22 Mar, 2023

“Na última década assistimos a um esvaziamento dos serviços públicos de Dermatologia”

Paulo Filipe, presidente da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV), falou do estado da Dermatologia no Serviço Nacional de Saúde e das medidas que considera que deveriam ser tomadas, no sentido de se fixar estes especialistas nos serviços públicos.

Como avalia o estado da Dermatologia no SNS?

A Dermatologia está a atravessar uma fase difícil no SNS. Na última década assistimos a um esvaziamento dos serviços públicos de Dermatologia, com a saída e/ou fixação da maioria dos dermatologistas antigos e recém-especialistas em hospitais privados.

Mais recentemente, há uma tendência para a abertura de clínicas privadas de pequena dimensão fora dos grandes grupos de saúde. Refiro que no período pandémico covid-19 houve uma redução da oferta no setor privado a que se seguiu um recrudescimento notável, tanto da procura, como da oferta dos serviços de saúde na pós-pandemia, acentuando-se desse modo a saída de dermatologistas e outros profissionais de saúde do SNS.

 

Qual a percentagem de dermatologistas que trabalha exclusivamente no SNS?

Cerca de 1/3 dos dermatologistas nacionais trabalham no SNS, mas só uma ínfima parte em exclusividade. A maioria acumula funções no SNS e no setor privado.

 

Nos últimos anos tem crescido a procura por consultas de Dermatologia. Como se compatibiliza essa procura (e o eventual aumento das patologias dermatológicas) com a falta de recursos no SNS?

Não podemos afirmar taxativamente que há um aumento de doenças dermatológicas, embora em relação ao cancro cutâneo isso seja uma tendência, em virtude de fatores externos relacionados, por exemplo, com a exposição solar.

Mas, há uma maior atenção às alterações da pele provocadas, não apenas por doenças, mas também pelo envelhecimento natural da pele. Esse foco na pele advém de muitos fatores sociológicos, mediáticos, etc., que não vamos esmiuçar aqui.

Os recursos do SNS devem ser geridos de forma razoável e com o bom senso necessário para cumprir a Constituição da República Portuguesa, no que diz respeito ao direito ao acesso universal aos cuidados de saúde. Houve necessidade de realização de consultas e cirurgias adicionais fora dos horários laborais, para se conseguir dar resposta atempada aos problemas.

 

De que forma a carência de dermatologistas no SNS prejudica a formação de internos?

A medicina em geral, onde se incluem as especialidades médicas, requer não só conhecimentos teóricos, mas práticos que só são possíveis através do contacto com os doentes e a experiência dos médicos mais velhos.

Isto porque a curva de aprendizagem e o reconhecimento de padrões clínicos dermatológicos é lento. Se não há dermatologistas seniores não pode haver formação adequada dos internos que entram na especialidade.

 

Na realidade nacional, há ainda grandes hospitais sem capacidade de respostas em Dermatologia? Quais os casos mais críticos neste momento?

Os casos mais críticos são os hospitais do sul do país, Alentejo e Algarve, onde não há dermatologistas no SNS ou os poucos que existem estão em final de carreira. Mas, também, há carências no interior norte e centro e nas ilhas.

“Os casos mais críticos são os hospitais do sul do país, Alentejo e Algarve, onde não há dermatologistas no SNS ou os poucos que existem estão em final de carreira.”

Na sua opinião, que medidas seria necessário tomar para aumentar a atratividade do SNS na Dermatologia e fixar especialistas?

Temos de analisar as causas que levaram ao êxodo dos dermatologistas do SNS. Certamente, uma das mais importantes foi a diferença salarial face ao que se pratica no setor privado. Ao haver mais oferta de emprego nos hospitais privados com melhores salários as pessoas optam por essa modalidade. Outro fator tem a ver com as carreiras médicas e a satisfação no trabalho.

A sobrecarga horária e assistencial condiciona a formação médica contínua e a atualização dos médicos, limitando o tempo de descanso, de estudo, a vida pessoal, a atividade científica e a marcação de férias. Esta é uma realidade de muitos médicos que continuam a dedicar-se ao SNS em Portugal. Ao invés de recompensados, sentem-se penalizados.

O controlo rígido dos horários numa atividade como a nossa, em que os tempos de consulta ou a necessidade de acorrer a situações urgentes são imprevisíveis, também contribuiu para o descontentamento das pessoas que procuram no setor privado outro tipo de gestão, mais virada para a produtividade do que para o controlo horário. Ao mesmo tempo assistimos a uma sobrecarga burocrática crescente em que os dermatologistas são obrigados a preencher impressos relacionados com tarefas que nada têm a ver com a sua especialidade. Estou a referir-me, por exemplo, aos pedidos de transporte para os utentes que se deslocam às consultas (uma tarefa que devia caber ao serviço social…), os atestados de incapacidade, que anteriormente eram assegurados pelas juntas médicas, etc.. Desejamos que a inovação tecnológica funcione como aliada do nosso dia-a-dia, não como mais uma sobrecarga de milhares de cliques por consulta ou ato médico…

O mesmo em relação a novos equipamentos que possa melhorar a qualidade dos cuidados prestados. Por fim, sugerimos desburocratizar as contratações de novos especialistas em tempo útil.

 

Texto: Sílvia Malheiro

Notícia relacionada

Dermatologia: Inteligência artificial, estética, teledermatologia e investigação são os maiores desafios

Print Friendly, PDF & Email
ler mais
Print Friendly, PDF & Email
ler mais