17 Mai, 2021

Metade de pessoas que perderam familiares em risco de perturbação prolongada

Estudo português pretendeu perceber de que forma estas pessoas foram afetadas pelas restrições no acompanhamento aos doentes em fim de vida e cerimónias fúnebres.

Os resultados preliminares de um estudo sobre o luto durante a pandemia realizado por investigadores portugueses revelam que 58% das pessoas que perderam familiares durante a pandemia de covid-19 apresentam risco de perturbação de luto prolongado (PLP).

Um grupo de investigadores de quatro universidades portuguesas está a realizar um estudo nacional sobre o impacto no luto das medidas restritivas durante o primeiro estado de emergência devido à pandemia de covid-19 tendo agora a intenção de incluir nesta análise dados mais recentes.

A investigação está a ser realizada por investigadores da Universidade de Lisboa, Coimbra, Minho, Universidade Lusíada de Lisboa e dos agrupamentos de centros de saúde de Gaia e de Espinho/Gaia.

O objetivo é conhecer de que forma as pessoas que perderam alguém próximo durante este período foram afetadas pelas restrições durante o acompanhamento aos doentes em fim de vida, momento da morte, cerimónias fúnebres e rituais de luto e de que forma isso influencia a sua adaptação à perda.

Mayra Delalibera, psicóloga e uma das coordenadoras do estudo explicou em declarações à agência Lusa que participaram 225 enlutados de Lisboa, Porto, Setúbal, Santarém, Leiria, Évora e Coimbra, que perderam alguém desde o início da pandemia até 2021.

Os participantes eram maioritariamente (85%) do sexo feminino, com uma média de idade de 44 anos e destes 55% viviam no distrito de Lisboa e Vale do Tejo.

Relativamente à perda, 40% dos participantes perderam um dos pais (pai ou mãe), 23% perderam o avô/avó, 9% perderam o cônjuge, 5% perderam um amigo e os restantes 23% perderam algum outro familiar.

A grande maioria dos participantes referiu sentir-se muito limitado devido as restrições impostas pela pandemia.

Do total de participantes 58% apresentam risco de perturbação de luto prolongado, o que, explicou a investigadora, deveria ser alvo de acompanhamento psicológico uma vez que estas pessoas denotam maior angústia e uma dificuldade em lidar com a perda.

Quando neste processo foram identificados sintomas de Perturbação de Luto Prolongado, explicou Mayra Delalibera, os entrevistados foram contactados pelos investigadores que disponibilizaram contactos para apoio especializado.

Por outro lado, 78% dos inquiridos consideram que a perda foi um evento traumático como consequência, por exemplo, de não terem estado presentes no momento da morte, de não terem feito o velório e o funeral e por não lhe ter sido permitido ver o corpo.

“Deixei o meu pai nas urgências e nunca mais o vi. Esta é uma das frases que ouvimos”, disse a investigadora.

Contudo, as restrições na fase do cuidar e funeral não estão correlacionadas com sintomas de trauma e risco de luto prolongado, mas o impacto psicológico dessas medidas sim, o que significa que não é o evento em si que é perturbador, é a forma como o indivíduo o experiencia.

Segundo o estudo, 66% dos participantes referiram sentirem-se muito limitados em estar presente no momento da morte, 64% em ver e/ou tocar o corpo do falecido, 69% sentiram-se muito limitados em realizar o velório e 75% muito limitados em ter a presença das pessoas que desejavam durante o funeral.

Questionados sobre o apoio que receberam no período de luto, apenas 16% referiram ter recebido algum por parte do médico de família, 25% do psicólogo e 15% de um líder espiritual/ religioso.

O apoio prestado foi maioritariamente por telefone e 61% consideram que foi muito útil.

Três quartos dos participantes sentiram-se muito limitados em poder visitar o seu familiar e em poder estar presente e acompanhar o fim de vida, 69% sentiram-se muito limitados em despedirem-se do seu familiar, 62% sentiram-se muito limitados na comunicação com o seu familiar, 47% sentiram que não recebiam informação suficiente sobre o estado de saúde do seu familiar e 51% perceberam uma grande limitação para poderem receber apoio dos profissionais de saúde.

Em 53% dos casos o falecido era do sexo masculino e tinha uma média de idade de 75 anos.

A maioria faleceu no hospital (55%), 13% em outras instituições de saúde, 21% em casa, 9% num lar e a principal causa de morte foi doença oncológica (43%).

Segundo o estudo, apenas 17,5% dos falecidos foram diagnosticados com covid-19.

O tempo médio de luto quando responderam ao questionário era de cinco meses, 98% dos enlutados referiram que tinham uma relação de grande proximidade com a pessoa que faleceu e 73% dos enlutados viviam com a pessoa falecida.

Segundo os investigadores, embora normativa, a perda de uma pessoa significativa é geralmente muito dolorosa e, em alguns casos, reveste-se de sintomatologia emocional e física que, pela sua intensidade e persistência, implica atenção médica.

Estima-se que, na população geral de enlutados, 10& a 20% apresentam sintomas de perturbação de luto prolongado que se caracteriza por manifestações de intensa dor emocional, forte anseio e dificuldade em aceitar a perda, perda de interesse e do sentido de vida, bem como incapacidade social e funcional que se mantêm para além dos seis meses após a morte.

LUSA

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