24 Jun, 2022

Ordem lamenta que enfermeiros não possam seguir gravidezes de baixo risco

A bastonária dos enfermeiros diz que, se a medida tivesse sido aplicada, “metade das questões” que se têm colocado nas últimas semanas nas urgências de obstetrícia estaria amenizada.

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros (OE) lamenta que Portugal nunca tenha transposto uma diretiva comunitária que permitiria aos enfermeiros especialistas em saúde materna seguir autonomamente as gravidezes de baixo risco, aliviando a pressão das urgências hospitalares.

Existe uma diretiva comunitária já com alguns anos que determina – e a maioria dos países assim o fez – que estes enfermeiros especialistas detêm competências para seguir autonomamente a gravidez de baixo risco nos centros de saúde”, mas que nunca foi transposta em Portugal, adiantou à agência Lusa Ana Rita Cavaco.

Segundo a bastonária, se esta regulamentação comunitária tivesse sido aplicada em Portugal, “metade das questões” que se têm colocado nas últimas semanas nas urgências de obstetrícia e ginecologia e bloco de partos, devido à falta de médicos para completar as escalas de serviços, estaria amenizada.

“Se esta diretiva tivesse sido transposta, significaria que as grávidas teriam um seguimento normal e regular nos centros de saúde das gravidezes de baixo risco, recorrendo muito menos à urgência” dos hospitais, adiantou Ana Rita Cavaco, ao salientar que muitas mulheres recorrem aos hospitais por falta de acesso aos cuidados primários.

Recentemente, o Observatório de Violência Obstétrica também lamentou a “total dependência” dos hospitais dos médicos especialistas, defendendo que deveria ser dada mais autonomia aos enfermeiros de saúde materna e obstetrícia no acompanhamento das grávidas.

“Os serviços são organizados com total dependência de médicos especialistas, ao invés de ser dada autonomia aos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia (EESMO), o que resulta num total colapso do sistema de apoio às mulheres grávidas em todas as fases do seu acompanhamento”, adiantou o observatório em comunicado.

De acordo com a Ordem dos Enfermeiros (OE), existem em Portugal 3.182 enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia.

A diretiva de janeiro de 1980 indicava que os Estados-membros deveriam assegurar que esses profissionais de saúde se encon­travam habilitados para, entre outras funções, pedir exames como ecografias e prescrever medicamentos tomados habitualmente durante a gravidez.

Ana Rita Cavaco explicou que esses profissionais de saúde fazem as consultas às grávidas nos centros de saúde, mas depois para “ter o papel dos exames e a receita dos medicamentos têm de andar atrás dos médicos a pedir isso”.

“É possível que o enfermeiro especialista já faça isso tudo sem o médico ver a pessoa, mas o enfermeiro continua dependente do médico para fazer a parte burocrática, o que não faz sentido absolutamente nenhum”, sublinhou a bastonária.

Além disso, são os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia que, na maior parte dos hospitais do país, fazem os partos normais, salientou a bastonária, ao considerar que a diretiva comunitária, que permitiria uma melhor organização, “não tem andado para a frente porque os médicos nunca quiseram que andasse”.

De acordo com Ana Rita Cavaco, os médicos “nunca quiserem que se fizesse a transposição da diretiva” porque entenderam que, desta forma, os enfermeiros estariam a “entrar no seu campo de competências”.

“Há competências que são partilhadas entre os vários profissionais de saúde. Temos competências que são partilhadas com os médicos. A vacinação é dos enfermeiros, mas isso não exclui que os médicos possam vacinar”, alegou a enfermeira.

Segundo disse, o Serviço Nacional de Saúde debate-se também com outras “questões estruturais”, que não podem estar focadas apenas nas matérias salariais de uma classe profissional, e que dizem respeito à organização.

“Se quisermos olhar só à questão do dinheiro, estes enfermeiros especialistas em saúde materna que trabalham nos hospitais, e que não tiveram acesso à categoria de enfermeiro especialista na carreira, ganham 900 e tal euros por mês líquidos e, no entanto, têm 20 anos de profissão”, alertou a bastonária.

Segundo a bastonária, Portugal está acima da média dos países da OCDE no número de médicos por 100 mil habitantes, ao contrário do que se verifica com os enfermeiros.

“Não se pode continuar a fazer de conta que os bancos de 24 horas [feitos por médicos] são pontuais, que não existem tarefeiros com um no Algarve que ganhou 326 mil euros num ano. Não vale a pena tapar o sol com a peneira”, alertou Ana Rita Cavaco.

A OE indicou na quarta-feira a sua representante para a comissão de acompanhamento criada pelo Ministério da Saúde em resposta à crise nos serviços de urgência de obstetrícia e ginecologia, que é a presidente do Colégio de Saúde Materna e Obstetra da ordem e chefe da obstetrícia do hospital da Póvoa do Varzim.

Nos últimos dias, vários serviços de urgência de obstetrícia e ginecologia e bloco de partos de vários pontos do país tiveram de encerrar por determinados períodos ou funcionaram com limitações, devido à dificuldade dos hospitais em completarem as escalas de serviço de médicos especialistas.

SO/LUSA

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