24 Mai, 2023

Imunoalergologia. “A distribuição dos recursos revela que não existe equidade”

Anabela Lopes é a presidente do Colégio da Especialidade de Imunoalergologia da Ordem dos Médicos. Em entrevista, destaca os avanços no diagnóstico molecular, mas também critica os problemas de acessibilidade a consultas da especialidade.

Como avalia a evolução da especialidade de Imunoalergologia ao longo destes 40 anos?

A Imunoalergologia é exemplo excelente da evolução científica e clínica da Medicina, porque não é uma especialidade de órgão, mas avalia o doente alérgico de uma forma sistémica, o conceito da alergia como patologia sistémica. Nos últimos 40 anos, ocorreu um desenvolvimento significativo na área de intervenção da Imunoalergologia resultante do recurso à tecnologia molecular, que permitiu um diagnóstico molecular, mais preciso e específico das doenças alérgicas.

Esta tecnologia também permitiu o desenvolvimento de terapêuticas direcionadas, como os anticorpos monoclonais, que vieram revolucionar, do ponto de vista do tratamento, a área de intervenção da Imunoalergologia. Neste aspeto, o imunoalergologista é um médico privilegiado, porque avalia o doente alérgico de forma sistémica com o recurso a uma Medicina de precisão. A evolução científica aprofundou o conhecimento do sistema imunológico e dos mecanismos subjacentes às doenças alérgicas, que permitiu o desenvolvimento de novos tratamentos, como a imunoterapia com alérgenos, que demonstrou ser um tratamento eficaz na rinite e na asma alérgica. Por outro lado, o estudo dos fatores ambientais também permitiu o desenvolvimento de novas estratégias de prevenção e tratamento das doenças alérgicas.

 

O SNS está em crise. De que forma a Imunoalergologia tem sido afetada?

Em tempos de crise, um desafio marcante para o SNS consiste em equilibrar os recursos necessários para fornecer os cuidados de saúde adequados às reais necessidades do doente. As restrições dos orçamentos para a área da saúde são fatores limitantes para a disponibilização de profissionais de saúde, medicamentos e meios de diagnóstico, o que se repercute num tratamento insuficiente das doenças alérgicas. A distribuição dos recursos na Imunoalergologia revela que não existe equidade na acessibilidade das populações. Esta assimetria acentua-se em tempos de crise, com a concentração dos serviços, sobretudo nos grandes centros urbanos. Por outro lado, os tempos de crise são sempre potenciadores da carga de trabalho e stress e, consequentemente, de burnout.

“Há também necessidade de melhorar o acesso dos doentes alérgicos aos serviços de Imunoalergologia, especialmente em áreas geográficas carenciadas”

O que deve melhorar quer do ponto de vista da atividade clínica e de investigação quer no acesso a tratamentos por parte dos doentes ?

Do ponto de vista da atividade clínica, é importante investir na formação dos imunoalergologistas para proporcionar os melhores cuidados de saúde no âmbito do tratamento e prevenção das doenças alérgicas. Esta estratégia inclui um investimento na atualização dos Programas de Formação Especializada em Imunoalergologia. Há também necessidade de melhorar o acesso dos doentes alérgicos aos serviços de Imunoalergologia, especialmente em áreas geográficas carenciadas. Isso inclui aumentar o número de especialistas e de Serviços de Imunoalergologia. Do ponto de vista da investigação, é necessário continuar a investir na investigação dos mecanismos subjacentes às doenças alérgicas e no desenvolvimento de novos tratamentos. É ainda importante garantir que os novos tratamentos estejam disponíveis e acessíveis para todos os doentes alérgicos, independentemente da sua capacidade económica ou localização geográfica.

“… do ponto de vista da otimização da atividade clínica, implica para além da abordagem sistémica do doente alérgico, uma abordagem multidisciplinar entre investigadores, médicos e especialistas do ambiente”

Cada vez mais se fala em One Health por causa do impacto do ambiente, entre outros fatores na saúde. Tendo em conta que dão resposta às doenças alérgicas, considera que quer a clínica como a investigação devem caminhar com base nesta visão mais global?

O conceito One Health baseia-se na interação da saúde humana, saúde animal e ambiente. Os fatores ambientais sempre demonstraram ter um impacto significativo no desenvolvimento e exacerbação das doenças alérgicas. Além disso, a interação entre as doenças alérgicas e a saúde animal é relevante, já que muitos alérgenos são derivados de fontes animais, como animais de estimação, ácaros e insetos. Assim, do ponto de vista da otimização da atividade clínica, implica para além da abordagem sistémica do doente alérgico, uma abordagem multidisciplinar entre investigadores, médicos e especialistas do ambiente, permitindo identificar novas estratégias para prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças alérgicas.

 

Que mensagem gostaria de deixar aos especialistas e internos da especialidade?

A Imunoalergologia é uma área em constante evolução do conhecimento científico, com novos tratamentos, pelo que é vital uma constante atualização técnica, para que seja possível proporcionar os melhores cuidados de saúde em termos de diagnóstico, prevenção e tratamento das doenças alérgicas. É uma área multidisciplinar que envolve um trabalho em equipa com outros profissionais de saúde, como médicos de Medicina Geral e Familiar, pneumologistas, dermatologistas e pediatras, sempre centrada no doente alérgico. Além disso, mantenham sempre a paixão pela aprendizagem, de forma a elevar os níveis de motivação e continuar a proporcionar cuidados de saúde de alta qualidade na prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças alérgicas.

Texto: Maria João Garcia

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