Fibrilhação auricular e demência
Neurologista, Coordenador da Unidade Neurovascular do Hospital CUF Tejo/Membro da Direção da Sociedade Portuguesa do AVC

Fibrilhação auricular e demência

A Fibrilhação Auricular (FA) é reconhecida como a arritmia mantida mais comum na prática clínica e uma das principais causas de AVC, sendo responsável por cerca de um em cada 6 AVC. A sua prevalência tem vindo a aumentar, em particular, devido ao crescente envelhecimento da população.

Para além de se associar a múltiplas outras comorbilidades, a FA tem vindo a ser reconhecida como um importante fator de risco (FR) para declínio cognitivo/demência, podendo incrementar esse risco em 30 a 40%, independentemente da existência prévia de AVC ou de outros FR vascular. Esta associação, reconhecida inicialmente em estudos de base populacional, verifica-se para diferentes tipos de declínio cognitivo, com destaque para a demência vascular e a Doença de Alzheimer.

Ainda assim, a evidência disponível até à data não é suficiente para concluir pela definitiva existência de uma associação causal entre FA e declínio cognitivo.

Entre os vários mecanismos propostos para esta associação incluem-se a ocorrência de microenfartes cerebrais, por microembolização ou doença de pequenos vasos, a hipoperfusão associada ao distúrbio de ritmo, a ocorrência de hemorragias/microhemorragias, assim como a potenciação da doença aterosclerótica sistémica ou a indução de atrofia cerebral.

Múltiplos mediadores como lesão oxidativa, inflamação ou fenómenos autoimunes, bem como a predisposição genética parecem também poder desempenhar um papel nesta associação. No entanto, o aspeto mais importante desta relação fisiopatológica é o facto de múltiplos destes mecanismos serem passíveis de intervenção preventiva precoce.

O controlo dos FRV modificáveis através da mudança de estilos de vida (prática de exercício físico regular, redução do tabagismo e do consumo de álcool e controlo do peso) ou a instituição de terapêuticas farmacológicas especificas para o controlo da diabetes, da hipertensão ou da dislipidemia são assim intervenções determinantes, com impacto na redução do risco de ambas as patologias.

Adicionalmente, considerando a mais-valia que a anticoagulação representa na prevenção de eventos tromboembólicos, a sua instituição precoce no doente com FA poderá representar uma oportunidade de ouro para reduzir o risco de declínio cognitivo/demência, em particular, se considerarmos como um dos determinantes mais prováveis a ocorrência de fenómenos embólicos cerebrais, mesmo que assintomáticos.

Estudos recentes sugerem que o risco de desenvolver demência é tanto menor quanto mais precoce a instituição de anticoagulação e quanto maior o tempo sob anticoagulação eficaz, sendo o efeito mais impactante com os anticoagulantes diretos em comparação com os antagonistas da vitamina K. O mesmo parece verificar-se com a otimização das estratégias de controlo de ritmo, sejam elas farmacológicas ou de intervenção.

Considerando o impacto crescente da FA e da demência na população, a evidência atual é suficientemente robusta para justificar um investimento na realização de estudos de larga escala, começando pela inclusão, por rotina, de outcomes cognitivos nos principais estudos sobre FA. Caracterizar os mecanismos envolvidos na relação entre FA e disfunção cognitiva/demência e clarificar o papel da identificação precoce da FA e da instituição de terapêutica dirigida, quer à diminuição dos eventos embólicos (anticoagulação) quer à melhoria da perfusão cerebral (controlo de frequência e de ritmo) e o seu impacto na redução do risco de demência, são prioridades identificadas neste domínio.

 

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