OBESIDADE: doença, estigma e inércia
Médico Especialista em Medicina Geral e Familiar/Presidente da Assembleia Geral da Associação de Internos de MGF da Zona Norte

OBESIDADE: doença, estigma e inércia

Falar sobre obesidade é falar de um problema de saúde que afeta milhões de pessoas por todo o mundo, um dos mais prementes da nossa época. As suas implicações vão muito além dos números ditados numa balança e são cerca de duas centenas as outras doenças ou complicações associadas à obesidade, entre neoplasias, doenças mentais, mecânicas e metabólicas. Além da grande preocupação com o impacto nas reduções de esperança e qualidade de vida, contabilizam-se milhões de euros despendidos anualmente, suficientes para cobrir a soma dos orçamentos anuais de três dos maiores hospitais portugueses.

Falar sobre obesidade é, definitivamente, falar sobre doença crónica. Assim, importa perceber porque não tem sido abordada como tal e, sobretudo, porque se mantém

subtratada. Um dos principais desafios da obesidade é o estigma associado. De forma explícita, implícita ou autodirigida, o preconceito conduz a julgamentos negativos sobre a personalidade, inteligência ou capacidade de uma pessoa com obesidade, bem como discriminação no local de trabalho, na escola e no atendimento médico. É importante reconhecer que a obesidade é uma doença complexa com múltiplas causas, incluindo fatores genéticos, ambientais e comportamentais. Não resulta do simples balanço entre energia consumida vs gasta, da preguiça, da falta de autocontrolo ou vontade da pessoa.

A ausência deste conhecimento ou de empatia para cada caso, assim como a responsabilização exclusiva do comportamento individual, empurra os profissionais de saúde para um risco acrescido de negligência dos melhores cuidados. Da mesma forma, as crenças e preconceitos autodirigidos resultarão num maior impacto na saúde física e mental da pessoa com obesidade. Multiplicam-se os relatos sobre o “tem que perder peso” ou “coma menos e exercite-se mais”, sem nunca se chegar verdadeiramente ao cerne da questão. Outras doenças crónicas importantes, como a diabetes mellitus ou a hipertensão, não são abordadas ou tratadas desta forma.

Nesta linha de pensamento, o tratamento farmacológico da obesidade em Portugal mantém-se atrasado relativamente à robusta evidência científica atual. Os apoios governamentais continuam a não refletir investimento neste problema, que é umas das principais causas de outras doenças graves, com forte impacto na saúde dos indivíduos e na esfera socioeconómica do país. Assim, incorremos no risco de se verificarem novas situações de aplicação errada de estratégias terapêuticas, sobretudo farmacológicas, e perdemos a oportunidade de discutir a verdadeira importância do tratamento da obesidade.

A montante de todo o plano estratégico, será importante o reforço da prevenção e educação para saúde, formação adequada dos profissionais, medidas governamentais e abordagens multidisciplinares de apoio às pessoas com obesidade.

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