Literacia em saúde. “Optar-se por uma linguagem simples, não significa ser-se simplista”
O “Manual de Literacia em Saúde – Princípios e Práticas” é o “primeiro” a ser publicado em Portugal, como faz questão de frisar Cristina Vaz Almeida, presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS). Com esta obra, a SPLS quer dar a conhecer boas práticas e alertar para as mais-valias de se ter cidadãos capacitados.
Que avaliação faz da literacia em saúde em Portugal?
Há um antes e um depois do inquérito de 2016, da autoria da Dr.ª Rita Espanha (ENSP). Ora, na altura, concluiu-se que 60% das pessoas tinham baixa literacia em saúde, ou seja seis milhões de portugueses não conseguiam aceder, compreender e usar os recursos de saúde. Esta percentagem era extremamente preocupante. Entretanto, novos dados sugerem que houve alguma melhoria desde 2016, mesmo que pequena, já que se mantém 40 a 50% da população com baixa literacia em saúde. Isto revela que houve um esforço e algum investimento nos últimos tempos, mas não podemos parar. As pessoas continuam a ter muita dificuldade em navegar na complexidade do sistema de saúde. Logo, tem de ser o próprio sistema que se tem de adaptar à pessoa e tornar-se mais simples e não o inverso.
De que forma?
Deve-se começar logo por adotar uma linguagem mais acessível, para o cidadão saber como se navega no sistema – por exemplo, como e quando deve ir a uma urgência hospitalar. Esta educação para a saúde e literacia deve envolver todos, não somente profissionais de saúde. Deve incluir as próprias organizações de cariz de saúde, social e educacional e também as autarquias, que têm um papel significativo. Nos últimos tempos temos assistido, aliás, à transferência de competências na área da saúde para os municípios.
“… mais que compreender comportamentos, as pessoas precisam de saber como usar os recursos de saúde”
Literacia em saúde não é apenas, como é habitual pensar-se, ter-se conhecimento do que é saudável…
Exato! O próprio Centers for Disease Control and Prevention dos EUA realça que, mais que compreender comportamentos, as pessoas precisam de saber como usar os recursos de saúde, quer seja uma urgência hospitalar quer seja ter noção de que alimentos devo escolher. Se opto por comer peixe grelhado com salada em vez de um prato cheio de batatas fritas, também estou a usar os recursos existentes. A tomada de decisões ao longo da vida faz toda a diferença. Hoje fala-se muito na Prescrição Social. Neste campo, os médicos podem, por exemplo, dizer aos utentes, mesmo que saudáveis, que saiam de casa para caminhar. Em Portugal, a qualidade de vida acima dos 65 anos é de 6 anos. Nos países nórdicos são 15 anos! E porquê? Porque têm apostado na literacia em saúde e na adoção de comportamentos saudáveis.
Associada a esta questão está também a necessidade de se mudar o paradigma para as pessoas sejam corresponsáveis pela sua saúde?
Sem dúvida! Há quem não goste de tomar decisões, nomeadamente deste tipo. Porém, assim como se preocupam com o estado de saúde em dado momento, também devem colaborar e ser corresponsáveis ao não optarem por comportamentos de risco. Mas, para tal, não se pode ter uma linguagem em saúde hermética, técnica e fechada, que impeça as pessoas de perceberem claramente o que devem ou não fazer. Temos que ultrapassar esta maneira de estar na saúde, de acordo com a qual, muitas vezes, este tipo de linguagem acaba por ser sinónimo de poder, de se manter um certo distanciamento. Isso não deve acontecer. É preciso envolver o utente na gestão da sua saúde. Optar-se por uma linguagem simples, não significa ser-se simplista.
“É preciso envolver o utente na gestão da sua saúde”
Os profissionais de saúde também devem ter mais formação pré e pós-graduada em literacia em saúde?
Sim! Em Portugal já existe uma pós-graduação em Literacia em Saúde no Ispa – é a única – e ensina algumas competências como comunicação, marketing social, gestão de conflitos, relação interpares, entre outras competências. Tudo conta! Por exemplo, quando não existe uma boa relação interpares, isso vai refletir-se na segurança e nos cuidados ao doente. Ao longo destes anos, noto que os profissionais de saúde estão muito mais atentos a estas questões e prova disso é o facto deste Manual contar com 48 autores. Comparativamente com outros países da Europa, estamos bem, nomeadamente por se ter legislação na área da literacia em saúde. Desde 2016, com o Ministro Adalberto Campos Fernandes, conseguiu-se integrar a literacia em saúde no Plano Nacional de Saúde.
Este Manual foi assim pensado somente para os profissionais de saúde?
Este Manual interessa a todos. Está numa linguagem acessível e clara. Deve ser lido por todos os profissionais de saúde, pelas organizações, pelos estudantes, enfim, é uma forma de conhecer as boas práticas nesta área e de saber como podemos apostar mais neste campo.
Texto: Maria João Garcia
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