PANORAMA-AVC. “57% dos doentes com AVC não têm acesso a internamento em Unidade de AVC logo após o ictus”
Os resultados do projeto PANORAMA-AVC foram discutidos por Denis Gabriel, médico neurologista na Unidade Local de Saúde (ULS) de Santo António, que foi um dos oradores do 18º Congresso Português do AVC. Em entrevista, o também membro da Direção da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral (SPAVC) fala sobre o impacto do projeto a nível do presente e do futuro.
Em que consiste o projeto PANORAMA-AVC?
O PANORAMA-AVC consiste num desafio lançado ao grupo de trabalho J-SPAVC (“J” de jovem) de organizar um estudo que nos facultasse uma perspetiva sobre os cuidados aos doentes com AVC em Portugal. O estudo centrou-se na acessibilidade a unidades e tratamentos diferenciados e grau de diferenciação de cuidados, quer durante o internamento, quer após, com especial enfoque no acesso a consultas e a reabilitação. Adicionalmente, preocupamo-nos em ter uma métrica de “valor dos cuidados de saúde”, na medida em que questionamos os doentes relativamente à sua experiência em relação aos cuidados recebidos e resultados.
Com a crescente complexidade de tratamentos que vieram melhorar o prognóstico funcional e mortalidade dos doentes com AVC isquémico, a comunidade de profissionais de saúde tem vindo a demonstrar preocupação com a qualidade e alcance dos cuidados, também naqueles com AVC hemorrágico.
“A 30 de maio 2023 conseguimos realizar um estudo onde incluímos 738 doentes com AVC agudo ou subagudo, internados em 59 hospitais do SNS, e segui-los, prospetivamente, ao longo de 6 meses.”
Quais os primeiros resultados e o impacto deste projeto?
Os resultados preliminares, infelizmente, comprovam o que receávamos. Mais de metade (57%) dos doentes com AVC não têm acesso a internamento em Unidade de AVC logo após o ictus (o alvo será > 90% nos próximos anos). Por outro lado, 11% não tiveram orientação por médico de Medicina Física e de Reabilitação em internamento por incapacidade de resposta e mais de metade não tiveram acesso a consultas de reavaliação pós-AVC aos 3 meses. Aos 6 meses, esta proporção mantinha-se entre os 40 e os 50%.
Por outro lado, no que diz respeito ao alcance dos tratamentos de reperfusão do AVC isquémico (trombectomia mecânica e trombólise), observámos que a proporção dos tratamentos realizados está de acordo com os mínimos recomendados a nível europeu ou até acima, no caso da trombectomia. Em geral, os níveis de satisfação com os cuidados de reabilitação ou em consultas de seguimento, quando existentes, é elevada.
Estes resultados revelam que, apesar do grande esforço realizado na implementação e acessibilidade e tratamentos de reperfusão na fase hiperaguda, temos outros aspetos a melhorar, quer durante o internamento, quer durante o seguimento, com muito impacto no prognóstico funcional e mortalidade. Isto pode ser importante para melhorar a proporção de bom prognóstico funcional aos 3 meses (funcionalmente independente), que ficou por pouco mais de 1/3 (36%).
O que se prevê a nível futuro para o projeto?
Naturalmente, com a apresentação pública dos primeiros resultados recebemos muito feedback. Há várias propostas e comentários que teremos de analisar e que poderão influenciar, por exemplo, a decisão de estender o estudo por mais 6 meses. Compete agora a todos os investigadores e, em especial, à J-SPAVC, que se proceda à análise de toda a informação recolhida com o objetivo de percebermos onde estão as maiores dificuldades e as oportunidades de melhoria.
“Existem propostas de subanálise que vão ser realizadas brevemente, esperando que os resultados possam ser úteis para informar corretamente os decisores políticos e contribuir para uma mudança positiva nos cuidados aos doentes com AVC.”
CG
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