“Os clínicos devem procurar ativamente sintomas sugestivos de doença pulmonar obstrutiva crónica”
A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) é a 5.ª causa de morte em Portugal. O pneumologista Bruno Cabrita alerta para a necessidade de os médicos estarem alerta para determinados sintomas, já que se trata de uma patologia subdiagnosticada.

Qual a prevalência da DPOC?
A prevalência da DPOC varia em função dos critérios diagnósticos utilizados. Com base numa meta-análise de 2024, a prevalência mundial descrita em adultos com mais de 40 anos varia entre 7.4% e 12.6% (considerando valores espirométricos baseados nos limites inferiores da normalidade ou em valores fixos, respetivamente). Em Portugal, de acordo com a Sociedade Portuguesa de Pneumologia, os dados disponíveis apontam para uma prevalência estimada de 14% nesta população acima dos 40 anos, embora estejam a decorrer estudos para uma aferição atualizada. A DPOC é uma das três principais causas de morte em todo o mundo e é mais prevalente em homens, fumadores e com idade avançada.
O tabagismo continua a ser a principal causa da doença?
A exposição ao tabagismo é a principal causa de DPOC. No entanto, outras causas são fatores de risco muito importantes a considerar, tais como inalação de partículas tóxicas e gases, decorrentes de exposições ocupacionais, da poluição ou até mesmo dentro de casa (como lareiras ou fogões a lenha). Para além destas causas, predisposições individuais são fatores relevantes, como alterações no desenvolvimento pulmonar, envelhecimento precoce ou alterações genéticas raras, como o défice de alfa-1 antitripsina.
O que se pode fazer para mudar essa realidade?
Atendendo a que a principal causa é o tabagismo, a evicção tabágica torna-se essencial e a medida mais eficaz contra o aparecimento da doença. Isto é válido para fumadores ativos ou passivos. Políticas antitabágicas e o papel instrutivo das sociedades médicas, como a Sociedade Portuguesa de Pneumologia, ajudam a sensibilizar a população e a minimizar os níveis de consumo. Exposições profissionais devem ser minimizadas utilizando máscaras de proteção adequadas.
“Os principais sintomas da DPOC são o surgimento de tosse crónica, habitualmente matinal e com expetoração, muitas vezes acompanhada por dispneia no esforço, fadiga e por vezes sibilos”
A que sintomas precoces se deve estar atento?
Os principais sintomas da DPOC são o surgimento de tosse crónica, habitualmente matinal e com expetoração, muitas vezes acompanhada por dispneia no esforço, fadiga e por vezes sibilos. Os doentes queixam-se de limitação nos esforços físicos mais intensos, e à medida que a doença progride, em atividades cada vez mais banais como subir escadas, vestir a roupa ou tomar banho. As exacerbações da doença também fazem parte da história natural da doença, podendo levar a um agravamento funcional mais acelerado.
Nunca é de mais relembrar que a DPOC e o cancro do pulmão partilham fatores de risco comuns (como o tabagismo) e pode existir sobreposição entre as patologias. Estima-se que 8.5% dos doentes com DPOC têm cancro do pulmão. Assim, embora seja uma patologia “silenciosa” e que se diagnostica frequentemente em fases muito tardias, o surgimento inexplicado de anorexia, perda de peso e agravamento da fadiga habitual devem levantar a suspeita e levar o doente a procurar avaliação médica.
Deveria haver mais rastreios em grupos de risco?
A DPOC continua subdiagnosticada a nível global. É fundamental sensibilizar e alertar a população para esta doença para que seja diagnosticada e tratada o mais precocemente possível. Os doentes tendencialmente desvalorizam os sintomas, por serem crónicos. Por isso, enquanto clínicos, devemos procurar ativamente sintomas sugestivos, associados a fatores de risco conhecidos como hábitos tabágicos ou profissões de risco. Nestes casos, basta um exame tão simples, barato e não-invasivo como uma espirometria para fazer o diagnóstico, se revelar obstrução do fluxo de ar (relação FEV1/FVC diminuída). O acesso a este exame deveria ser praticamente rotineiro nos adultos com sintomas e fatores de risco, a partir dos 40 anos.
Outros métodos complementares de diagnóstico, como exames de imagem (radiografia ou TC torácica), são úteis para melhor caracterizar a doença – ao detetar enfisema pulmonar, por exemplo. Para além disso, a TC de baixa dose tem ganho uma relevância clínica crescente na perspetiva de deteção precoce do cancro do pulmão. A Organização Mundial de Saúde recomenda ainda o rastreio de défice de alfa-1 antitripsina em todos os doentes com DPOC.
“A Reabilitação Respiratória é uma forma de tratamento fundamental para todos os doentes sintomáticos. Assenta em dois pilares essenciais que são a educação e o treino de exercício físico”
Quais os tratamentos que existem atualmente?
Em primeiro lugar, todos os doentes devem ser incentivados a deixar de fumar, se necessário, com apoio farmacológico e adequado acompanhamento em consulta dedicada (existente a nível dos cuidados de saúde primários ou a nível Hospitalar). Outras exposições ambientais ou profissionais relevantes que possam contribuir para a doença devem cessar. Em termos de tratamento farmacológico, para reduzir os sintomas e atrasar a progressão da doença, dispomos de terapêutica broncodilatadora na forma de inaladores, que devem ser realizados assiduamente. Alguns doentes, sobretudo os exacerbadores e com eosinofilia periférica, podem beneficiar da associação com corticosteroides inalados em baixa dose. Em casos mais graves, as trocas gasosas podem estar severamente alteradas e o doente desenvolver insuficiência respiratória, necessitando de oxigenoterapia de longa duração e/ou de deambulação, bem como de ventilação não-invasiva para correção destes distúrbios.
A Reabilitação Respiratória é uma forma de tratamento fundamental para todos os doentes sintomáticos. Assenta em dois pilares essenciais que são a educação e o treino de exercício físico. Para além de diminuir sintomas e melhorar a qualidade de vida dos doentes, capacita-os de conhecimento e competências necessárias a cuidar e gerir a sua doença. Está associada a melhor sobrevida. Outros tratamentos ajudam a prevenir exacerbações, como vacinação antigripal e antipneumocócica. Nas exacerbações, podem ser necessários antibióticos ou corticosteroides sistémicos para controlar a doença.
Deve haver maior aposta na investigação em DPOC ou é uma área na qual se tem apostado?
A DPOC continua a ser uma área muito estudada e em constante evolução. Anualmente são lançadas novas guidelines de tratamento e regularmente são desenvolvidas novas formas de tratamento como, por exemplo, novos inaladores ou até mesmo realizados estudos com terapêuticas biológicas na DPOC. No caso da Reabilitação Respiratória, a evidência científica do seu benefício é já tão robusta que já não é considerado ético realizar mais estudos randomizados com grupos de controlo, aos quais não se oferece esta terapêutica. No entanto, ainda pouco se sabe sobre a estratégia ideal e mais estudos são constantemente encorajados.
MJG
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