Sistema endocanabinoide e principais canabinoides
Médico Anestesiologista e Medicina da Dor - Spine Center; Myface; indolor Hospital da Luz Coimbra; Membro do Conselho Consultivo Científico do Observatório Português da Canábis Medicinal

Sistema endocanabinoide e principais canabinoides

A canábis, é uma das plantas medicinais mais antigas do mundo. Em Portugal as primeiras referências surgem em 1563 por Garcia de Orta no seu livro “Colóquio dos simples, e drogas e coisas medicinais da India”.

Na década de 30 já tinham sido isolados o canabinol (CBN) e o canabidiol (CBD), mas foi em 1964, com a descoberta do delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) que houve um aumento do interesse na sua investigação, tentando determinar as suas propriedades e potenciais utilizações terapêuticas.

Os fitocanabinoides que demonstram ação terapêutica são o THC e o CBD. Importa realçar que estas duas substâncias têm ações farmacológicas diferentes, sendo o THC, o responsável pelos efeitos psicotrópicos da canábis, que não estão presentes no CBD pelo que neste aspeto, o CBD apresenta um melhor perfil de segurança.

Os fitocanabinoides, atuam no sistema endocanabinoide (SE), que está presente em todos os vertebrados e contribui para a manutenção da homeostasia (capacidade de manter o equilíbrio interno), participando na regulação de diversas atividades fisiológicas como o sono, humor, apetite, nociceção, memória, cognição.

O SE é um sistema de sinalização lipídica, ativado apenas quando é requerido. Os neurotransmissores do SE, chamados endocanabinoides (EC) não são armazenados em vesiculas e exercem a sua atividade através de um processo retrógrado de controlo de transmissão sináptica. Os EC mais abundantes e melhor estudados são a Anandamida e o 2-araquidonoilglicerol (2-AG). São produzidos unicamente após ativação nos neurónios pós-sinápticos sendo produzidos de moléculas lipídicas como o ácido araquidonico presentes na membrana plasmática das células neuronais pela ação de enzimas anabólicas e catabólicas.

Várias outras moléculas têm sido classificadas como EC. Destes fazem parte moléculas lipídicas derivadas do ácido araquidónico como o N-araquidonoil dopamina, as etanolamidas derivadas de ácidos ómega-3 e proteínas da família dos péptidos hemopressina (pepcans) dos quais o pepcan-12 demostrou maior atividade agonista no recetor CB1.

Os principais recetores canabinoides são o CB1 e o CB2. A sua distribuição não é homogénea. Os recetores CB1 estão maioritariamente presentes no sistema nervoso central e periférico tendo como principais funções a regulação motora, controlo de apetite, memória e aprendizagem, homeostase energética, funções cognitivas superiores e comportamentais, responsável pelos efeitos psicoativos do THC. Os recetores CB2 são expressos predominantemente nas células do sistema imunitário e em órgãos como o baço, amígdalas e nódulos linfático, mas também estão presentes em células da microglia. Têm como função a regulação da resposta inflamatória e a resposta imunitária.

A medicação à base de canábis para uso humano e com fins terapêuticos como qualquer outra medicação, necessita de uma autorização do Infarmed.  A utilização destas substâncias não é de primeira linha, o que quer dizer que pode estar indicado quando os tratamentos convencionais não produzem os efeitos esperados ou provocam efeitos adversos importantes.

Está aprovado para as seguintes utilizações:

  1. Espasticidade associada à esclerose múltipla ou lesões da espinal medula
  2. Náuseas e vómitos (resultantes de quimioterapia, radioterapia e terapia combinada de HIV e hepatite C)
  3. Estimulação do apetite nos cuidados paliativos de doentes oncológicos ou com SIDA
  4. Dor Crónica (associada a doenças oncológicas ou sistema nervoso)
  5. Síndrome de Gilles de la Tourette
  6. Epilepsia e tratamento de transtornos convulsivos graves na infância, tais como as síndromes de Gravet e Lennox-Gastaut
  7. Glaucoma resistente à terapêutica

Estão disponíveis diferentes formulações. Uma formulação para utilização na espasticidade associada à esclerose múltipla, uma formulação de utilização por via inalatória através de vaporizador, a flor seca com THC18% que não apresenta todas as indicações descritas acima pois o THC está contra-indicado na infância pela imaturidade do SNC, e mais recentemente, óleos com características e proporções dos teores de THC/CBD diferentes e consequentemente aplicabilidades e indicações que podem variar. Relativamente a custos, as formulações disponíveis na farmácia, ainda não são comparticipadas.

De uma forma sucinta, os principais efeitos clínicos do THC são como analgésico, antiemético, relaxante muscular, ansiolítico e estimulante do apetite e os do CBD são anticonvulsivante, anti-inflamatório, ansiolítico e analgésico.

Para que este tratamento seja implementado de forma adequada é necessário e obrigatório, o acompanhamento médico. Só desta forma pode ser garantida a segurança e eficácia. Da minha prática clínica no âmbito da Medicina da Dor, os doentes têm aderido bem à terapêutica e os resultados têm sido bastante satisfatórios.

 

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