Retorragias e hemorragia digestiva baixa
Assistente graduado sénior de Cirurgia Geral Hospital de Aveiro

Retorragias e hemorragia digestiva baixa

Introdução
O termo hemorragia digestiva baixa (HDB), no propósito deste trabalho, será usado para qualquer sangramento distal à válvula íleocecal, incluindo o reto, sendo que a sua forma mais comum de apresentação é por retorragias ou hematoquésias.

Este sangue pode ser notado nas fezes, no papel higiénico ou na sanita, podendo apresentar-se com uma cor vermelha rutilante ou escura, sob a forma de coágulos ou misturado com as fezes.

No Reino Unido, a HDB tem uma incidência estimada de 33-87/100.000 e responde por cerca de 3% do total das urgências hospitalares.

A taxa de mortalidade hospitalar ronda os 3,4%, embora este número possa aumentar para cerca de 18% nos doentes internados e que desenvolvem hemorragia durante o internamento. Nestes doentes a mortalidade, principalmente nos mais idosos, está geralmente relacionada mais com as comorbidades do que pelo sangramento em si.

A causa mais comum de HDB é a doença diverticular, com uma incidência de cerca de 20% a 34%.

As doenças anorretais são a 2.ª causa mais frequente de HDB.

O sangramento de causa hemorroidária é diagnosticado em cerca de 12 a 21% dos pacientes que recorrem às urgências com queixas de HDB, sendo, regra geral, pequenas hemorragias auto-limitadas. No entanto pode haver hemorragias maciças por doença hemorroidária em pacientes idosos a tomar anticoagulantes.

A HDB não deve ser atribuída à patologia hemorroidária sem que todas as outras causas sejam excluídas.

Outras causas de HDB incluem diferentes tipos de colite, proctite radica, iatrogénica (por exemplo após polipectomia), malformações vasculares e cancro colorretal; de referir, contudo, que 22,8% dos casos de pacientes admitidos no hospital por HDB, têm alta sem que a causa seja determinada.

Diferentes fatores de risco podem precipitar a HDB. Consumo de álcool, tabaco, anti-inflamatórios não esteroides (AINES), aspirina (mesmo em baixas doses) e outros antiagregantes que não a aspirina

Estudos concluíram que os Aines e a Aspirina aumentam significativamente o risco relativo (RR) de sangramento diverticular. Os anticoagulantes orais, como o riveroxabano, estão relacionados com um risco aumentado de sangramento gastrointestinal significativo.

 

Causas de hemorragia digestiva baixa

Causas benignas:

A1: Doença diverticular

A2: Doenças anorretais:

  • Hemorroidas
  • Fissura anal
  • Úlcera solitária do reto
  • Prolapso rectal
  • Proctite rádica
  • Trauma

A3: Lesões vasculares:

  • Angiectasias
  • Telangiectasias
  • Lesão de dieulafoy

A4: Colites:

  • Doença inflamatória intestinal (doença de Crohn, colite ulcerosa)
  • Colite isquémica
  • Colite infeciosa
  • Colites indeterminadas

A5: Pólipos:

  • Adenomas, hamartomas

A6: Iatrogénica:

  • Pós-intervenção endoscópica (polipectomia, mucosectomia endoscópica, disseção sub-mucosa endocscópica)
  • Pós-cirurgia colorretal

A7: Doenças malignas:

  • Cancro colorretal
  • Cancro do canal anal
  • Lesões metastáticas

 

Diagnóstico

 As opções para o diagnóstico da causa da HDB, incluem:

AngioTac, Angiografia seletiva (Artéria Mesentérica), Colonoscopia, Rectosigmoidoscopia e Anuscopia.

 

Formas de apresentação

Os pacientes com HDB podem ser classificados como Estáveis e Instáveis. Os pacientes estáveis podem ainda ser classificados como “hemorragia major e hemorragia minor”.

1 – Os pacientes que se apresentam com sangramento Minor, auto-limitado, e sem outras indicações para admissão hospitalar, podem ter alta com seguimento em Consulta Externa para posterior realização de colonoscopia. A patologia anorretal benigna é responsável por cerca de 16,7% deste tipo de apresentação. Já as doenças neoplásicas respondem por cerca de 6% do total de HDB, pelo que é aconselhável que a colonoscopia seja realizada dentro dos primeiros 15 dias após o episódio, principalmente nos pacientes com idade igual ou superior a 50 anos com retorragias de causa indeterminada.

 

2 – Pacientes que se apresentam com sangramento Major, mas estáveis, devem ser internados para realização de colonoscopia. A colonoscopia é um exame seguro com um grande potencial diagnóstico (42 a 90%) e permite a aplicação de diferentes modalidades terapêuticas para controlo do sangramento, bem como tatuagem de patologias potencialmente cirúrgicas. É recomendada como 1.ª modalidade diagnóstica no paciente com HDB, estável hemodinamicamente, precisamente pelas opções terapêuticas que oferece

 

3 – Os pacientes que se apresentam com sangramento Major e com instabilidade hemodinâmica (hipotensão/taquicardia), após controlo da sua situação clínica, devem realizar uma AngioTac que é o mais rápido e menos invasivo método de diagnóstico para localizar a sede da hemorragia e, eventualmente, de acordo com o resultado, possibilitar terapias invasivas endoscópicas ou radiológicas (embolização).

A AngioTac tem uma sensibilidade de 79 a 95% e uma grande especificidade (95 a 100%) para a deteção de sangramentos com uma velocidade mínima de 0,3 a 1ml/minuto.

A AngioTAc deve ser o exame de 1.ª linha na HDB ativa em paciente com instabilidade hemodinâmica.

 

4 – Quando a Angiotac consegue definir com exatidão a sede da hemorragia, está indicada a angiografia seletiva com embolização da artéria responsável e controlo do sangramento.

A angiografia com embolização deve ser feita o mais breve possível (60 minutosapós a angiotac) para maximizar a possibilidade de visualização do local do sangramento.

O risco de re-sangramento após embolização varia de 10 a 50%

 

5 – A HDB associada à instabilidade hemodinâmica pode ser indicativo de sede da hemorragia no Trato Digestivo Alto (cerca de 15%), principalmente em pacientes com história de úlcera duodenal, hipertensão portal ou uso de antiagregantes ou anticoagulantes. Nestes casos, e após a estabilização do paciente, a endoscopia alta deve ser 1º método de investigação (caso a Angiotac seja negativa).

 

6 – A cirurgia raramente é uma opção terapêutica, sendo recomendado que nenhum paciente deva ser intervencionado cirurgicamente sem que todos os esforços tenham sido feitos para localizar a sede do sangramento, seja por modalidades endoscópicas ou radiológicas, exceto em circunstâncias muito particulares

 

7 – O Sangramento Pós Polipectomia é uma causa de HDB. Como a sede do sangramento já é, à priori, conhecida, a colonoscopia deve ser o 1.º exame de diagnóstico a realizar, mesmo no doente instável (em oposição à Angiotac).

 

8 – Uma última palavra para a Vídeo Cápsula. É um método não invasivo de investigação de hemorragia digestiva que permite avaliar toda a extensão do intestino delgado em cerca de 79 a 90% dos pacientes. É usada nos casos de hemorragia digestiva com endoscopia digestiva alta e colonoscopia não conclusivas. A margem diagnóstica varia entre 50 a 72% dos casos, sendo que a sua acuidade é maior se for feita o mais breve possível (48 horas), após o episódio de hemorragia digestiva.

 

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