26 Mai, 2023

Rinite. “Passámos do tratamento de alívio para o controlo da inflamação e da doença”

Em quatro décadas, os imunoalergologistas têm assistido a uma evolução terapêutica que caminha cada vez mais para uma medicina personalizada na área da rinite e rinossinusite. Para nos falar do assunto, o SaúdeOnline foi entrevistar Graça Loureiro, Coordenadora do Grupo de Interesse de Rinite/Rinossinusite da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica e imunoalergologista no CHUC.

O que diferencia a rinite da rinossinusite?

A rinite é uma doença inflamatória da mucosa nasal, caracterizada pela presença de obstrução nasal, esternutos, prurido nasal e rinorreia. A rinossinusite refere-se a inflamação com atingimento dos seios perinasais, podendo associar-se a polipose nasosinusal. O diagnóstico de rinossinusite exige a associação de sintomatologia (obstrução nasal, rinorreia, pressão do maciço facial e alterações do olfato, como anosmia ou hiposmia) à presença de dados objetiváveis por nasosendoscopia e/ou tomografia.

 

Costumam coexistir?

A rinite refere-se à inflamação exclusivamente localizada à mucosa nasal. Quando ocorre um envolvimento mais abrangente, que atinge também a mucosa dos seios perinasais referimo-nos a rinossinusite. Desta forma, a terminologia sinusite foi substituída por rinossinusite. Adicionalmente, podem coexistir diferentes tipos de rinite e rinossinusite crónica. Por exemplo, o doente pode ter rinite alérgica e rinossinusite crónica com polipose nasal, sendo que a presença de uma entidade é fator de maior gravidade e pior prognóstico na evolução da outra.

“… admite-se que a rinite alérgica afeta cerca de 30 a 40% da população, atingindo qualquer grupo etário, com maior incidência na infância e adolescência”

Qual a prevalência?

A rinite pode ser classificada consoante a sua causa, designadamente obstrutiva (desvio do septo, hipertrofia dos cornetos, hipertrofia das vegetações adenoides, polipose nasossinusal), infeciosa, hormonal, vasomotora ou inflamatória, designadamente alérgica. Considerando a globalidade destas causas não é conhecida a prevalência da rinite. Mas admite-se que a rinite alérgica afeta cerca de 30 a 40% da população, atingindo qualquer grupo etário, com maior incidência na infância e adolescência. Relativamente à rinossinusite admite-se que atinge 5 a 20% da população geral, sobretudo adultos na 3.ª e 4.ª década de vida.

 

Ao longo destes 40 anos de especialidade, quais os principais avanços nesta área, quer do ponto de vista terapêutico como de conhecimento das patologias?

A rinite alérgica, inicialmente designada “febre dos fenos”, é uma entidade nosológica já identificada no século XIX. Tem sido modelo de estudo da etiopatogenia, imunopatologia e fisiopatologia da doença alérgica, pelo que o contributo deste estudo promoveu avanços no diagnóstico e tratamento da rinite, mas também de outras doenças alérgicas respiratórias como a asma. Esta estratégia englobadora evoluiu com o conhecimento de que a alergia é uma doença sistémica. Adicionalmente, o conceito de United Airway permitiu definir estratégias para o diagnóstico e tratamento concomitante da rinite, da rinossinusite e da asma, que são diferentes fenótipos da mesma doença. Partilham a mesma etiopatogenia multifatorial e os mesmos mecanismos imunopatológicos e avanços recentes permitiram reconhecer endotipos como a inflamação tipo 2 ou inflamação não tipo 2.

Na era da Medicina Personalizada, a Imunoalergologia tem sido exemplo de abordagem do doente com rinite ou rinossinusite, com decisões terapêuticas baseadas em conhecimentos sólidos dos conceitos imunopatológicos subjacentes à doença. Estes avanços permitiram disponibilizar ao doente, inicialmente terapêuticas de alívio e posteriormente terapêuticas dirigidas ao controlo dos sintomas. Disponibilizamos também de imunoterapia específica (vacinas antialérgicas), que é o único tratamento modificador de doença alérgica. Atualmente, o recurso recente a terapêutica com biológicos permitiu otimizar o tratamento de formas graves e não controladas de doença nasosinusal, sendo exemplo dos avanços em Imunoalergologia.

“… a multidisciplinaridade exigida na abordagem do doente com rinite e rinossinusite integra indispensavelmente os cuidados de saúde primários”

A primeira porta de entrada do sistema de saúde é o médico de família ou pelo menos um especialista em MGF. Como vê a interligação entre as duas especialidades?

Os cuidados de saúde primários têm um papel fundamental na abordagem diagnóstica e terapêutica de todos os doentes, sejam do foro da Imunoalergologia ou outra. Os clínicos que se dedicam à MGF representam a acessibilidade do doente aos cuidados de saúde e definem a abordagem diagnóstica e terapêutica inicial do doente. O seu papel é fulcral na precoce e adequada referenciação a cuidados hospitalares. Adicionalmente, são essenciais na abordagem continuada do doente, tanto no contexto de agudizações como na avaliação global de comorbilidades não alérgicas que possam interferir na rinite e ou rinossinusite (como por exemplo DRGE, disfunção da tiroide, diabetes) e ainda na integração de interações medicamentosas. Na visão da Imunoalergologia, a multidisciplinaridade exigida na abordagem do doente com rinite e rinossinusite integra indispensavelmente os cuidados de saúde primários no sentido de rentabilização de custos diretos e indiretos em saúde, mas sobretudo na utilização de linguagens confluentes em benefício do controlo da doença e qualidade de vida do doente com rinite e rinossinusite.

 

Relativamente a estas patologias, o que se pode esperar nos próximos tempos: mais novidades ou a consolidação do que já existe?

A consolidação do que já existe, sem dúvida alguma. Mas o espírito do Imunoalergologista é saber mais, sempre mais e melhor. Passámos do tratamento de alívio para o controlo da inflamação e da doença, focados na otimização da qualidade de vida do doente. Mas é essencial que consigamos esclarecer o fator (ou fatores) que define a perda de regulação imunológica e que desencadeia a cascata inflamatória, de modo a obter terapêuticas emergentes que conduzam à remissão da doença.

Texto: Maria João Garcia

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