16 Nov, 2022

Falta de espirometrias compromete o diagnóstico precoce da DPOC

As espirometrias são “fundamentais para o diagnóstico precoce da DPOC”, prevenindo a perda de função respiratória dos doentes. No entanto, este exame não está acessível à maior parte dos ex e atuais fumadores por falta de capacidade do SNS, sublinha o pneumologista José Alves, presidente da Fundação Portuguesa do Pulmão.

Qual o impacto da DPOC na saúde pública em Portugal, no que diz respeito à prevalência ou à mortalidade causada por esta doença?

A DPOC é uma das causas principais de morbilidade e mortalidade em Portugal e contribui grandemente para as mortes por pneumonias, cancros do pulmão e doenças cardiovasculares. A relação entre DPOC e estas doenças está comprovada. O que há em comum é o fator etiológico: o tabaco. Por cada 100 pessoas com DPOC, 90 fumam ou fumaram. Em cada 100 pessoas que fumam um maço de cigarros por dia, 20 vão acabar por desenvolver DPOC. E em cada 100 pessoas que fumam dois maços de cigarros, 40% vão desenvolver DPOC.

A DPOC é uma doença subdiagnosticada em Portugal?

Há um subdiagnóstico em Portugal. Da totalidade, só temos diagnosticados os doentes mais graves, cerca de 130 mil – que são os que fazem tratamento. No entanto, devem existir cerca de 600 mil doentes com DPOC em Portugal. Esta é uma estimativa, baseada no número de fumadores.

O principal desafio a ultrapassar no diagnóstico é falta de espirometrias?

Sim, para se fazer o diagnóstico deve-se fazer uma espirometria. A única região do país que está minimamente próxima do que é necessário a nível de espirometrias é a região Norte. No Norte, 61% dos doentes com DPOC fizeram espirometrias. Em outras regiões, esta taxa nem sequer atinge os 30%. Isto significa que a maioria dos doentes com DPOC têm um diagnóstico feito pela clínica e não através da espirometria. Nestes casos, a situação já é grave, os doentes já perderam parte da função respiratória e já estão a caminho da insuficiência respiratória e da morte. Para impedir isto, temos de fazer espirometrias a todos os fumadores.

Quais as razões que explicam o baixo número de espirometrias realizadas?

Uma das razões é porque os fumadores não querem fazer o exame. Porque se fizeram, vão chegar à conclusão de que estão doentes. Serão aconselhados a deixar de fumar e não lhes apetece. Uma segunda razão é que é difícil fazer uma espirometria: o aparelho é complicado, é preciso um técnico também.

Portanto, neste momento, os centros de saúde não estão preparados para realizarem espirometrias?

A maior parte não faz espirometrias porque não tem especialistas. A realização de espirometrias nos centros de saúde é o busílis do plano nacional de espirometrias da Direção Geral de Saúde, que generaliza a execução das espirometrias a todos os centros de saúde e implica que os especialistas vão verificar se as espirometrias estão bem feitas. Para uma espirometria ser validada, é preciso um técnico para o fazer e um especialista para a validar.

A Fundação Portuguesa do Pulmão conseguiu fazer, em três meses, cerca de 1500 espirometrias em todos os distritos nacionais. Fizemos os rastreios em juntas de freguesia, onde estava um cardiopneumologista com um aparelho. O resultado foi enviado para os especialistas da FPP, e depois de validado, foi enviado para o doente. Provámos, assim, que as telespirometrias são possíveis e que não é preciso os doentes irem aos centros de saúde e hospitais para fazer este exame.

Portanto, quando o centro de saúde não tem capacidade para realizar a espirometria, o médico assistente faz o pedido ao hospital. Esse processo é rápido?

Não, é um processo extremamente demorado. Nesse hospital, temos os doentes internados, por exemplo com cancro do pulmão ou outra patologia respiratória, e que têm prioridade. O SNS não tem capacidade de fazer as espirometrias que seriam necessárias fazer. Teríamos de realizar espirometrias a 20% da população e não temos capacidade para fazer dois milhões de espirometrias.

Defende que seria necessário fazer o exame a todos os fumadores e ex-fumadores independentemente da idade?

As opiniões dividem-se. Há especialistas que consideram que só se deve fazer a partir dos 40 anos. No entanto, a maioria, na qual me incluo, acham que se deve fazer a espirometria tão cedo quanto possível não só aos fumadores como também aos não fumadores, porque estes últimos também podem vir a ter uma patologia respiratória. Conhece alguém que não saiba os valores da tensão arterial?

Existe também uma falta de sensibilização dos médicos de família para este exame?

Não sei. Essa é uma das razões teóricas que podemos elencar. No entanto, o mais significativo aqui é mesmo a incapacidade que o sistema de saúde demonstra para realizar espirometrias. Nem as pessoas que têm diagnóstico da DPOC têm a espirometria feita. A execução das espirometrias é fundamental para diagnosticarmos a DPOC em fases precoces.

Como deve ser ultrapassado esse problema?

Aumentando a oferta. E isso pode ser feito através do SNS ou do setor privado. A espirometria é um passo fundamental para conhecermos a saúde respiratória da população portuguesa. É diferente dizer a um fumador que pode vir a ter DPOC ou dizer a um fumador que já tem DPOC. A espirometria entra no diagnóstico dos estadios menos graves de DPOC, prevenindo a perda de função respiratória e diminuindo a prevalência da DPOC grave. Temos também de passar a mensagem de que os fumadores têm de fumar menos – esse é o primeiro tratamento. Quanto mais se fuma, maior é a probabilidade de ter DPOC.

Um dos objetivos da FPP é também intervir a nível da prevenção primária, ou seja, na cessação tabágica.

Sim. A prevenção primária tem de ser abordada nas escolas, o mais cedo possível. Aliás já está a diminuir, de forma consistente, a percentagem de fumadores em Portugal. E temos também de dar formação contínua, dizendo às pessoas para não fumarem.

SO

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