IC. Novas guidelines trazem “algoritmo terapêutico simplificado” para iniciar “o mais cedo possível”

Ao SaúdeOnline, a cardiologista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Carolina Lourenço, destaca o novo algoritmo, de quatro fármacos, para o tratamento inicial de doentes com IC com fração de ejeção reduzida e em que os inibidores da SGLT2, como a empagliflozina, têm agora indicação classe I A.

Quais as principais alterações nas mais recentes guidelines da ESC sobre IC?

As novas guidelines para o tratamento da insuficiência cardíaca (IC) foram apresentadas no Congresso Europeu de Cardiologia em Agosto de 2021 e trouxeram alterações significativas para a nossa prática clínica, muitas das quais já antecipadas pelos resultados dos estudos a que fomos assistindo ao longo dos últimos anos. Destacarei as principais alterações:

Novas recomendações para o tratamento da IC com fração de ejeção reduzida

– Umas das alterações com maior impacto na nossa prática clinica é o novo algoritmo terapêutico proposto para o tratamento inicial em doentes com IC com fração de ejeção reduzida (FER). Este algoritmo é mais simplificado e inclui 4 fármacos – um inibidor da enzima de conversão da angiotensina (IECA) ou inibidor da neprilisina e dos receptores da angiotensina (ARNI), um beta-bloqueante, a espironolactona e um inibidor do co-transportador sódio-glicose (SGLT2). Estes 4 pilares do tratamento da IC com FER devem ser iniciados o mais cedo possível para reduzir o risco de mortalidade e hospitalização por IC, em contraposição ao algoritmo prévio no qual havia uma adição sequencial de fármacos de acordo com a evolução clinica.  A grande novidade nesta abordagem é também a nova indicação classe I A para os inibidores da SGLT2 – empagliflozina ou a dapagliflozina, para reduzir a mortalidade e as hospitalizações por insuficiência cardíaca.

Qual é a importância desta alteração para a prática clínica?

É defendido que o início precoce das 4 classes em baixas doses é mais vantajoso comparativamente com a estratégia de titulação individualizada e sequencial até às doses máximas toleradas dentro de cada classe. A decisão quanto à escolha do(s) primeiro(s) fármaco(s) a iniciar deve basear-se na experiência do clínico, bem como nas comorbilidades, perfil tensional e analítico do doente.  Existe também uma nova recomendação para que os doentes internados por IC aguda iniciem os fármacos modificadores de prognóstico antes da alta (indicação classe I).

A grande novidade nesta abordagem, para além do timing de início da terapêutica, é também a nova indicação classe I A para os inibidores da SGLT2 – empagliflozina ou a dapagliflozina (evidência que adveio dos estudos EMPEROR-Reduced ou DAPA-HF, respectivamente), independentemente da presença ou ausência de diabetes. Esta alteração é muito relevante para a prática clínica pois representa outro marco histórico e um novo paradigma no tratamento da IC com FER. Trata-se de uma classe de fármacos muito bem tolerada e com a vantagem de não necessitar de titulação, o que facilita não só a sua prescrição por parte dos clínicos bem como a adesão terapêutica por parte do doente.

– Relativamente à terapêutica com dispositivos houve também uma alteração importante na classe de indicação para cardiodesfibrilhador implantável (CDI) em prevenção primária em doentes  de etiologia não isquémica, com IC sintomática e FEVE £ 35%, apesar de terapêutica médica otimizada. A  indicação nestes doentes deixou de ser classe I para passar a ser classe IIa A como resultado do estudo DANISH trial.

No que diz respeito à terapêutica de ressincronização cardíaca, ocorreu uma alteração na classe de indicação nos doentes sintomáticos em ritmo sinusal, padrão de bloqueio completo do ramo esquerdo e duração do QRS entre 130-149 ms e FEVE £ 35%. Estes doentes têm atualmente uma indicação classe IIa B, e não classe I como previamente, denotando a importância do alargamento do QRS na seleção.

 

Classificação da IC. Diagnóstico e tratamento da IC com FE ligeiramente deprimida e IC com FE preservada

– Ocorreu uma alteração na classificação da insuficiência cardíaca com base na fração de ejeção do ventrículo esquerdo. O grupo anteriormente denominado IC com FE intermédia passou a chamar-se IC com FE ligeiramente deprimida e inclui os doentes com a presença de síndroma clínica de IC e FE do ventrículo esquerdo de 41-49%. Esta alteração foi baseada na evidência de que estes doentes poderão beneficiar de terapêuticas semelhantes às que mostraram melhorar o prognóstico em doentes com IC com FER.  O documento apresenta também uma nova tabela de recomendações para este grupo, baseada em análises pós-hoc de subgrupos dos estudos que incluíram doentes com esta janela de fração de ejeção.

– No que diz respeito ao diagnóstico da IC com FE preservada (FEP), tendo em conta a sua dificuldade e complexidade, é recomendada uma abordagem mais prática e simplificada que inclui os elementos major e mais facilmente disponíveis para os clínicos, ainda que não seja proposto nenhum novo algoritmo ou score diagnóstico.

De notar que os doentes com história de IC com FER (FEVE < 40%) e que se apresentam com FEVE > 50% devem considerar-se doentes com IC com FE recuperada (e não IC FEP). A terapêutica modificadora de prognóstico indicada para IC FER deve manter-se nestes doentes.

Tratamento das comorbilidades

No que diz respeito ao tratamento das comorbilidades, destacaria o novo algoritmo para abordagem da insuficiência mitral secundária na IC com FER.  Este contempla a reparação valvular mitral percutânea com uma classe de recomendação IIa B para reduzir as hospitalizações por insuficiência cardíaca, de acordo com critérios bem definidos (critérios COAPT).

O documento apresenta também um novo algoritmo para a abordagem do doente com fibrilhação auricular na IC FER, novas recomendações para o tratamento da diabetes, hipercalémia, deficiência de ferro e cancro.

Também pela primeira vez nestas guidelines dispomos de novas recomendações para situações especiais como a gravidez, miocardite, amiloidose e cardiomiopatias, incluindo atualização relativamente ao estudo genético e novas terapêuticas.

IC avançada e IC aguda

As novas guidelines dão uma atenção especial à IC avançada, incorporando a sua definição e algoritmos de tratamento de acordo com a classe de INTERMACS, bem como critérios de referenciação e redes de organização de cuidados. A indicação para dispositivos de assistência ventricular apresenta um nível de evidência superior e pela primeira vez surge a indicação para transplante cardíaco nestes doentes com IC avançada refratária à restante terapêutica (indicação classe I C).

Relativamente à IC aguda, este documento apresenta uma nova definição e também uma nova classificação baseada em 4 perfis clínicos. São apresentados novos algoritmos de tratamento destes perfis, bem como um novo algoritmo sobre a abordagem da terapêutica diurética.

SO

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