O Tratamento da Obesidade – Presente e Futuro
Endocrinologista, Centro Hospitalar Universitário de São João; Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; I3S; Porto

O Tratamento da Obesidade – Presente e Futuro

A obesidade é uma doença crónica, complexa, multifatorial e recidivante. O tratamento da obesidade pode dividir-se em três pilares fundamentais: as intervenções na modificação do estilo de vida ou intervenções comportamentais (dieta, atividade e exercício físico, gestão do sono e do stress), terapêutica farmacológica e terapêutica cirúrgica. A modificação do estilo de vida é um dos alicerces fundamentais da intervenção no tratamento da obesidade isoladamente ou em associação à terapêutica farmacológica ou cirúrgica. Mas, cada vez mais a terapêutica farmacológica tem um papel fundamental antes, imediatamente antes e após a terapêutica cirúrgica.

 A obesidade ou melhor a adiposopatia é uma doença que deve ser tratada, tal como todas as outras doenças. De uma forma geral, a intervenção farmacológica associada à modificação do estilo de vida é uma opção terapêutica para uma grande percentagem de doentes com obesidade (IMC ≥ 30 Kg/m2) ou sobrecarga ponderal (IMC ≥ 27 Kg/m2) com comorbilidades associadas. As guidelines Canadianas e os quatro fenótipos de obesidade de Acosta [Hungary Brain (caracterizado pelo excessivo consumo de calorias até terminar uma refeição); Emotional Hunger (comer hedónico, caracterizado pelo comer emocional, cravings, comer em busca de comportamentos de recompensa, apesar de ter um comportamento homeostático de comer normal); Hungry Gut (caracterizado por um redução da duração de plenitude, quantificado objetivamente por um esvaziamento gástrico rápido); Slow Burn (diminuição da taxa metabólica em repouso, redução da atividade física e exercício e menor massa muscular)] orientam para uma personalização da terapêutica. No entanto, neste momento, em Portugal, dispomos apenas de três fármacos aprovados pela EMA (orlistato, liraglutido 3.0 mg e naltrexona/bupropiom). A naltrexona/bupropriom é o ideal para os doentes com fenótipo de “Fome Emocional”, já que o bupropiom estimula a atividade dos neurónios POMC e a libertação de α-MSH, que se liga a recetores que conduzem a uma menor ingestão de alimentos e, potencialmente, ao aumento do gasto energético. Por outro lado, pensa-se que a naltrexona e o bupropiom têm efeitos nos circuitos mesolímbicos que influenciam as vias de recompensa, o que poderá reduzir os desejos por alimentos (cravings).

O liraglutido 3.0 mg é o fármaco de primeira linha nos doentes com obesidade ou pré-obesidade com apneia do sono ou comorbilidades cardiovasculares, como por exemplo, hipertensão, dislipidemia, pré-diabetes e diabetes e tem um bom perfil de segurança, que atua sobretudo na regulação da fome homeostática e no Hungry Gut.

O orlistato, segundo as novas guidelines é um fármaco de segunda ou terceira linha, para associar ou em alternativa aos outros, quando estes estejam contraindicados ou se o doente for intolerante.

Estes são os três fármacos do nosso presente.

Alguns países europeus já têm disponível no presente, o semaglutido 2.4 mg, que será para nós o futuro próximo.

 O semaglutido 2.4 tem um vasto programa – STEP – que avaliou a segurança e a eficácia em várias populações – doentes com e sem diabetes mellitus tipo 2, doentes com e sem doença cardiovascular, diferentes populações quer a nível global como regional (Asia e China), crianças e adolescentes e demonstrou que está associado a consideráveis perdas de peso.  É ainda com grande expectativa que aguardamos este ano, os resultados do SELECT (Semaglutide for Cardiovascular Event Reduction in People with Overweight or Obesity) que avalia os efeitos do semaglutido 2.4 mg na doença coronária e acidente vascular cerebral em doentes com obesidade ou excesso ponderal. Se no SELECT, o semaglutido demonstrar redução dos eventos cardiovasculares (como todos esperamos), impactará de imediato nas recomendações ou guidelines de tratamento com os agonistas do recetor do GLP-1R e nas pessoas com obesidade e doença cardiovascular já estabelecida.

Também no futuro, poderemos contar com o cagrilintido que é um análogo da amilina de longa ação. A amilina é como sabemos uma hormona pancreática que induz saciedade. O tratamento com cagrilintide em pessoas com sobrecarga ponderal ou obesidade já demonstrou originar reduções significativas de peso corporal e ser bem tolerado. Também o tratamento concomitante com cagrilintide e semaglutide 2·4 mg demonstrou ser eficaz na perda ponderal, bem tolerado e com um bom perfil de segurança.

Também é com enorme expectativa que todos aguardamos a próxima geração de incretinas, nomeadamente os agonistas duais e tri-agonistas.

O agonista duplo do receptor GIP/GLP-1 de molécula única que pode permitir uma fisiologia melhorada sobre a soma de seus componentes agonistas individuais – a Tirzapatida – que se liga a ambos os recetores GIP e GLP-1. De uma forma muito sumária, o programa SURPASS em doentes com diabetes mellitus tipo 2 e os excelentes resultados da Tirzapatida em doentes com obesidade (SURMOUNT trials), com perdas ponderais médias de 20,9 Kg e em que 96,2% dos doentes perderam ≥ 5% do peso corporal e 90,1% ≥ 10%; 78,2% ≥ 15%; 62,9% ≥ 20% e 39,7% dos doentes perderam ≥ 25% do peso corporal.  Na minha opinião, estes resultados podem rivalizar com a cirurgia bariátrica.

O setmelanotido é outro fármaco que está aprovado para o tratamento de obesidade associada a distúrbios genéticos raros, como: obesidade por deficiência de POMC, obesidade por deficiência no recetor da leptina, síndrome de Prader-Willi, síndrome de Bardet-Biedl, síndrome de Alström, assim como nas formas de obesidade por deficiência heterozigótica da POMC e distúrbios epigenéticos da POMC. O setmelanotido é uma terapêutica de substituição de deficiências nas vias do recetor MC4 encontradas em obesidade associada a distúrbios genéticos raros.

Novos fármacos ainda em diferentes fases de desenvolvimento, terão certamente o potencial de expandir de uma forma muito vasta as novas opções terapêuticas anti-obesidade de forma a melhorar as opções de tratamento e fazer uma abordagem personalizada. Oxalá surjam rapidamente novas armas terapêuticas para tentarmos ganhar esta luta contra a obesidade.

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