Linfomas: “Tratamento teve evolução impressionante nos últimos 20 anos”

Novas terapêuticas têm contribuído para o aumento das taxas de sobrevivência num grupo de tumores que não são raros (representam cerca de 4% de todos os cancros), como explica, em entrevista, a diretora do Serviço de Hematologia do IPO de Lisboa.

A que sintomas devem as pessoas estar atentas?

Há dezenas de tipos diferentes de linfoma. São doenças muito heterogéneas e muito variadas na sua forma de apresentação. Os linfomas são tumores do nosso sistema imunitário, que afetam os linfócitos. Estes são um subtipo de glóbulos brancos situados no nosso tecido linfático e em circulação no sangue.

O sintoma mais frequente, na maioria dos doentes, é o aparecimento de gânglios linfáticos aumentados, que podem aparecer em qualquer zona do corpo. Se forem superficiais, o doente ou o médico podem notá-los. Podem também causar dor, ao fazerem pressão sobre os órgãos, e prejudicar o funcionamento desses órgãos. Por isso, o tipo de sintomas pode ser muito variado.

No entanto, é preciso dizer que, em contexto de cuidados de saúde primários, a maioria das pessoas que tem gânglios aumentados não tem linfoma. É importante transmitir esta mensagem, de modo a não gerar preocupação desnecessária ao público.

Essa falta de sintomas específicos resulta em diagnóstico demorados, na maior parte dos casos?

O tempo até ao diagnóstico pode depender da existência de gânglios superficiais (no pescoço, virilhas, etc), mais facilmente notados que os profundos. Há doentes que se apresentam com sintomas gerais como febre, suores, perda de apetite, perda de peso, que são sintomas nada específicos mas que também surgem associados aos linfomas. A investigação desses sintomas pode ser mais demorada, bem como a de disfunção de órgãos prejudicados compressão ou pela infiltração directa pelo linfoma.

Há, por isso, circunstâncias em que o diagnóstico é muito fácil. Há outras entidades (subtipos de linfoma) que têm apresentações muito particulares, e, assim, é preciso o médico já ter alguma experiência para suspeitar. O diagnóstico é sempre feito através de uma biópsia, em que se retira parte do tecido afetado, que é depois examinado por um médico anatomopatologista.

Existe uma estimativa acerca do tempo médio do diagnóstico?

É muito difícil dizer. No caso dos linfomas indolentes, pensamos que possam ter uma evolução arrastada, uma vez que crescem ao longo do tempo e muitas vezes não geram logo sintomas. No caso dos linfomas agressivos, por crescerem mais depressa e provocarem sintomas mais rapidamente, é provável que a chegada ao médico seja mais rápida. Contudo, quando o doente é por nós observado pela primeira vez não é possível dizer há quanto tempo se está a desenvolver o linfoma.

Quantos casos de linfomas surgem por ano?

Os linfomas não são raros. Representam cerca de 4% de todos os cancros.

Os linfomas podem dividir-se em Linfomas de Hodgkin e Linfomas não-Hodgkin. Também a Leucemia Linfática Crónica (LLC) se classifica como um linfoma. Se contarmos com todos, teremos cerca de 2500 a 3000 novos casos por ano em Portugal. Esta incidência é muito semelhante à de outros países ocidentais.

Quais os grupos etários mais afetados?

De uma maneira geral, a incidência dos linfomas aumenta com a idade. Atingem pessoas de idade mais avançada. Existem tipos de linfomas que aparecem com mais frequência em crianças mas representam poucos casos (as crianças não têm linfomas com frequência).

A maioria dos subtipos é também mais frequente nos homens do que nas mulheres.

Conhecem-se as causas de aparecimento do linfoma?

Alguns vírus (por exemplo o vírus de Epstein-Barr) são causadores de alguns tipos de linfoma, bem como certas bactérias, também relacionadas com subtipos específicos. Doentes com imunodeficiências (congénitas ou adquiridas) ou com doenças autoimunes têm maior probabilidade de desenvolverem linfoma. Nalgumas famílias há uma incidência aumentada de casos de linfoma, sendo que a o tipo de hereditariedade não é muito claro ainda.

Existem alguns casos associados a exposição a produtos tóxicos, incluindo quimioterapia anterior. No entanto, e apesar disto, na maioria dos casos não conhecemos as causas.

Em traços gerais, que tratamentos estão disponíveis no tratamento dos linfomas?

O tratamento teve uma evolução impressionante nos últimos 20 anos. A maioria continua a ser tratado com quimioterapia, pelo menos em primeira linha. Dentro dos Linfomas não-Hodgkin distinguimos dois grupos: os que têm origem nos linfócitos B e os que têm origem nos linfócitos T.

No primeiro caso (o grupo mais frequente, cerca de 90%), tratam-se, habitualmente, com e imunoquimioterapia (anticorpo monoclonal associado a quimioterapia) em primeira linha. É importante dizer que, no momento do diagnóstico, nem todos os doentes precisam de tratamento imediato. Há muitos linfomas – chamados linfomas indolentes – que posdem ser abordados apenas com vigilância, uma vez que nunca se demonstrou que tratá-los mais cedo seja benéfico para a sobrevivência das pessoas afetadas.

Por outro lado, há uma série de novos medicamentos, que interferem com mecanismos de sobrevivência das células, e que estão ser utilizados quer em monoterapia quer em combinação com quimioterapia em diferentes subtipos e em diferentes fases da doença. Só nos últimos seis anos, foram aprovados quatro novos fármacos para a LLC, por exemplo.

A radioterapia tem um papel importante nalguns tipos de linfoma, nomeadamente em fases precoces do linfoma de Hodgkin, em combinação com a quimioterapia.

Existem ainda as chamadas terapias celulares, nomeadamente o transplantehematopoiético (mais frequentemente autólogo, no caso dos linfomas), e agora, mais recentemente, surgiu, para o tratamento de linfomas agressivos (que não respondem a pelo menos duas linhas de tratamento), a terapêutica com células CART-T, aplicada em casos em que as outras terapêuticas são muito pouco eficazes.

Como têm evoluído as taxas de sobrevivência?

No Linfoma de Hodgkin, que constitui 15% de todos os casos de linfoma, a sobrevivência é muito boa e tem melhorado nos últimos anos. Temos, nas formas precoces, sobrevivências a longo prazo superiores a 90% e, nas formas avançadas, superiores a 80%.

Nos linfomas não-Hodgkin agressivos, nomeadamente no caso do Linfoma Difuso de Grandes Células B (o mais frequente de todos), que é uma doença em que conseguimos curar 2/3 dos doentes (o outro terço não conseguimos e é um alvo de investigação) podemos colocar a taxa de sobrevivência nos 60% a cinco anos.

Nos linfomas indolentes, temos medianas de sobrevivência que rondam os 15 a 20 anos – o que é muito significativo. No entanto, são linfomas que não curamos. Sabemos apenas tratar e há que equilibrar cuidadosamente os benefícios da intervenção terapêutica com as toxicidades possíveis, em doentes que esperamos que vivam muitos anos.

No que diz respeito às recidivas, estas são muito frequentes?

Nos linfomas indolentes, são o padrão. Estes casos evoluem com padrões  de remissão e recidiva recorrentes, de duração variável mas em que as remissões duram tendencialmente menos com o passar do tempo. Ainda assim, já existem estratégias (tratamentos de manutenção), recorrendo apenas a anticorpos monoclonais, que permitem que os doentes estejam muito tempo sem precisar de uma segunda terapêutica.

Nos linfomas agressivos, algumas recidivas acabam por culminar na morte. Apesar de tudo, vão aparecendo fármacos dirigidos ou estratégias combinados, que permitem obter algumas respostas. Nesta área, as estratégias de terapia celular (ex. células CAR T) são as mais prometedoras.

TC/SO

Print Friendly, PDF & Email
ler mais
Print Friendly, PDF & Email
ler mais