futuro poderá trazer a criação da especialidade de Geriatria?

A criação de uma especialidade, provavelmente, traria autonomia à massa crítica que está envolvida na Geriatria para poder desenhar e desenvolver respostas clínicas assistenciais sem obstáculos relacionados com os interesses de outras áreas médicas. Assim sendo, acredito que a existência de uma especialidade pudesse vir alavancar de uma forma mais consistente, mais coerente e mais persistente a criação de novas respostas clínicas assistenciais.

“Estamos, portanto, numa fase de mudança, em que a vacinação tem que deixar de ser uma intervenção praticamente só exclusiva das crianças/faixas etárias pediátricas, para passar a ser uma intervenção mais generalizada”

O tema da inteligência artificial (IA) vai merecer destaque na 7.ª Reunião do NEGERMI. Em que áreas da Geriatria é que a IA pode ter um papel a explorar?

Penso que a IA traz grandes possibilidades. Antes de mais, acho que estamos no início do desenvolvimento da IA, isto é, estamos numa fase de colheita de dados, que é feita de uma forma massiva, para depois se poderem desenvolver respostas de IA com vista à análise de vários problemas que possam surgir no âmbito da Geriatria.

Sabemos que a complexidade dos doentes idosos é muito grande, a sua heterogeneidade também, mas considero que para a IA não será impossível encontrar e desenvolver sistemas de resposta aos nossos desafios, colocados por doentes que são tão complexos e tão multifacetados, com vários problemas em simultâneo e com uma necessidade de atender a várias premissas. Acredito que o doente idoso configurara o paradigma do doente mais complexo e mais difícil, para o qual podemos encontrar respostas da IA.

Acredito ainda que a IA pode ter um papel importante na simplificação de alguns procedimentos que requerem muito tempo da parte do médico, não o deixando disponível para outras atividades em que, aí sim, este é insubstituível, como é o caso da interação com a pessoa, a criação de empatia ou o estabelecimento de uma relação médico-doente, fulcral e decisiva para termos sucesso nas intervenções que sugerimos e colocamos em prática.

Portanto, por um lado, a IA poderá ajudar-nos na resolução de problemas mais complexos e, por outro lado, vai dotar-nos de mais tempo para atividades que são exclusivas do ser humano e cuja resolução depende exclusivamente de profissionais de saúde, atividades essas que se prendem com a humanização dos cuidados.

Qual o objetivo da sessão do NEGERMI em parceria com a AMIDI a decorrer no final do evento?

Essa sessão é dedicada ao tema da vacinação e o panfleto que será apresentado é sobretudo uma recordatória de uma iniciativa a que o NEGERMI se dedicou, há alguns anos atrás, no âmbito da campanha “Vacinação é Prevenção”.

Um dos projetos iniciais do NEGERMI foi precisamente o de estabelecer algumas recomendações sobre vacinação em pessoas mais velhas. Esse projeto tem vindo a ser atualizado, ao longo do tempo, à medida que nova evidência vai surgindo no âmbito da vacinação. Estamos atualmente numa fase muito fértil em termos de elaboração de novas vacinas para prevenção de doenças muito comuns nas pessoas mais velhas, doenças essas que podem comprometer a qualidade de vida e o estado funcional e até mesmo a longevidade ou a incidência de outras doenças típicas desta faixa etária, como, por exemplo, a demência e as doenças cardiovasculares.

Estamos, portanto, numa fase de mudança, em que a vacinação tem que deixar de ser uma intervenção praticamente só exclusiva das crianças/faixas etárias pediátricas, para passar a ser uma intervenção mais generalizada e idealmente contemplada no Programa Nacional de Vacinação para as pessoas mais velhas. De salientar que, nos últimos tempos, o NEGERMI tem estado a trabalhar intensamente em termos de atividade formativa no âmbito deste projeto.

CBM/MJG

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